quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

DEPOIS DO ‘AMOR’.... O FILME.



Incapaz de viver o fim, resolvi daqui mesmo de onde estou, bem no meio de algo que não me foi convidado a participar, acenar para o ponto em que tudo se encerra. Desejo ver e saber que espécie de epílogo é esse que me aguarda lá na frente. Que cor será que tem? Há algum cheiro no fim? Um cheiro de fim só meu, será que há?

Mas que empreitada difícil essa! Não poderia de forma alguma ser sincero na imagem daquilo que decreta a minha não mais existência. Imagem não se vê, menos ainda se consegue tocar, só se forma para depois sumir, deixando quem se imagina numa falsa sensação de imortalidade. E o corpo, por existir de fato, some sem voltar; já a matéria do que sabemos falso, nem matéria é, desaparece e volta quando bem quiser... 

Por não habitarem corpo algum, as poesias são eternas, não padecem como os poetas, esses sim, corporificados pela carne de seres semelhantes aos de todos os outros. Que diferença faz ser um pedreiro ou um poeta quando o porto de chegada desova os dois no mesmíssimo país dos derrotados? Talvez essa seja a maior angústia do poeta: trabalha com os vapores do eterno, para ele próprio sumir atrás do que deixou viver...

Foge-me à precisão acertar num alvo que mal reconheço os contornos, e a distância que nos separa só pode ser cumprida com flechas vaporosas de mentiras. O que é a poesia senão o esforço mentiroso por evitar o fim, esse sim real, cru, e, sobretudo, verdadeiro? 

Estou no meio. Que diabos de meio é esse, impossível de voltar atrás para o começo daquilo que começaram por mim, paralisado na terrível certeza de que avançar não é uma escolha, mas um fato trágico, infinitamente menos poético do que qualquer trajetória de herói grego?

‘O mundo é um palco’... nunca uma metáfora me pareceu tão áspera. Noutros tempos, encarava a mesma sequência de palavras como um belo convite à fruição passageira da vida, um pacote de férias que sabemos não durar para sempre, e que por isso mesmo nos enche de ânimo para sorver cada gota do conjunto de paisagens estrangeiras. Hoje, vejo essa mesma sentença como... ia dizer outra coisa, mas acabei por sorte dizendo tudo: uma sentença! Sentença não dessas sentenças literárias, mas sentença das de morte.

‘O mundo é um palco’ virou o tapete que conduz o condenado até o patíbulo da forca, cumprindo cada passo na certeza de que as pegadas impressas serão não por muito tempo a única marca que o seu autor pôde deixar para trás enquanto ainda sabia-se vivo.

Quando a matéria morre, todo o resto morre junto, e por mais que hajam poetas para trabalhar na dimensão do que não existe, basta deixar de existir para que o próprio poeta já não possa mais trabalhar. Quanta coisa delibera-se na abstração poética da vida, evitando o que ela é de fato: uma presença palpável que apodrece aos poucos, e sendo o seu fim o menos enfeitado dos instantes.  

De que forma experimentar o fim? Seria ele um estalo, um segundo e pronto... acabou? Ou uma interminável e sofrível viagem até o desligamento por completo das funções mentais e vitais? Talvez eu devesse falhar nas letras que se seguem nessa minha escrita, numa proposital interferência imaginativa da impossibilidade de se continuar a escrever... ao invés de dizer isso, dizer aquilo sem querer, e sofrer por não mais poder ser aquilo que gostaria de dizer.

Meu Deus! Quem inventou esse negócio chamado vida? Quem seria maluco de assinar o contrato dessa coisa toda caso suspeitasse minimamente das cláusulas funestas a que iria ter de sustentar? Eu não assinaria nada, nem aqui e nem na China! Preferiria não ter nascido...

(...) e aqui vivo no intervalo entre o começo e o fim, passando o tempo com os dedos atados a uma poesia que será esquecida, e para o bem de mim, que daqui a não sei quantas páginas já não mais estarei a serviço de rima nenhuma... simples assim. Ponto final. 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Há um outro de mim fora de mim...


