sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

(RE)CONEXÃO

O homem mais forte é aquele que está mais só.

Começo pelo fim, pela última frase proferida pelo Dr Sotckman, personagem criado por Henrik Ibsen (1828 – 1906) em sua obra prima da dramaturgia universal, O Inimigo do Povo. O desligar dos refletores combinado com o movimento final da cortina decretam o encerramento do espetáculo. A frase decisiva, no entanto, permanece a ecoar pelo espaço, agora preenchido pelas luzes frias da platéia. Enquanto o público caminha calmamente em direção a porta de saída, recobrando a cada passo a inelutável consciência da realidade, o palco mergulha na penumbra, torna-se vazio e quieto anuncia o término da ilusão. Nos camarins os atores desvestem-se e tornam a vestir, agora aprumados para enfrentar o mesmo cenário em que o espectador atua como protagonista. O teatro permanece no silêncio absoluto e é justamente nesse vácuo de estímulos que é preciso fazer retornar o homem, não o ator travestido de personagem, mas o espectador, aquele que de forma intuitiva procurou as luzes da realidade enquanto dava as costas para o palco já sem vida. Posicioná-lo sob o tablado, sozinho, sem disfarces ou máscaras e confrontá-lo com uma imensidão de fileiras de cadeiras vazias, eis o desafio.

O que é mais angustiante, ver-se sozinho defronte um espaço absolutamente desabitado ou notar-se como o centro das atenções de uma platéia repleta de semelhantes? A solidão parece mais convidativa em um primeiro momento já que a dúvida de o que fazer? causada pelo embaraço de ser apontado estaria eliminada. Atuar como protagonista nunca é fácil, melhor seria optar por compor como mais um rosto na platéia – aquele que sequer necessita ser notado – e se o destaque fosse algo inevitável que coubesse ao menos um papel menor, um coadjuvante, talvez um figurante. O ideal seria permanecer só, livre dos olhares alheios. Voltamos então a primeira opção.

