Senhoras e senhores prometo não tomar muito do vosso
precioso e calculado tempo muito pelo contrário oferecer-vos-ei um golinho do
meu num gesto de benevolência restrito somente as almas beneméritas que
esquecem de si próprias para almejar o bem do próximo esse sou eu senhoras e
senhores um mensageiro da mensagem portador da carta ao portador arauto que não
teme trepar na mais alta das araucárias para emprestar aos pulmões o dever de
comunicar aos quatro ventos uma importante revelação aos senhores sempre na
intenção de vos proteger debaixo dessas minhas asas enormes de papai ganso ah
senhoras e senhores vós que sois frágeis pintinhos irmãos companheiros de luta
tão ávidos por um instante de alívio as vossas aflições assim sendo sem mais
nem menos eis o que eu queria dizer senhoras e senhores presteis atenção pois a
sobrevivência disso a que chameis de raça humana pode depender da correta
assimilação do meu evangelho mais conhecido como o evangelho segundo eu mesmo
sem mais firulas vamos ao teor da epístola CUIDADO há uma enorme gigantesca e
beligerante conspiração em curso !!! mas atenção senhoras e senhores a
conspiração de que vos falo não está matriculada num curso vestibular qualquer
desses que preparam vossas almas para exercer carreiras técnicas nesse mundo
tecnocrata chinfrim não não o que temos aqui é uma ameaça de proporções
hecatombais ou hecatombísticas ameaça nunca antes vista porque se fosse vista
já não haveria maneira de vê-la já que impossível seria ver sobrar alguém para
contar a história depois de transcorrido evento tão portentoso e hipotético do
qual vos falo e agora ameaça estacionar na soleira das vossas portas ah vejam
como é importante senhoras e senhores exercitar um tiquinho de raciocínio
lógico para evitar rodeios retóricos sem profundidade conteudística eu me
protejo de tal perigo sendo o mais breve e claro possível CUIDADO preparai-vos
para o pior acumuleis víveres nas vossas despensas privadas e bastante água
para dar a descarga no dia em que a válvula do vaso sanitário falhar porque o
fedor da carne é infinitamente mais corruptível que o espírito há muito já
corrupto sobretudo senhoras e senhores tapeis vossas janelas com tábuas
pregadas com pregos de chumbo porque vai quê (...) não é mesmo senhoras e
senhores (?) tudo começou com isso que o governo chama de horário de verão um
plano secreto que vos rouba uma horinha pela manhã para vos fazer fritar o
lombo antes mesmo de fritar o bife do jantar esse é o sinal senhoras e senhores
um toque de recolher forçado forçado sim porque senão não seria toque de
recolher e sim um apenas (“) gente vâmo entrar que já está na hora (?”) porque
aposto que nenhum dos senhores já ousou deliberar com vossos próprios neurônios
que habitam vossas orgulhosas caixas cranianas sobre o uso dessa hora extra cedida
forçosamente à cúpula do poder instituído do qual democraticamente depende dos
votos depositados pela dignidade cidadã dos cidadãos habitantes dessa nossa
megalópole ah senhoras e senhores porque sois tão ingênuos (?) poderia admitir
tal fraqueza de caráter em tempos outros mas não nesses atuais cujo fim
espreita-nos sorrateiro como um bichano a espera do camundongo que já se
prepara para sair da sua toca CUIDADO senhoras e senhores protegei-vos dos
perigos iminentes que por serem tantos poupo-vos de os listar aqui para não
mais alardear-vos oh senhores e senhoras queridos filhos do meu peito o que
será de mim sem vós o que será de vós sem mim...
????!!!!!?????!!!!????!!!!????!!!!????!!!!????!!!!!????!!!!!????!!!!????!!!
Tendo em vista a gravidade da situação e antes de desligar as luzes que já
fraquejam nas resistências abajulares peço-vos que lembrem de mim para todo o
sempre só assim manterei a calma para enfrentar o que vem por aí oh senhoras e
senhores se cumprir-vos com vossa promessa prometo prestar-vos eternas
homenagens onde quer que vossas almas venham a habitar... CUIDADO despeço-me.
terça-feira, 30 de outubro de 2012
domingo, 28 de outubro de 2012
NADA!