Há um outro de mim fora de mim,
Um que tudo vê sem nada sentir, 
E vendo se diverte, mostrando a língua para os tantos outros 

Que moram dentro do que sou, 
Outros que não vejo, mas sinto aqui. 
Desses eu não quero conversa, são muitos, 
E ainda que tivesse vontade de conhecê-los, seriam eles que 

Não teriam tempo de me receber, 
Atribulados que estão na árdua tarefa de chorar o mundo. 
O outro do lado de fora eu consigo ver, 

Ou é ele quem primeiro me vê,
E pela distância eu o compreendo bem, 

Compreendendo a mim ao mesmo tempo.
É ele que é um só, sendo eu também,
Que divertindo-me ao pensar,
Consegue fazer da vida uma piada, que é o que de fato ela é.
De todos o que sou, esse do lado de fora é o melhor que tenho,
E para onde quer que eu vá, faço questão de tê-lo perto, 

Ainda que sempre longe, a toda hora fazendo-me ver,
Vendo a mim...

Homenagem ao teto...


Agora, deitado em minha cama e de papo pro ar, homenageio o teto do meu quarto com a delícia dessa espécie de pensamento que sei não vingar em nada de concreto no dia de amanhã. Torço as pontas do meu bigode, exultante, feliz por deliberar sobre tudo o que não presta para qualquer tipo de mudança na ordem das coisas, mas que me ajuda a perder-me nas encruzilhadas de ideias nunca acabadas... e nessa inutilidade vou sentindo-me cada vez mais útil, até a hora em que o sono venha decretar oficialmente o fim de tão tumultuado expediente.

OS CUSTOS DE UMA VIAGEM QUE NUNCA SE FAZ!


Se a ideia é viajar, esqueça do ser viajante, e ponha-se imediatamente na estrada! Viaje logo, antes que a viagem se perca na ideia de viajar... 

Porque hoje se dedica eternidades a preparar quem se viaja, ao custo grave de nunca viajar, sempre prorrogando o movimento para certificar-se de que quem o fará está devidamente preparado para os riscos que a jornada lhe irá convidar!

Mas quais riscos se a jornada nunca se dá? Que tipo de loucura é essa que envolve tudo e todos numa redoma, na iminência de se dizer: vá! Mas nunca de fato partir?

Quem adia a partida, jogando flores e acenando em despedida ao mundo que ainda não deixou, atrofia os músculos, virando no máximo um turista da própria vizinhança.

Era uma vez a minha casa, e quem a habita sou eu... esse é o meu jardim, a oitava maravilha do mundo em matéria de canteiros ajardinados - está aqui a minha margarida plastificada que não me deixa mentir!

Abandone o ser viajante! Se a ideia é viajar... viaje sem demora! Já, agora! Tenha a coragem e a bravura de exilar-se, e não perca tempo em carimbar passaporte nenhum!

Vaidade, somente vaidade travestida de cuidados extremos na instrução de alguém que poderia desenvolver o potencial para atravessar oceanos, mas que acaba por virar um mimado-babão, mal conseguindo escovar os dentes sem consultar um manual, na terrível expectativa de se afogar na espuma de eucalipto-fresh!

Ora, como se uma paisagem, uma alameda de árvores, um rio sinuoso, a textura branca da neve não merecessem mais atenção do que os pacotinhos embrulhados que vão na mochila do sujeito que deseja viajar.

Muitos mapas, muitas orientações, infinitas sessões de terapia para acalmar os ânimos sem que os ânimos sejam de fato testados.

Perde-se tempo precioso no exercício vaidoso de pentear os cabelos antes de deixar que o vento o embaralhe.

E nesse entreato autopiedoso, adia-se a viagem! Na justificativa de garantir o preparo de uma travessia, não se atravessa nada. Fica-se no mesmo lugar, num eterno dizer: já vou indo sem nunca ir.

Preparar uma viagem não custa mais do que uns breves alongamentos, o suficiente para as panturrilhas tomarem ciência das contrações que virão a seguir... o restante a própria estrada dará conta de aferir.

Se colocar em viagem é a única solução para se descobrir como viajar.

E andando para não-sei-onde, porque o próprio destino é o ato de viajar quem irá decifrar, ir percebendo aos poucos que espécie de viajante é esse que um dia decidiu partir.

Ponha-se logo na estrada, e sofra os riscos inerentes a todo aventureiro que se permite viajar.

Hoje, não se quer mais viajar, não se deseja mais ir de um lugar ao outro, um simples calçar os sapatos e tratar de enfrentar as intempéries do destino...

Hoje, cumpre-se, ao contrário, o desejo gigantesco de encampar epopéias até a lua, alegando que ao ser que viaja importa entender a sua enorme responsabilidade de viajar.