Ficar a sós é perceber a si próprio como possibilidade, como potência. Antes, no entanto, faz-se necessário se conhecer e, para tal, não há outra alternativa a não ser colocar-se em experiência, em ação. O espectador abandonado sobre o tablado experimenta, longe dos olhares curiosos, a angústia que figura como matéria prima do trabalho do ator: a dúvida, o vazio. O ensaio funciona para o ator como um laboratório de experimentos em que o saber racional deve ser necessariamente convertido em saber sensível, em pulsação em forma de matéria. Aquilo que se sabe não é suficiente para tornar vivo algo que se queira expressar e, portanto, é imprescindível que o conhecimento acumulado seja desprezado em favor da dúvida, da insegurança de tentar traduzi-lo através de um mecanismo físico-corporal. O corpo deve ser colocado a prova para que o conhecimento se transforme em sensação e a partir daí conferir legitimidade aquilo que antes se apresentava como hipótese. Esse processo, experimental por excelência, contesta permanentemente os resultados alcançados e os força a serem colocados a prova tantas vezes quanto o ator decidir apresentá-los ao espectador. O ator não pensa em cena, o ator age. O que o espectador observa não é senão o ator em ação. O pensamento, as abstrações, as conjecturas, as elucubrações são todas ferramentas importantes, mas não para o ator que posta-se defronte ao público. O pensar do ator se faz em movimento, em gesto e por isso mesmo seu ato não resume-se as fronteiras do intelecto, mais do que isso, o ator pensa com (e para) o corpo. A palavra, veículo da idéia, não reina soberana através da articulação verbal mas, ao contrário, prescinde de todo o organismo corporal – mãos, braços, tronco, ventre, etc – para que o que é dito se torne plausível e verdadeiro aos olhos de quem vê. Um simples tonos muscular desatento ao conteúdo de uma frase seria suficiente para destruir toda a tese de uma idéia e levar o espectador a duvidar da personagem. Nesse caso o ator falha por desconsiderar o corpo como canal e veículo de construção de significados. Não é portanto falso afirmar que o dedo do ator estava em concordância com o rosto ou que, infelizmente, os joelhos não souberam transmitir corretamente a mensagem tão bem articulada pelo direcionamento do olhar. O organismo é quem pensa e quando é possível identificá-lo como agente expressivo naturalmente desviamos o olhar daquele ator verborrágico que ainda defende seu lugar ao púlpito da oratória. Uma vez que a palavra complementa o corporal ela própria se torna corpo, transformando a idéia em matéria visível aos olhos. Por conseguinte, o corpo vivo aproveita a idéia proferida pelo intelecto como combustível para fazer da imaterialidade algo possível de ser compreendido pelos sentidos. A razão do artista, dessa forma, não está condicionada a um forçoso exercício conceitual que esgota-se em seu próprio ofício de pensar. O ator, assim como todo e qualquer verdadeiro artista, transmite e constrói seus pensamentos pelo sensível – através do corpo – que torna-se visível no espaço, a disposição de todo aquele que esteja disponível para absorvê-lo. O conceito, a idéia, a atividade intelectual pura e simples não pode ser descartada porém esse departamento só poderá ser trabalhado enquanto tal pelo espectador na platéia. Enquanto o ator pensa agindo o espectador processa tais movimentos para construir o seu pensamento racional, aquele que não pressupõe o levantar da cadeira para ser viabilizado. Façamos, pois, uma pequena consideração. Na medida em que somos inevitavelmente indivíduos diferentes – a própria palavra indivíduo já denota a especificidade do sentido de único – diferença essa que pode ser confirmada simplesmente através da análise da superfície corporal que atua como impressão distinta de pessoa para pessoa, seria de se esperar que o processamento racional também resultasse em um produto autêntico e distinto. Uma vez que o intelecto é parte integrante do corpo, não há porque duvidar de tal assertiva. Assim como o desempenho de dois atores levará ao espectador duas versões diferentes de Hamlet, visto que o trabalho corporal de cada um delimitará a maneira como a interpretação e o entendimento serão conduzidos, os diferentes espectadores também farão uso de suas especificidades como filtro de suas respectivas ponderações racionais. Essa teoria é pressuposto básico quando tratamos do campo da arte. Compete-nos, no entanto, evitar adentrar no estudo semiótico das significações, o que nos levaria a outros horizontes para somente identificar que a arte, enquanto expressão e também terreno de construção de conhecimentos, trabalha com o instrumental sensível (o que inclui o raciocinar como parte integrante do sentir) para produzir diversas leituras únicas de um mesmo tema abordado. Porém, o que funciona dentro do âmbito artístico parece não fazer efeito em grande parte do contexto da vida cotidiana.

No distante século XVII, período em que os atores ainda eram parcamente iluminados pelas chamas de velas, um distinto espectador de nome René Descartes (1596-1650) levantou-se de sua poltrona interrompendo o espetáculo e bradou em alto e bom som: liberdade ao intelecto. Dito e feito. O argumento era simples e, de certa forma, coadunava-se com o princípio por ele encampado: a idéia deve prevalecer como método para que o corpo responda de forma eficaz e única ao seu estímulo. O restante do público passou, então, a receber cartilhas explicativas que traçavam o percurso dos atores que, agora, já não mostravam-se tão surpreendentes em suas performances. O mistério fora solucionado e bastava um treinamento racional para antecipar as surpresas do acaso e, sobretudo, eliminá-las em função da precisão do raciocínio. As diferenças de interpretações não importavam mais já que o urgente estava em uma compreensão unívoca do que ocorria em cima do palco, recurso esse que possibilitava uma unidade sólida de sentidos. As especificidades abriam caminho para a totalidade que, quando originada a partir de um argumento preciso, não deixava margens para contestações. Deste momento em diante o corpo desligou-se do intelecto que sem cerimônias passou a figurar como único protagonista. A platéia transformou-se em claque, as sensações tornaram-se previsíveis e o ator desvestiu sua máscara para palestrar aos novos pupilos de rosto nu, sem disfarces. Ele próprio, o artista, elevou o verbo como instrumento pregador de teorias e disciplinas. Todos entendiam tudo graças a fórmulas e procedimentos anteriormente elaborados. Estava oficialmente inaugurada a ciência moderna, espetáculo que ainda hoje em cartaz arrebata multidões para as salas de apresentação.