Senhoras e senhores discursarei sobre o nada e desde já aviso que a respeito do nada não há nada o que se possa dizer afirmar sublinhar quiçá conjecturar o que torna toda essa minha empreitada uma completa idiotice mas alto lá não tratemos as idiotices como um nada desprezível já que é justamente pela soma das idiotices que o mundo ganha o seu combustível para continuar a girar da mesma forma nada especial que já estamos cansados de conhecer ah senhores como é bom não ter o que falar e mesmo assim buscar argumentos para nada dizer sinto-me como um orgulhoso viajante que pega o trem na estação lugar-nenhum com destino vai-saber-onde admirando sempre aquela linda e rara paisagem que não existe do lado de fora mas acreditem meus caros senhores a brisa que bate no rosto de quem não tem nada a dizer é de uma inspiração fulminante a ponto de batizar os sortudos dessa infrutífera experiência com o diploma em branco assinado pelas tintas invisíveis ah senhores um brinde com copo seco para todos aqueles que como eu não tiveram na vida coisa nenhuma a dizer ou fazer e que povoaram páginas inteiras com palavras que fingiam significar algo de útil formando tomos embolorados altamente requisitados nas prateleiras das academias vejam senhores não é preciso muito para falar nada basta relaxar as pontas dos dedos e deixá-los correr pela superfície lisa do teclado do seu computador esvaziando a cabeça para que nenhuma ideia possa ousar se esgueirar pelos meandros cinzentos do seu digníssimo cérebro no início o exercício pode ser um pouco penoso porque não são todos os que costumam arriscar suas parcas energias em escrutinar os becos sem saída dessa matéria filosófica tão pouco tratada mas de fundamental importância para coisa alguma mas coragem ânimo dedicação valentia superação bravo muito bem clap clap clap libere seu eu interior abra seu coração e namastê !!! isso que eu acabei de fazer meus senhores é o que chamamos de literatura de auto-ajuda um ramo muito conhecido daquilo que nada vale mas que uma vez nada sendo ganha direito de permanecer latejando nas artérias cavernosas desse nosso ser olhem só senhores o tempo urge os passarinhos começam a cantar lá fora e tudo o que de poético eu guardo em mim é um apelo frenético à ausência de conteúdos portanto amém e que Deus seja ele quem for vos proteja porque amanhã já é hoje e ainda há muita coisa para desperdiçar nessa lua ensolarada que nada diz mas que nunca deixa de nos esquentar...
Ah... votei!
Senhoras e senhores venho por meio desta já que por aquela outra eu não saberia sequer processar o resultado da soma de dois mais dois anunciar-vos que acabo de exercer o meu fidedigno e intercambiável ato cidadão de pressionar duas teclinhas numa geringonça eletrônica no intuito de eleger aquele cuja farda prefeitoral servirá de manto sagrado aos interesses de todos os necessitados incluindo os mais ou menos necessitados e também os não tão necessitados assim dessa nossa caótica e porque não semiótica metrópole da fumaça ah senhoras e senhores que sensação primaveril essa a do dever cumprido que invade todo o meu ser fazendo deixar para trás um rastro mais perfumado do que o incenso mais fedorento dos rituais de yoga-xamânica porque é importante frisar oh digníssimos leitores dessa ata virtual cujo autor é esse quem vos escreve é importantíssimo e urgente frisar juntamente com os vossos enrolados cachos capilares a alegria varonil de pertencer a esta nação respeitadora da liberdade igualdade e fraternidade sábia herdeira da luta daqueles valorosos maltrapilhos registrados sob a patente francesa de nome Les Miserables que muito antes de se organizarem para apresentar o famoso musical no Teatro Abril souberam doar o sangue muito antes da implementação do sistema unificado de coleta do SUS para a implementação daquilo que os gregos batizaram com o nome de democracia dando origem ao famoso refrão entoado nas passeatas da Avenida Paulista O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO ah senhoras e senhores perdoem-me esse arroubo de júbilo varonil que rasga o peito desse servo Tupiniquim ainda que de índio eu não tenha nada somente a irresistível tentação de me mudar para uma oca no meio de uma selva qualquer longe dessa minha atual selva de concreto e automóveis lar de um formigueiro de Josés Marias e uma multidão de Fulanos e Sicranos todos contentes como eu e sabedores de que hoje puderam apertar aquelas duas teclinhas da geringonça eletrônica para decidir senão por si só mas amparados por toda uma torcida do Corinthians o futuro incerto já que todo futuro é incerto por princípio natureza e composição química dessa nossa capital da fumaça... ah senhoras e senhores... votei! Que orgulho!
sábado, 13 de outubro de 2012
O bigode da justiça...