Eis um novo tipo de desbravador: o viajante de academia! Prepara-se até a exaustão para partir, mas morre no mesmo lugar.

Odes e vivas ao nosso novo Marco-Polo de diplomas! Vestem até capacete sideral no pobre coitado que mal tem forças para ir até a padaria da esquina, chupar um picolé de limão.

Antes de viajar, viaje! Escute o barulho dos pés pisando no chão! Sinta o vento no rosto! Passe frio! Sue de calor!

É a viagem que faz o viajante. Quem se prepara para ela nunca a vive, vivendo plenamente para discursar a respeito da própria coragem que nunca existiu... ou, talvez, tenha existido, só que para justificar o porquê se é corajoso, sem nunca ter tido coragem.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Click!... Emburreci!




Fui acometido por uma síncope, uma espécie de constipação das vias morais... estava eu a mofar no meu sofá, velho companheiro de suporte glúteo, quando de repente e sem qualquer anúncio prévio percebi-me tapado... mais do que tapado, uma toupeira de sangue puro, daquelas toupeiras que nasceram privilegiadas pelo pedigree dos idiotas. Pobre das almofadas coloridas, primas-irmãs do Atlas-dos-Traseiros, que no instante decisivo da minha transformação de filósofo-do-espírito-elevado para um moribundo-de-orelhas-de-abano, foram agarradas por essas mãos trêmulas, ávidas na desesperada tentativa de sustentar o último fio de inteligência que me restava. Pensei em alcançar o interfone e pedir ao porteiro alguma providencial ajuda, mas interrompi o ímpeto ao tomar consciência de que o funcionário-das-grades-eletrônicas não poderia fazer muita coisa a não ser rir da minha cara de anta recém graduada. Que desgraça é não haver um kit de primeiros socorros para ataques convulsivos de burrice, caixinha médica cujo desenho de um cérebro estaria incrustado numa face visível a todos os necessitados de uma injeção de massa cinzenta, e que contivesse uma espécie de desfibrilador neural capaz de chacoalhar os neurônios, fazendo-os retornar das suas férias no litoral baiano. Sozinho e desamparado, resignado pelo carimbo na minha passagem só de ida ao país dos cabeças-de-vento, resolvi, como última estratégia, sair à varanda e gritar a plenos pulmões a minha sentença funesta, na esperança de que alguém devolvesse uma palavra amiga ou de consolo, algo do tipo ‘Já vai tarde, seu acéfalo quadrúpede!’. Debrucei-me no parapeito da sacada ao lado da minha amiga samambaia, e antes de gritar qualquer coisa, abençoei a sorte daquela planta que viera ao mundo sem as estruturas formadoras da caixa craniana, esse cofre de osso que faz de todo mundo que o carrega um potencial aspirante à burrice. ‘Sou uma antaaaaaaaaaa!!!’, foi o teor inteligentíssimo do meu epitáfio gutural, mensagem sem criatividade alguma e respondida com um retumbante silêncio plácido dos eruditos, fatia humana que tem mais o que fazer do que prestar exéquias fúnebres ao único idiota que se descobre imbecil. Voltei para dentro da minha choupana elevada, nome carinhoso a que foi batizado o meu apartamento ainda nos dias áureos da minha atividade mental, e decidi tocar a campainha do vizinho, rosto cujas feições me eram tão conhecidas quanto às de qualquer desgraçado que atravessa à rua para comprar mamão na feira. Quer ocasião mais propícia para se conhecer um vizinho do que essa?  