Tal mudança de eixos é justificada a partir do desejo incontrolável de se alcançar a verdade dos fatos. Chegar até a verdade pressupõe a instauração de consensos que, por sua vez, possibilitaria a união de forças em uma direção já programada. O terreno fértil das abstrações ganhou força sob os auspícios do progresso culminando com o império glorioso da tecnologia. Não vamos pois, com o perdão da semântica, negar os inegáveis benefícios da ciência. Imaginemos que para empurrar um caminhão pesado sejam necessárias várias mãos. O importante é levá-lo até o topo da colina e, para isso, nenhum sacrifício deve ser poupado sob pena de a recusa implicar a privação dos benefícios provenientes do usufruto da carga do veículo. Acontece que, por alguma ironia do destino, as mãos que empurram o caminhão não conhecem ou não fazem a menor idéia do que consiste o conteúdo dessa carga que tanto peso produz. O motorista, porém, de posse de uma retórica afiada consegue incutir na consciência daqueles ignorantes que o peso que ajudam a empurrar será de grande valia para suas vidas. Está formado o consenso: é necessário empregar uma certa quantidade de força física em uma mesma direção para que o objetivo seja alcançado. Simples e dirteto, sem margens para contestações. A idéia e o raciocínio sobrepõem o esforço brutal que o organismo é obrigado a fazer com vistas a uma recompensa futura. Ocorre que, de fato, o produto dessa carga, depois de distribuído aos operários braçais, transmite um certo alívio no que se refere ao custo benefício de tê-la empurrado por horas a fio mas, por outro lado, ninguém cogita o porquê de o caminhão não ter feito uso de seus motores para que o trajeto até a colina poupasse o suor dos homens. Talvez o real sentido de todo esse esforço não estivesse na distribuição da carga para aqueles que a ajudaram a empurrar mas sim na sagacidade do motorista que precisava economizar combustível – e que dispunha de uma carga dispensável unicamente como subterfúgio para alcançar o seu intento. A esperteza do condutor está em submeter o músculo dos trabalhadores a uma recompensa forjada pela idéia de seu valor. Enquanto o corpo padece, mesmo com todos os sinais visíveis de que o peso supera a possibilidade de transpô-lo, o sentido último da recompensa faz anestesiar as respostas corporais. A viagem segue tranqüila e todos, aparentemente, satisfazem-se com o que receberam.

A dominação sobre o homem se dá pela consciência. O corpo não é capaz de mentir porque ele próprio reconhece antes mesmo de a razão querer compreender que aquilo que o faz mal deve ser evitado. Não é preciso submetê-lo a cartilhas explicativas para que o corpo entenda que a aproximação da mão ao fogo pressupõe um prejuízo certo. O domínio racional, por outro lado, uma vez separado das conexões nervosas que o compõem como saber sensível sabota a si próprio na crença de que o seu exercício intelectivo pode superar as aflições da carne ou, ainda pior, justificá-las. Aquilo que é estritamente conceitual, ou seja, formulado a partir de mecanismos argumentativos encerrados no campo da abstração, consegue mais facilmente obter consensos porque no instante em que a razão abandona sua necessidade de se espelhar no espaço como matéria sensível ela própria passa a se auto intitular como verdade única. Uma verdade, diga-se de passagem, relativa e tendenciosa, normalmente justificável apenas como desejo pessoal de quem a formulou. E quando a referência passa a ser aquilo que é dito e não vivido qualquer um com alguma habilidade discursiva está apto a reunir ao seu redor legiões e mais legiões de trabalhadores braçais que, por alguma defasagem de conhecimento sensível, cedem as tentações do discurso. O que é tido como absoluto, incontestável, irrevogável só adquire esse status de inviolabilidade dentro da esfera das idéias já que a consistência da matéria é por natureza transitória. E a vida, enquanto resultado de um ciclo contínuo de movimentos, se dá a partir e através da matéria. O corpo – representante supremo da vida em forma de matéria, por obediência as conjecturas conclusivas da razão instrumental, atrofia seu registro sensível em função de estímulos mecânicos que processam tecnicamente as mensagens do intelecto. O organismo deixa de pensar para simplesmente responder. Corpo e mente separados tendem a afastar o sujeito de sua própria essência, aquela que não pode ser compreendida senão pela multiplicidade de fatores que a fazem funcionar. A especialização técnica decreta a morte do sapateiro que antes detinha a sabedoria e a sensibilidade para produzir sapatos, respeitando todas as etapas de seu ofício – desde o recorte do couro até a amarração dos cadarços – como estágios complementares de uma criação única. A produção em série, mascarada em forma de progresso, eleva ao palco o ator falastrão que julga-se no poder de arrebatar multidões pelo intermédio de números pré fabricados. E o seu sucesso é a prova de que o espectador também perdeu a referência de como reconhecer e reagir como organismo vivo. É preciso tomar o caminho de volta e, para tanto, a arte e a educação aparecem como trilhas indispensáveis em direção ao destino de (re)conexão entre corpo-mente.