O bigodão grisalho levantava-se ferozmente, vítima
inesperada de uma lufada quente de bafo proveniente dos recônditos gargantais
do nosso herói anônimo: JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA! Uma breve pausa para inflar
o pulmão e pronto, lá ia novamente o pobre do bigode subir naquela montanha
russa de apelos éticos: JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA! Estufava o peito para clamar
o direito mais necessário, justamente aquele direito mais caro à formação do
caráter de todo ser humano de bem, e ele era definitivamente um homem de bem,
afinal, que pecado haveria de expiar um homem trabalhador que acordava cedinho
para cumprir suas obrigações dentro de seu terninho já muito surrado, indicando
anos de dedicação na função de tabelião no cartório da esquina? Sim, caro
leitor de bem – rogo aos céus, caro leitor, para que tu não me decepciones
nessa hora preciosa, fugindo da qualidade de um digníssimo representante
literário do bem para chafurdar nas páginas mediúnicas de um Paulo Coelho
qualquer -, enfim, o que temos aqui é um exemplo perfeito de cidadão honesto
que, embora nunca tivesse lido a constituição, quiçá o dicionário - para conferir
o sentido dessa tal palavra ‘JUSTIÇA’, não poupava o fôlego para expeli-la boca
afora, envolvendo nesse processo o conjunto total de seu frágil esqueleto, todo
ele preenchido pelo mais sincero tutano do bem. E a coisa se dava mais ou menos
assim: nosso herói anônimo, proclamador da ordem, enrijecia os músculos do
pescoço até as veias formarem lombadas enormes, que na verdade funcionavam como
dutos condutores do sangue, distribuído igualmente para todo o organismo a
partir do cérebro... Detalhemos passo a passo as etapas: depois dos glóbulos
vermelhos serem doutrinados na difícil missão de convocar os órgãos para uma
greve geral no que diz respeito à exploração sofrida pela máquina difamadora
dos hormônios da libido – os únicos que de fato sabem o caminho da boa vida -,
os neurônios, ávidos líderes sindicais da razão, despachavam os soldados
vermelhinhos em jatos regulares sob o batuque do camarada coração, e assim,
cada centímetro do nosso herói anônimo podia tremer em êxtase no exercício
supremo da reivindicação, e o fim da linha, como todos já sabemos, elegia como
vítima o pobre do bigodão grisalho, que era forçado a sofrer uma chapinha
progressiva mediante o bafo quente expelido pela boca do nosso herói justo –
alguém já imaginou se o próprio bigode se revoltasse com a situação e buscasse
ele próprio seus direitos frente à tamanha indignidade? JUSTIÇA BIGODAL!
JUSTIÇA BIGODAL! JUSTIÇA BIGODAL! Era o que se podia chamar de um
rato-de-tribunal. Onde houvesse uma junta de juízes promovendo debates públicos
a respeito do destino de um réu, lá estava ele, e se não o deixassem adentrar a
sala do júri para acompanhar tudo de perto não havia problema algum, permanecia
orgulhoso na parte de fora mesmo, segurando firme o seu cartaz com os mesmos
dizeres de sempre: ‘JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA!’ O seu currículo era invejável,
havia participado ativamente dos últimos grandes escândalos que abalaram a
nação, e nisso estavam envolvidos tanto os assuntos criminais – como aquela
menina que num golpe de insanidade completa matara os pais com a ajuda do
namorado e o irmão dele -, bem como os delitos de corrupção, em que o alto
escalão dos funcionários públicos, principalmente políticos, era conduzido à
chibata na frente dos magistrados do supremo tribunal. Documentava tudo. Fotos,
vídeos, gravações de áudio eram a prova cabal de que o nosso rato-de-tribunal
estivera presente em todos os eventos. Seu lema, um claro e inequívoco ‘A voz
do povo é a voz de Deus’, lhe absolvia do dever de buscar ele próprio as
conclusões para o caso. Não havia necessidade alguma de se debruçar sobre o
assunto do crime em questão, uma vez que a gritaria popular o convidava a
formar coro nessa importante atitude em prol da justiça. E assim caminha o
nosso herói, sempre à espera da próxima sensação jurídica que exija a
contribuição da sua voz. Uma voz completamente ignorante, mas enfileirada com
os deveres éticos e morais que todo cidadão de bem se orgulha por estampar.