Um pedido de ajuda regado a chá com biscoitos em virtude da minha revoada forçada de ideias sapientes, conferindo ao interlocutor do lado de lá a fundamental tarefa de me botar dentro de uma ambulância para delegar a especialistas do reduto medicinal à cura da triste falência moral do qual virei portador. Eu ficaria contente com tal previsão da sequência dos acontecimentos caso não tivesse novamente um vislumbre do absurdo que seria a minha chegada numa triagem de emergência, deitado numa maca, cheio de convulsões e coágulos invisíveis, tentando convencer o Dr. Fulano de Tal de que o meu caso era realmente grave, gravíssimo, forte concorrente a um leito na UTI-dos-Asnos. Pobre de mim, quem disse que os hospitais estão preparados para tratar de tal enfermidade? Porque o que manda nesses prédios com cheiro de éter e de corredores que servem de desfile para a eterna moda Branco-Amém, é remendar as feridas do corpo, sendo razão suficiente para se lançar fogos de artifício quando um desvalido que entra em cadeira de rodas sai andando, dando piruetas para trás. Ora veja, erguer um sujeito nas suas duas pernas é um negócio pra lá de simples! Quero ver tratar do meu caso, perscrutar os interstícios misteriosos das proteínas formadoras desse vírus ou ameba da mentecapice que uma vez instalado no organismo suga o fluído do QI para níveis baixíssimos! Socorro! Eu exijo cuidados! Onde está a junta de pesquisadores altamente renomada no fenômeno instantâneo de perda absoluta da inteligência? Alguns poderiam dizer que estou maluco, receitando-me o mais conceituado dos psiquiatras para tentar restaurar a química dos miolos derretidos... vão lamber sabão, eu responderia! Eu não estou louco, aliás, muito pelo contrário: estou absolutamente são, tão equilibrado que não tenho problema algum em admitir que virei uma toupeira! Mais doentes do que eu são esses acadêmicos de terno e gravata que adoram sair por aí a divulgar diagnóstico do que acontece na soleira das suas portas para fora, já que quando o assunto é olhar no espelho, tratam logo de fazer uma careta de ‘ué’ para em seguida aplicar um desses cremes faciais anti-envelhecimento! Desisti do vizinho, enfiei-me debaixo do cobertor e peguei da minha estante o primeiro livro que o destino me fez escolher: ‘A Metamorfose’, a história de Gregor Samsa que acorda uma barata depois de uma boa noite de sono. Que coisa é a vida... enquanto o protagonista de Kafka se transforma numa barata-filosófica, porque a despeito da sua nova forma física o pensamento é preservado, eu, por minha vez, perco qualquer filosofia, mas não abandono o mesmo rebolado de antes, quando parecia inteligente. O saldo final de tudo isso é incerto, só sei que dormi... e acordei um gênio, afiadíssimo para lhes relatar essa história de falsa modéstia, de alguém que finge perder a razão para chegar à conclusão de que a razão sempre esteve com ele. E que razão magnífica! Bravo! Minha próxima reflexão será sobre a modéstia... e eu mal vejo à hora de aplaudir de pé o que eu próprio irei escrever. Quanto a vocês do outro lado da página... vão todos lamber sabão!      
  