Arte e educação, ambos departamentos supremos da expressão humana, levada a cabo através da construção de conhecimentos, tem como importante qualidade a inclusão do indivíduo como elemento primordial dentro do seu processo de funcionamento. O trabalhador braçal, aquele que responde anestesiado ao apelo sedutor da abstração, é pinçado para fora de seu torpor inconsciente e, através da recusa ao consenso, principia uma jornada solitária em busca dos sentidos e significados individuais que o fazem reconhecer humano. Esse percurso, no entanto, só encontra terreno fértil caso o pensar seja viabilizado a partir de uma perspectiva sensível em que aquele que se dispõe a jornada possa trilhar ele próprio o seu caminho, experenciando em cada paragem a aplicação prática daquilo que lhe é oferecido como disciplina em sua própria trajetória de vida. Dessa maneira, a arte e a educação transformam-se em ferramentas emancipadoras para que o indivíduo prevaleça sobre qualquer tipo de consenso abstrato, normalmente sob a forma de teorias ou leis universais. O indivíduo emancipado não acumula conclusões e muito menos intenta divulgá-las como fórmulas da verdade, ao contrário, verifica a procedência do que é dito para que uma idéia só faça sentido quando engendrada dentro de um universo particular. Tem-se, portanto, um indivíduo na verdadeira acepção da palavra que, ao inverso do que se possa imaginar, não recolhe-se em suas convicções mas abre-se para o mundo através do que ele pode lhe oferecer enquanto possibilidades. Retornamos a Ibsen:

O homem mais forte é aquele que está mais só.

Porém, ao mesmo tempo em que uma vacina tem a propriedade de proteger o organismo das mazelas da doença, uma dose desmedida de seu conteúdo pode produzir o efeito contrário e causar os prejuízos a que se propunha evitar. A palavra grega “Pharmacon”, seguindo o mesmo raciocínio, reúne na mesma raiz semântica dois significados possíveis e distintos: antídoto e veneno. Arte e a educação apresentam-se como ferramentas capazes de impedir o embrutecimento do homem através do resgate entre o vínculo lógico-abstrato dos conceitos gerais e o universo material-sensível particular. O perigo não está na “dose” de arte administrada ou na quantidade de exposição a que o indivíduo se submete aos métodos de ensino. A bem da verdade, por influência de um mercado capitalista que enxerga o dinheiro como fim último de qualquer esforço plausível, artistas e educadores podem facilmente mascarar a urgência de satisfazer vaidades pessoais através de uma pretensa forma de expressão orgânica e viva. Ao seguir por essa via de conduta, arte e educação reforçam a clausura do corpo em um invólucro sensório, mas não sensível, que não faz outra coisa a não ser reverenciar conceitos abstratos da moda contemporânea, tais como, dinheiro, fama, sucesso, destaque, beleza física, etc. Professores transformam as cátedras em consultório de terapia na tentativa, sempre frustrada, de reverterem a falta de auto estima roubada pelo mercado. Os alunos, por sua vez, mergulham na anestesia de um ambiente destituído de interesse para somente cumprir etapas até recolherem suas recompensas em forma de diplomas. O ator desfila em cima do palco o seu virtuosismo técnico que, ao fim, serve tão somente para fazer ressoar os aplausos dos espectadores, já há muito distantes de qualquer aproximação sensível com o que é visto. Enquanto os aparatos de malabarismo são guardados no camarim, o público retorna para casa satisfeito por ter consumido cultura. A medida em que a arte e a educação adquirem o status de moeda de troca todo o esforço por incluir o indivíduo dentro de um ambiente de (re)conexão com o seu universo de conhecimento sensível é desperdiçado.