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Josias-qui-Sabias, um palhaço triste!
Josias-qui-Sabias – sim, é esse mesmo o nome do nosso herói
-, era um sujeito ridículo, patético, praticamente um fanfarrão que torcia seu
nariz de palhaço para tudo o que viesse estampado com o selo da seriedade da
vida. Aliás, a própria palavra ‘seriedade’ já soava aos ouvidos de
Josias-qui-Sabias como uma das mais risíveis anedotas que os seus semelhantes
de raça já se esforçaram por inventar. Um dia, ligou a televisão e assistiu ao
vivo a transmissão de um julgamento que prometia revolucionar a justiça moral
do país em que morava. A coisa era séria. O alto escalão do governo estava
envolvido num escândalo de corrupção. A nação andava enfurecida e exigia
medidas enérgicas para condenar os réus. A vestimenta dos juízes, as provas nos
autos, o linguajar utilizado por cada um dos magistrados, Data Vênia pra cá,
Vossa Amabilíssima Excelência pra lá, enfim, o cerimonial todo exalava um
perfume de seriedade risível só possível de ser aspergido numa mesa cujos
nobres ocupantes, mesmo famintos, optassem por beliscar educadamente cada um a
sua suculenta azeitona verde, todos fingindo uma saciedade que nunca vinha
servida em prato algum. Aquilo podia ser tudo, menos algo sério. E
Josias-qui-Sabias começou a notar que a vida, desde a sua dimensão mais
comezinha até os patamares reservados as grandes digressões filosóficas, não
passava de um enredo melodramático e ridículo, e o quanto mais se esforçava
para virar uma história séria, mais contornos bufonescos passava a agregar.
Naquela manhã, Josias-qui-Sabias levantou-se cedo, saltou da cama para o
banheiro e, antes de dar a largada no seu cerimonial rotineiro, pousou o olhar
por alguns segundos naquela pasta de dentes sabor menta-fresh. Escovar os
dentes, pensava Josias-qui-Sabias, era um negócio extremamente patético, a
começar por aquele instrumento desengonçado com cerdas nas pontas que ao ser
enfiado na boca começava a produzir movimentos esquisitos para logo em seguida
fabricar uma baba branca involuntária que escorria pelo queixo de quem se
propusesse a tamanha empreitada de faxina dental. Por que raios é necessário
respeitar a esse procedimento? Não haveria uma nova alternativa para se evitar
as cáries ao invés daquilo? Olhou para o espelho e viu a sua cabeleira
despenteada. Pentear o cabelo, continuava o nosso herói, era um troço também
fora de propósito, afinal, ao término do dia o topete estaria tão desengonçado
quanto naquele exato instante em que os fios de cabelo mais pareciam réplicas
do cocuruto da Medusa. Não, não, o mundo estava fora dos eixos, ou será que
sempre esteve? Que raios de aventura sem sentido é essa? Ligou o rádio enquanto
preparava o café da manhã e foi só ouvir a locutora emplacar um ‘bom dia você
que está aí’ para Josias-qui-Sabias explodir de raiva! A saudação ‘bom dia’ não
fazia sentido algum porque dali a algumas horas deveria ser substituída por um
‘boa tarde’ que só duraria ao ponto em que o ‘boa noite’ começasse a vigorar.