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

POR QUE OS BUEIROS EXPLODEM? Parte 1 – A Premissa.




Analisando a pauta das questões urgentes cuja causa cada qual à sua maneira periga balançar a dignidade salutar desse nosso Estado-Civilizado-de-Direito-Maior não há qualquer dúvida de que o mistério sobre a razão circunstância motivo ou sabe-se-lá-o-quê do porquê-os-bueiros-explodem configura o principal assunto a ser tratado em reuniões públicas e privadas para que tão rapidamente uma explicação adequada seja dada para fenômeno tão curioso e ao mesmo tempo tão ofensivo naquilo que se refere ao potencial provável de destruição que uma tampa voadora poderia oferecer não só aos passantes que por ventura estivessem transitando nas cercanias do objeto ejetado como também ao ferimento dos princípios éticos e morais de uma constituinte que não prevê em qualquer um dos seus artigos publicados o direito inviolável que todo cidadão-de-bem tem de se esquivar de qualquer circunferência metálica à serviço de uma trajetória parabular e imprecisa pelos ares circunscritos ao perímetro da federação.

Muito bem! Diria o cidadão comum não afeiçoado aos procedimentos de resolução para regimes de crise emergencial dessa nossa nação - muito mais importante do que deliberar sobre tampas-aéreas-de-projeção-desconhecida seria avaliar a razão motivo circunstância ou sabe-se-la-o-quê do porquê-as-vacas-malhadas-mugem-nos-dias-ímpares ao invés dos dias pares quando [curioso!] decidem por livre e espontânea vontade fazer greve na sua produção leitífera fato extremamente inquietante haja vista que nenhum cientista dos cânones acadêmicos teve até agora a pachorra de desperdiçar tempo averiguando num Pós-Doc financiado pela CAPES essa curiosíssima relação que nos diz que vacas-malhadas-mugideiras são aquelas que produzem leite e por conseguinte vacas-malhadas-mudas são aquelas que além de mudas e malhadas são também vacas travadoras-de-tetas-lácteas! Ora se a relação do mugir-ou-não-mugir [eis a questão] bem como a do verter-leite-ou-não-verter [eis uma segunda questão] tem relação direta com os números do calendário romano seria de bom tom ampliar as redes investigatórias de forma a promover encontros entre as tais vacas-malhadas com astrólogos-matemáticos-físicos-e-veterinários-psicólogos uma vez que sanada tal pendenga o leite-nosso-de-cada-dia bem como o mugido-seu-quem-pediu-não-fui-eu poderia garantir um abastecimento sistemático de lactose para todos nós em especial para os bebês desmamados que sem as tetas das vacas teriam de recorrer ao famoso ditado Vai Mamar no Boi! Ora ainda que com as vacas-albinas a coisa se dê de maneira inversa trocando a relação mugido-leite pela variante dias-pares-ímpares-do-calendário-Maia não iremos nos alongar nesse departamento haja vista que não somos agrônomos e tampouco vacólogos para mergulharmos em ruminações nessa importante mas não urgente questão...

Voltemos como diria Voltimando um personagem shakespeariano: Porque-os-bueiros-explodem [???] é o que nos interessa embora nunca chegou a de fato nos interessar até o momento em que começaram a explodir o que já nos indica que algo de anormal ocorreu uma vez que tampas de bueiros normais deveriam não explodir para virar tampas-voadoras mas permanecer tampando os bueiros tal qual uma tampa de panela que como o nome já diz não tamparia nada não fosse a sua respectiva panela existir para ser tampada ENFIM mas não por fim (........) a abertura de documentos secretos do governo nos dá uma importante dica no que diz respeito ao mistério sobre a razão circunstância motivo ou sabe-se-lá-o-quê do porquê-os-bueiros-explodem elencando em ordem não alfabética uma lista de possíveis culpados desse crime se é que se pode qualificar de crime um delito nunca antes qualificado como tal haja vista que só vai para a cadeia aquele que se encaixa ou melhor desencaixa nas normas previstas em lei e uma vez não havendo desencaixe nessa questão de tampas voadoras há que se rever o código penal a tempo de dar o devido castigo ou prêmio aos culpados ou responsáveis pelo feito de decolar esferas metálicas no espaço aéreo circunscrito pela federação...

Senhoras e senhores o primeiro suspeito de perpetrar tal curiosa notícia que recentemente foi manchete nos principais jornais {EXTRA! EXTRA! BUEIROS EXPLODEM FAZENDO SUAS TAMPAS VOAREM PELOS ARES} é justamente o gerente das linhas telefônicas cuja malha de fios interurbanos encontra-se devidamente aterrada por debaixo da terra e em contato direto com os bueiros ao qual constantemente nos referimos até aqui [!] Portanto sem mais delongas vamos ouvir ou melhor ler o depoimento desse empresário do alô em resposta a possíveis acusações temerárias à sua reputação largamente construída através dessa maldição moderna chamada telefone...

Continua...

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Ao lado da guarita, uma casinha de cachorro... e dentro, um cachorro.