A arte, por princípio, não segue os preceitos da utilidade. A expressão artística não deve ser justificada por outra coisa senão por ela própria. O ator que arrebata a platéia com sua emoção só alcança esse estado de comunhão porque o que importa para ele é o momento da criação, o instante da entrega que eleva sua arte como expressão suprema. Questionamentos tais como, para quê? Como? Por intermédio de que? desmancham-se em razão da presentificação de um corpo repleto de sentidos que faz-se compreender por si só, em movimento. O saber sensível, instrumento básico do ator vivo, não precisa de ponderações externas que o regule em suas ações porque o motivo de sua aplicação é particular e torna-se presente a cada instante, sem tabulações programáticas. A regra, o modelo, a técnica conceitual não servem como verdades em um terreno em que as decisões são tomadas em movimento e a partir da ocorrência dos acontecimentos. O esforço é contrário ao de estabelecer princípios gerais norteadores da conduta humana, prefere, por sua vez, destacar a singularidade do efêmero e, a partir dele, quem sabe, chegar a identificar algo de semelhante que componha a essência do humano. O ator orgânico é aquele que convida o espectador a jogar o seu jogo mostrando-o como elemento semelhante a partir do que ele lhe oferece como íntimo e particular. O processo de produção de conhecimentos se dá em ação, em experiência e o que é absorvido passa a figurar para cada espectador como possibilidade de relação com o seu universo individual. O ator, em contrapartida, recebe do espectador a sua resposta instantânea que, ainda em ação, é aproveitada como matéria prima para a continuidade de sua performance. O que é construído entre artista e público torna-se sagrado porque figura-se como único, impossível de ser reproduzido nos mesmos moldes. O tempo, ao invés de cristalizar verdades e servir como parâmetro para repetições de caminhos já percorridos, reinventa-se para acolher novos personagens dispostos a jogar com sua própria precariedade. O verdadeiro mestre é aquele que, tal como o ator, não teme adentrar o terreno do desconhecido e abre espaço para que o estudante também experimente vestir o papel de professor. O exercício da instrução, da doutrinação é o que leva a morte do espírito de ambos, aluno e professor, transformando-os em operários do saber técnico, abstrato.

Ator e professor são agentes de discursos que fazem uso da palavra, do verbo, enquanto instrumento de comunicação. A linguagem é por natureza um conjunto de vocábulos que tem na abstração seu ponto de sustentação para tornar mais próximo o homem do mundo que o cerca. A idéia, o conceito, só faz sentido quando verificada e colocada a prova e, para tanto, não há outra alternativa a não ser transportar a erudição elucubrativa (o primeiro passo pode ser perder o receio de inventar palavras extravagantes que não figuram nos dicionários oficiais da língua portuguesa) para o mundo dos sentidos. Antes do cerrar das cortinas, observemos o espectador corajoso que subiu ao palco. Tudo em silêncio, nenhum refletor em funcionamento. Os atores já desceram ao camarim e o restante do público já se foi. O olhar percorre as fileiras desocupadas e depois aponta para o cenário que a instantes atrás acolhia um universo inteiro. Cada respiração expande e dilata o corpo e o faz perceber vivo, cada movimento ganha proporções enormes. O que fazer agora? Ele não sabe, mas não há problemas em não saber, muito pelo contrário, basta prosseguir.



Francisco Carvalho. Dezembro / 2007.