Debruçou-se no parapeito da janela para tomar um ar fresco. Nada fazia sentido
naquela manhã esquisita. Os carros que deveriam brecar ou acelerar dependendo
da cor do semáforo, as batidas do sino da igreja, as cerimônias de casamento,
os batizados, as formaturas com legiões de gente vestida de preto segurando
canudos nas mãos, o movimento das esteiras nas academias de ginástica... tudo,
absolutamente tudo era de um ridículo incomensurável. A própria existência
parecia a Josias-qui-Sabias um negócio de difícil explicação e, portanto,
ridículo ao extremo – qual de nós, desgraçados, escolheria viver nessa época de
formigueiro humano em que para cumprir um simples ato como andar na rua é
preciso pedir mil escusas? – matutava nosso herói. Não, não... a vida na sua
dimensão verdadeira só conhece quem desvenda o quão ridícula são as suas
demandas diárias, é preciso desmascarar a pretensa seriedade das coisas para
que seja possível encarar de frente a farsa de tudo isso. Quem se abstém a
enxergar esse enorme teatro de revista vive na mentira, distante da verdade. Que
espécie de talento é esse que encontramos para aliviar a canastrice da qual
somos constituídos ao encobri-la com o tão glorificado véu da seriedade? Josias-qui-Sabias
percebeu que a vontade de ‘ser sério’ era coisa somente dos seres humanos,
animal nenhum se preocupava com isso, um cachorro é sempre um cachorro, nunca um
cachorro sério. Foi então que Josias-qui-Sabias resolveu tomar uma atitude
drástica: iria morrer a cada dia para nascer mais ridículo no seguinte. A cada
manhã seria um novo Josias-qui-Sabias, cada vez mais livre das máscaras
mentirosas que lhes eram impostas. Seria o mais genuíno possível às suas
impressões sobre o ridículo da vida. Saiu à rua e imediatamente foi alvo de
risadas. Voltou correndo para dentro de casa e trancou a porta. Passou o
restante do dia pensando em como convencer os outros de que o motivo de graça
estava na comédia da vida, não num simples palhaço como ele.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Adamastor, o Acumulador...
Acumulava tudo. Desde cedo aprendera que um sujeito honesto, para se dar bem na vida, deveria saber acumular. E assim foi. Em criança soube desenvolver sua personalidade no caminho correto e acumulou o maior número de amigos possíveis, tornando-se o garoto mais popular da rua, logo do bairro e, mais tarde, de toda a escola que frequentava. Lá mesmo no colégio, não media esforços para acumular as melhores notas da sua sala, fruto de horas acumuladas de estudo e dedicação ao raciocínio lógico. Já na adolescência, seu espírito acumulador ganhou novos terrenos: acumulava desejos pelas garotas e era por elas desejado por uns cem números de qualidades acumuladas que palma nenhuma da mão daria conta de enumerar. Seu caminhãozinho basculante de atributos invejáveis nunca o deixava na mão, distribuindo a quem estivesse à disposição um pequeno pacotinho contendo uma amostra grátis da sua sempre exuberante alma generosa, mas cuidado! Não vá exagerar na medida, uma vez que a prática aqui empregada não permite a bonança irresponsável dos perdulários! Ao contrário, a regra é acumular, sempre acumular! A juventude de soma e multiplicação lhe trouxe uma vida adulta calcada no acúmulo de sucessos na área profissional. Acumulava elogios graciosos e os devolvia em dose dupla aos seus superiores, fórmula sagrada para prosperar numa vida cuja tabela de pontuação é sempre medida pela quantidade de firulas retóricas acumuladas por cada jogador ao longo de uma vida: quanto mais enfeites acumulados, mais próximo do Olimpo, sendo o inverso da equação a garantia ao passaporte de fracassado para uma excursão solitária as terras abandonadas do anonimato. O primeiro lugar no vestibular foi só o começo de uma longa trajetória de excessos. Transbordava de qualidades executivas e era por todos apontado como o iminente chefe das empresas XYZ, multinacional ultra respeitável em que começou a bater ponto ainda como estagiário já no primeiro ano de faculdade. Por onde passava deixava um rastro de admiração no ar tal qual a fragrância de um perfume chique, somente reservado aos justos, afinal, não cansava nunca de aprimorar o odor refinado de seu caráter agregador, típico dos líderes cheirosos. Era tanto investimento na soma de habilidades que o seu intelecto não demorou a virar um oráculo, consultado sempre que possível por uma legião de aprendizes ávidos por resvalar suas consciências maltrapilhas naquela tão respeitável pedra filosofal. A premonição se fez verdadeira e ainda bem antes de chegar aos 30 anos já era um homem com os bolsos transbordantes, acumulando uma quantia considerável de rendimentos. Casou e acumulou tudo o que uma família de bem desejaria acumular: filhos. Com os filhos vieram os netos e a aposentadoria por serviços acumulados trouxe a paz que toda cabeça de fios brancos acumulados tem o direito de reivindicar. Tanto acumulou que engordou, sua pança traduzia o que até então havia sido uma vida sempre farta, recheada de sorrisos acumulados ao longo de não sei quantos anos. Como tudo o que acumula não pode fugir do fatídico momento do transbordamento, houve um dia em que o cálice entornou, causando, enfim, um infarto fulminante. Morreu. Mas se engana quem pensa que o nosso herói se deixou abalar por essa mera intercorrência fatídica do destino! Não, não! Já presunto, tratou de manter sua valorosa reputação que a duras penas construiu em vida: não descansou enquanto não teve a certeza absoluta de que estava sepultado por uma quantidade bastante acumulada de terra. Depois de séculos de silêncio, sua cova foi limpa. Nada de acumulado existia mais, nem mesmo memórias do que um dia havia sido... somente um conjunto frágil de ossos disformes.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
A intrigante questão da bunda de nádegas-avantajadas!