Ao lado da guarita do Guarda, bem ao lado desse caixote de concreto com uma janelinha de vidro incrustada no meio para que o homem que está lá dentro possa nos proteger dos outros de nós mesmos que estão do lado de fora, vizinho a esse bunker mal ajambrado que pinga nas esquinas das nossas ruas e faz nos fingir mais seguros, bem ali do lado, irmã-caçula da construção maior e colada a ela, está a casinha do cachorro. De teto de lona de plástico ou de telha, elevada por tijolos do chão úmido ou forrada por jornais de ontem, de alvenaria ou mesmo de restos assimétricos de tábuas largadas por aí, ao lado da guarita do Guarda está sempre ela, a casinha do cachorro. E dentro está ele, o cachorro. De olhos semicerrados e orelhas dobradas ao meio formando setas que apontam para destinos contrários, misturando uma cor na outra sem qualquer cerimônia estética típica dos primos de pedigree, no alto da postura altiva da sua viralatice respeitosa, como uma esfinge congelada pela nobreza dos sortudos que nasceram com focinho ao invés de nariz, o cachorro jaz sentado sobre as patas traseiras na função de proteger quem nos protege. Lá dentro da casinha permanece ele, e sem desmontar a figura emite um breve suspiro de alívio que faz inflar seus pequenos pulmões num convite tentador para esparramar em definitivo o papo ao chão e dar adeus ao árduo ofício de vigiar quem nos vigia. Mas o cachorro resiste. Quem o visse de longe poderia confundi-lo com uma sentinela de cera, inerte na mesma postura de sempre, com aquele rosto de fiel escudeiro semiencoberto pela sombra projetada pelo teto da frágil moradia. Mas o cachorro não parece se importar com a imagem que produz na mente dos passantes, e ainda que tivesse consciência do que dizem ou pensam, responderia que a condição de cachorro-estátua lhe cai muito bem no exercício de zelar por aquele que o alimenta e vez ou outra o afaga no cocuruto. Ora bolas, um cachorro estátua! Pensa o cachorro sem mover um milímetro do seu perfil de mármore, que tipo de gente vocês são para denegrir os sujeitos de quatro patas como nós? Vivem por aí zanzando de um lado para outro e acabam sempre voltando para o mesmo lugar! E mesmo que não falasse para ser ouvido, o cachorro tinha razão. A rua era uma passarela de trânsito previsível, as mesmas pessoas passavam por ela para ir ou voltar de lugares que já tinham ido não sei quantas vezes, e voltado outras tantas infinitas. Se há a necessidade de ir, porque ao chegar não ficar de vez? E se quiserem voltar, que voltem para sempre. Isso sem contar aqueles semáforos e sinais de trânsito que organizam um fluxo de formigas paranóicas, condenando o pobre diabo que fugir do combinado a virar assassino ou cadáver. E se ainda toda essa gincana fosse brincada no silêncio... mas a regra é estourar o tímpano do vizinho. O que dizer então da obrigação, tão esquizofrênica quanto às outras, de fingir que cada dia é um dia diferente? E dá-lhe um repertório incrível de fantasias e argumentos para convencer o mundo de que as cartas ainda não estão dadas, exigindo que cada um construa um teatro próprio na intenção de protagonizar uma farsa mesquinha de expectativas, futricas e vaidades: Fulaninho foi promovido, Sicrano traiu a esposa, Beltrano está terrivelmente aborrecido com a sua ausência na festa de aniversário da filha... uff! Não basta simplesmente viver para ser feliz com o quinhão de felicidade que já está ao alcance das mãos, ou das patas, considerando o meu caso? É isso mesmo! Sou um cachorro-estátua! Não vou a lugar nenhum porque aqui já está ótimo. Que fiquem vocês com suas consciências elevadas, a mim não importa nada disso. [PAUSA] Finalmente o cachorro ajeita-se dentro da casinha e deita, o focinho virado para dentro... a mensagem é clara: ‘chega! Vocês me cansam com toda essa filosofia chinfrim!’... Mais um suspiro canino. Dentro da guarita o Guarda prepara-se para o período noturno e acende uma luz amarela que ilumina precariamente o curto espaço em que habita sentado, mas o suficiente para provar que ele está lá, pronto para nos proteger de outros de nós mesmos. Um pássaro solta uma espécie de guincho ao longe e o cachorro, sábio na literatura dos ruídos, somente amplia um pouquinho mais a fresta mínima do seu olhar de detetive à paisana num reflexo de quem sabe que aquilo que está no céu é incapaz de ameaçar aquele que dentro da guarita imita a mesma postura preguiçosa do seu Sancho Pança de rabo abanante. Se não fosse pelo meu dono eu desistiria dos humanos, pensaria o cachorro caso pudesse pensar... O dia cai depressa e a rua sem pressa insiste em prever adiante mais uma jornada semelhante à anterior - uma sucessão ininterrupta de idas e vindas de carros e pedestres, às vezes na garupa de uma bicicleta, numa carona de vigília sem fim, à espreita dos ponteiros que avançam porque foram instruídos a avançar. E lá fica o cachorro dentro da sua casinha, um totem de bigodes que tudo vê sem nada interferir, dessa vez deitado, pronto para dormir... e dorme.        

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O CAMINHO DAS PEGADAS AUSENTES...



