O construtor de escadas rolantes para declives não íngremes
teve uma síncope de felicidade e morreu. Justo ele, o construtor de escadas
rolantes para declives não íngremes, o mais importante engenheiro do ramo dos
transportes coletivos, embrulhou-se em tamanha alegria a ponto do seu coração,
nada afeito a suores outros senão o da morbidez crônica, falhar e decretar o
seu fim sumário, fim desse que foi o mais importante dos engenheiros do ramo
dos transportes coletivos da cidade de Senta-Panças. Não havia qualquer ladeira
respeitável em Senta-Panças, nenhuma grande depressão, vale ou morro, nenhuma
geografia eminentemente acidentada que justificasse a existência de escadas
rolantes para levar alguém de um lá para cá, e, justamente por isso, o construtor de
escadas rolantes para declives não íngremes tinha a favor de si um fervilhante
mercado de trabalho, sedento por instalar esteiras eletrônicas que evitassem o
movimento supérfluo e compassado dos passos de um homem, ou de uma mulher, ou
também de uma criança, fazendo-nos crer, o que é bem verdade, que todos em
Senta-Panças aprendiam logo cedo a inutilidade de mexer os glúteos nesse
rebolado imprestável, produto disso que chamamos comumente de andar. Aconteceu
um fato, porém, e esse fato é decisivo para entendermos as razões, ou
simplesmente a razão - porque houve apenas uma só -, que levou a cidade de
Senta-Panças a ver-se, de um dia para o outro, órfã desse que foi o mais
importante construtor de escadas rolantes para declives não íngremes,
justamente o nosso personagem em questão, o construtor de escadas rolantes para
declives não íngremes. Numa de suas raras tardes de folga, porque ele era
extremamente requisitado e fazia tempos que não usufruía da sua preguiça
íntima, antes trabalhando para oferecer a preguiça aos outros que usufruíam das
suas escadas rolantes, ele, construtor de escadas rolantes para declives não
íngremes, viu, sem pretensão alguma de ver, o gato do vizinho executar um pulo
soberbo, ato que reuniu todos os conjuntos musculares do pequeno animal para
que ele, o gato do vizinho, conseguisse cumprir aquela fenomenal distância
entre o chão e o topo do muro. Ficou tão emocionado com tal cena que decidiu
prontamente se vingar de todos os senta-pançudos - como são chamados os
habitantes da cidade de Senta-Panças -, que durante uma eternidade inteira
fizeram uso de seus equipamentos rolantes para evitar qualquer tipo de esforço
outro senão o de existir, coisa já por demais cansativa ao olhar desses aos
quais apelidamos de senta-pançudos justamente por morarem na cidade de
Senta-Panças. Dito e feito. Ele, o construtor de escadas rolantes para declives
não íngremes, num ato perfeitamente planejado, interrompeu todos os mecanismos
promovedores do suave deslizar das engenhocas rolantes, e isso num ato súbito,
sem qualquer aviso prévio, fazendo com que a totalidade dos senta-pancenses
(outro apelido possível aos que moram em Senta-Panças) fosse pega de surpresa e
estacasse em cima dos equipamentos, e lá ficando, deitando olhares pasmos no
vazio e sem saber o que fazer, e sem conseguir se mexer, justamente pela força
do hábito de nunca na vida ter se mexido. O quadro dessa imagem causou a ele, o
construtor de escadas rolantes para declives não íngremes, uma gargalhada
hiperbólica, uma gargalhada tão intensa que o seu coração não foi capaz de
acompanhar, brecando suas funções bombeadoras para calar definitivamente esse
que foi o mais genial construtor de escadas rolantes para declives não íngremes
que a cidade de Senta-Panças já viu em toda a sua história.
Obs: Cabe ainda dizer que o enterro do construtor de escadas
rolantes para declives não íngremes não pôde ser providenciado, uma vez que
todos os coveiros, bem como o restante dos senta-pançudos, permanecem estáticos
em suas posições, esperando que um dia as escadas rolantes voltem a funcionar.
Obs 2: O construtor de escadas rolantes para declives não
íngremes, por curioso que seja, morreu de pé, com as duas mãos na barriga, num
claro gesto de gargalhada triunfal. Seu rosto, e tudo isso de acordo com os
relatos de turistas que empreendem excursões até Senta-Panças para testemunhar
in loco o que dizemos agora, cristalizou-se na imagem da risada final, com os
dentes a mostra.
Obs 3: Há quem preveja o fim de Senta-Panças, caso as
escadas rolantes não voltem nunca mais a funcionar.
Obs 4: Réquiem.
Obs 5: ...
...
...
Nenhum comentário:
Postar um comentário