Se há alguma coisa que atrasa o mundo, essa coisa é a bunda
de nádegas-avantajadas! Não digo simplesmente ‘bunda-gordona’ porque os fiscais
da ética e da moral, depois de fichar Monteiro Lobato como culpado no
beligerante processo da negrinha-do-pastoreiro, podem a qualquer momento sair
de suas tocas e criar sabe-se lá qual punição para os detratores do
Traseiro-de-Itu. Não! Sou um cidadão correto e respeitador! Prefiro
resguardar-me nessa minha discrição típica de quem não foi privilegiado pelos
deuses com um air-bag na poupança. Mas, voltemos ao assunto. A bunda de
nádegas-avantajadas é uma afronta ao ir e vir do cidadão comum. Duvida? Já
experimentou caminhar atrás de um desses colchões-nadegais? Impossível se
sentir livre! Ninguém atravessa incólume uma dessas bundas. A bunda de
nádegas-avolumadas é uma violência que ameaça a sociedade livre-democrática,
cada rebolada configura um golpe de estado que impede qualquer um de ligar a
seta na direção de uma tranquila ultrapassagem. Se você, caro leitor, é dono de
um desses fiofós-hercúleos, aconselho uma deportação imediata para o único
lugar que até hoje tomei conhecimento por aceitar configurações glúteas de tal
envergadura: a Ilha-dos-Bundões, local em que o simples ato de se sentar não é
tomado como ação terrorista e onde os cãezinhos de estimação foram substituídos
por hipopótamos de loló-GG. Arrisco a dizer que se os grandes ditadores do
mundo fossem portadores de uma nádega-avantajada, todos eles prevaleceriam
eternamente no poder, num império de absoluta e infinita fartura. Esse é o ‘x’
da questão: a bunda! Muito antes dos atributos espirituais ou formadores do
caráter humano, é a bunda a responsável por moldar as habilidades – ou ausências
de – do indivíduo. Deveria haver uma escola superior que nos ensinasse a
conhecer melhor as propriedades físicas do nosso próprio traseiro, assim
seríamos, sem a menor dúvida, melhores cidadãos e mais preparados para
enfrentar a ameaça da bunda dos outros. Isso é importante que se diga: uma
bunda nunca só é uma bunda, mas também uma arma de potencial letal misterioso.
Cuidado com os ditadores de bunda grande, esses são os perigosos! A razão da
queda de um império nunca está na fragilidade do seu exército, mas na
anemia-búndea do seu comandante! Pode reparar: Hitler estava condenado ao
fracasso, sua bundinha de soldado playmobil, pobrezinho, o inscrevia num enredo
cujo trágico fim era mais do que previsível. Não queiramos saber o que seríamos
de nós caso o homem-do-bigodinho-escovado tivesse nascido com um par de nádegas-avantajadas!
Sai de baixo! Veja o caso de Getúlio Vargas, por exemplo. Nosso presidente estava
prestes a cair no sono depois de um dia inteiro de despachos no Palácio do
Catete, quando, já na cama e de pijamas listrados, sente uma ligeira coceira
nas partes de trás. Alcança com seus dedos o referido agente causador da micose
epitelial e é quando percebe – triste constatação - que já não pode mandar mais
em absolutamente nada! Sua bundona de general abastado havia virado um
balãozinho murcho e flácido. Resultado: BANG! É o fim! Enfim, antes de travar
um diálogo franco com qualquer pessoa, caro leitor, dê-lhe uma rápida bisoiada
no que ela leva atrás de si... corre-se o risco de encontrar algo bastante
revelador, intraduzível numa mera conversa de palavras!
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