A poucos metros da casa onde eu nasci, bem no meio de um espaço espremido pelas casas que não existiam na época em que eu próprio me dei conta de que existia, resiste uma pequena alameda esquecida pelo tempo. Digo errado, não é bem uma alameda, dessas abençoadas por árvores portentosas que se vê em filmes ou em retratos de viagens, mas um simples caminhozinho ladeado por um jardim também curto e interrompido no seu limite pelos muros das propriedades fronteiriças. Quarenta, cinquenta metros no máximo, constituem a espinha dorsal dessa faixa que numa das pontas encontra-se com a rua, e, na outra, dá de cara com um portão de ferro enferrujado, lambido precariamente por uma tinta que um dia já foi da cor verde, e hoje chora o descaso em forma de lascas afiadas e escurecidas pela ação do sol e da chuva. Qualquer um poderia inferir que o tal caminhozinho já não servia mais ao seu propósito original de oferecer-se ao caminhar, batizando como maluco o sujeito que escolhesse se aventurar por uma superfície coberta de musgos, raízes e toda sorte de matéria orgânica feita especialmente para interromper o ritmo cadenciado das pegadas de alguém. Enfim, não muito distante daqui de onde escrevo, jaz silencioso esse pedaço de terra há muito tempo abandonado sabe-se lá por qual razão. E sobre isso não há o que duvidar, uma vez que é o próprio transcorrer vagaroso do tempo que vemos materializado em cada ramo contorcido de uma vegetação que só conseguiu chegar até onde está graças à recusa das mãos humanas. Na bem da verdade, um transeunte anônimo que por ventura estivesse caminhando pela rua, muito provavelmente não renderia homenagens a esse nicho desorganizado e todo emaranhado por um verde inimigo dos jardineiros e cuidadores de paisagens. Mas outro transeunte, dessa vez um transeunte atento e curioso, poderia muito bem perceber a beleza que brotou desse oásis estrangulado bem no meio da civilização. Foi o que sucedeu a mim. Numa de minhas corridas matinais, antes de apertar o passo e virar à esquerda em direção ao parque municipal cuja calçada serve de tapete aos interessados em queimar calorias, decidi parar e adentrar aquele território proibido. Sem o auxílio de qualquer trilha sonora diferente do arfar da minha respiração, destituído de câmeras especiais que pudessem projetar meu olhar fora do alcance que a natureza já lhe deu a cumprir, longe da magia fantasiosa dos efeitos especiais, senti-me dentro de um filme. Ali, à distância de poucos passos de onde eu acabara de estar, as fronteiras de um novo mundo se faziam erguer – a densidade do ar que não respeitava à ânsia inalante dos nossos vigorosos pulmões, a vibração de um diapasão enclausurado em um perímetro que não conhecia a tagarelice de nossas gargantas, o cheiro virgem que rememorava às eras primitivas que mal podiam prever a quantidade de aromas artificiais que seriam povoados por nossas indústrias de sabores, a vagarosidade de uma superfície não orientada pelo tic-tac alucinado das horas que caminham adiante sem nunca estacionar ou voltar atrás... tudo isso virava um enredo deslumbrante de sensações concretas, nada imaginárias, ao alcance de um sujeito que resolvera por algum motivo abandonar a maquete urbana da qual era filho legítimo. E foram somente alguns passos, poucos e decisivos passos para uma mudança radical e brutal. Fui embora depois de breves segundos, trotando para cumprir a meta saudável de colocar o corpo em movimento, mais uma das muitas metas auto-impostas por uma consciência viciada nas demandas sociais. Mas, conforme a experiência dos prazeres transformadores da vida, a brevidade do que é efêmero é mais do que suficiente para deixar marcas indeléveis em qualquer camada sensível da pele – e é justamente pela superfície da pele que é possível resistir às paisagens organizadas para, vez ou outra, permitir-se pisar em solo instável, todo ele virgem em mistérios...        

domingo, 13 de janeiro de 2013

TU ÉS UM INTELECTUAL!



O golpe doeu. Acusaram-me de intelectual! ‘Tu és um intelectual’, foi o puxão dolorido de orelhas que recebi ao admitir que era um fiel espectador do Big Brother Brasil. Fui à lona, quase como um pobre coitado, vítima dum tabefe do Anderson Silva – UGH!   Preferia ter sido chamado de cafajeste, facínora, tocador anônimo de campainhas, larápio-de-virgens-puras, malandro-do-beco-da-aflição, sei lá! Acusem-me de qualquer coisa, menos de ‘intelectual’ – ‘Tu és um intelectual!’ Mentira, não foi assim que ocorreu o conluio difamatório à minha dignidade! Ninguém usa a segunda pessoa do singular para promover um xingamento, isso é coisa de gente intelectual que quer rebuscar o ocorrido ao povoar com firulas gramaticais um simples (mas potente) ato cotidiano! Santo Deus, seria eu um intelectual? Não! Tornar-se intelectual é o último grau de degenerescência que um pobre diabo poderia alcançar em vida (degenerescência? Hummm... palavras com mais de duas sílabas são munições típicas de intelectuais pós-graduados, todas armazenadas no paiol da erudição vocabular). Data Máxima Vênia, vossa excelência, permita-me refutar a acusação! Não sou droga de intelectual nenhum! A despeito de todos os meus defeitos, ainda procuro ser um bom menino, e se sou perigoso, só o sou contra mim mesmo, na minha tranqüila e frugal qualidade de misantropo hipocondríaco. O intelectual, ao contrário, é o sujeito mais temido pela ordem pública, é ele quem assume para si a responsabilidade de ser inteligente e, com isso, divulgar o exemplo da sua mente elevada como parâmetro de conduta para o restante dos humildes detentores de cabeças menos gabaritadas – ‘Vinde a mim, ó súditos sonhadores de becas acadêmicas!’. Claro que sou inteligente, do contrário seria burro, e para ser burro basta nascer.... não teria a vida desafios mais interessantes do que nascer burro e morrer burro? Não, não, vossa excelência deve admitir que a inteligência não é uma qualidade moral, mas um passatempo dos curiosos, um fardo divertido que cada um deveria se responsabilizar por vestir sem que houvesse nenhuma pressão para tal. O intelectual não! O intelectual se prepara para ser intelectual no desejo de intelectualizar o próximo, muito mais na ânsia de ser aplaudido no púlpito da sapiência, é verdade, do que qualquer outra benevolência altruística, mas, ainda assim, o intelectual faz pose de intelectual, e eu, excelência, tenho como princípio desconfiar de todo mundo que queira me dizer como me portar, ainda que o companheiro de luta tenha as melhores intenções para comigo! Não, não! A minha inteligência é sinônimo de combustível que alimenta a desconfiança, e é com ela que eu fujo peremptoriamente - humm que palavra mais intelectual essa! – da tentação pela verdade. Eu leio muito, vossa excelência, mas não o tanto que gostaria de ler, e se leio num primeiro momento na intenção de entender melhor o nosso mundo, ultrapasso rapidamente esse espelho fiel da vida para incorrer num movimento inverso de fuga de tudo o que é real e comprovável como teoria. Fujo da verdade como o diabo foge da cruz. Eu gosto da ficção, excelência! Gosto dos fabuladores, dos produtores de fantasia, eu gosto do teatro, da mentira e da fraude, porque é nesse lugar de mistério sem solução que eu posso regozijar-me de rir dessa massa de intelectuais que corre atrás do próprio rabo ao achar que existe uma maneira eficiente de se higienizar a miséria humana! Se Deus falhou com os seus dez mandamentos – pobre do Moisés – seria eu, excelência, um reles apreciador das azeitonas verdes, o portador da boa nova? Ah não! Longe de mim! Eu deprecio qualquer tipo de evangelho e tenho um prazer enorme de afugentar todo e qualquer cordeirinho que queira me seguir pelos campos verdejantes dessa vida! Vá procurar outro cajado que o meu eu uso pra brincar de equilibrar na ponta do meu nariz! Eu chafurdo na lama da incoerência, não guardo no bolso nenhuma equação de causa e efeito e transito sem problema algum no meio de tudo o que qualificam como ‘intratável aos parâmetros da boa formação’. ‘Tu és um intelectual’ – cuidado com os intelectuais! Os intelectuais das artes, então... são os piores! Saem por aí a divulgar a cartilha do gosto estético, filipetando manuais do sucesso e da bem aventurança social. Saravá! Data Máxima Vênia, vossa excelência! Na minha humilde palhoça existencial, na qual habito sem nenhuma pretensão de torná-la um condomínio, eu vivo cada dia na ideia de menos saber, menos ter certeza... não é fácil e as dúvidas são muitas! Mas se há uma convicção comigo é a de que eu não sou droga de intelectual nenhum!

Agora, com todo respeito, estou indo comprar o Pay-Per-View do BBB13!

Obs: LUTO – Bam-Bam desistiu!