Quando sou uma orquestra
Minha consciência está nas cordas
Meu coração bate com os metais
As madeiras fazem-me rir em trinados de soluços
E a percussão cala-me por dentro
É o ponto final que comigo só
Não sei se tenho
Só invento
Quando sou uma orquestra
Sou o todo que está lá
Vibrando e sendo
Sou tantos e muitos ao mesmo tempo
Que esqueço de procurar o mistério de mim
Para só ser esse um outro
Maior
E dançando
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quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Fábulas: # Dos Pinguins e das razões dos pinguins serem pinguins somente no polo sul.
Ataúlfo Galhardo das Amoreiras era dessa espécie de fina
flor colhida por entre os jardins da academia, todo ele laureado com bolsas
científicas dos órgãos estatais de fomento, transbordante em pétalas de
erudição, cheiroso pelo néctar doce da especulação metodológica e polinizador
das inventivas mais recentes dos anais universitários. Pois coube a ele a mais
nova gélida jornada de ir debandar-se para os recônditos enregelados do polo
sul com a missão de perguntar aos pinguins de lá qual a razão, motivo ou
circunstância, que os levavam a serem pinguins somente no polo sul e em mais
nenhum outro polo terrestre e não terrestre, haja vista que o mundo ganharia (e
muito!) caso pudesse desfrutar da presença dos pinguins também em outros
terrenos geopolíticos, excetuando, obviamente, o árido deserto do oriente
médio, onde até mesmo os calangos-árabes sofriam com a desidratação feroz de um
sol assassino que pinguim nenhum (ou não-pinguim) gostaria de conhecer. Munido
de seus cadernos de anotações e dos mais variados apetrechos sismológicos
ultra-afiados para a produção de gráficos e medição do tamanho de penas, bicos
e ovos, o doutorando Ataúlfo Galhardo das Amoreiras quedou-se, então, para o
escorregadio polo sul, e como não obtivesse resposta de pinguim nenhum, migrou
para o polo oposto, o norte, onde sabia não existir pinguim nenhum, mas, justamente
por não haver pinguim nenhum por lá, poderia, quem sabe, descobrir a razão de o
polo norte ser tão gelado quanto seu primo oposto e ainda assim nada receptivo
aos pinguins, e, uma vez enveredando por tal mergulho teórico-prático, poderia,
aí sim, voltar os olhos para o distante e ermo sul (primo oposto do norte) e
finalmente descobrir porque cargas d’água os benditos pinguins do sul só
escolheram o sul como quem escolhe um time de futebol e não o troca até que a
morte venha lhe ceifar o brado retumbante. Se é verdade que Ataúlfo Galhardo
das Amoreiras também não descobriu nada no polo norte, também é verdade que não
o conseguiu não por falta de dedicação ou entusiasmo, senão pelo fato de ter sido
ele comido por um urso polar faminto. Uma placa de bronze como homenagem
póstuma fora cravada num iceberg do polo norte (hoje já afundado por
consequências do aquecimento global), bem lá onde nenhum pinguim ia, seja por
falta de entusiasmo dos pinguins, seja por falta de transporte adequado ou
sabe-se lá por qual razão misteriosa. O que se sabe, porém, é que um certo
Germano Olegário das Pereiras herdou a bolsa científica do finado Ataúlfo
Galhardo das Amoreiras, voltando seus esforços intelectivos para decifrar a
razão, motivo ou circunstância, de não haver ursos polares no polo sul.
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terça-feira, 28 de outubro de 2014
domingo, 19 de outubro de 2014
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
Fábulas: # A Queda e a Ascensão de um Tal Sujeito.
Pois havia esse sujeito, todo ele, pobrezinho, assuspeitado de carregar moléstia gravíssima e contagiosíssima, que recolhido numa operação que envolvia roupas especiais ligadas a tubos e macas e bolhas e tudo isso e mais aquilo, e tudo isso (mais aquilo) para que a provável pecha maldita e invisível não se fizesse de besta aos chamegos dos vizinhos desadoentados, fora, portanto, recolhido ele, o sujeito, e num hospital onde lá descobriu-se que ele não era pobrezinho nem nada, não sendo alvo senão de uma febrezinha besta dessas que as bestas costumam frebricitar-se, e foi, assim, divulgado que seria posto tão logo possível novamente nas ruas, mas como já antes havia sido divulgado que ele possivelmente era uma ameaça às ruas, não pelas ruas, esquinas, praças e outros tantos logradouros em si, senão por quem desses pátios públicos por mera teimosia habita, ele, o assuspeitado de moléstia contagiosíssima e gravíssima que se provou não existir, passou a ser ameaçado de morte por quem dele viesse a ter uma mínima comprovação de sua parca e nauseabunda existência, ao que ele, mui sábio, recorreu ao hospital novamente pedindo internação imediata e vitalícia, ao que o hospital retrucou (e mui sagazmente) dizendo que hospital era coisa de adoentados, e que ele fosse se virar na doença da vida saudável sem que se fizesse de pobrezinho coitadinho ou o que o valha, findando portanto o assunto, e findando ele também, o assuspeitado que nada tinha, atirado que foi à primeira ponte que pôde atirar-se para o eterno não-mais. Ficou na memória como um sujeito respeitadíssimo, altruísta de tudo, modelo de busto de bronze na praça central e recorrente fonte de caráter ilibado pela junta de políticos e demagogos bem nutridos da cidade.
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segunda-feira, 13 de outubro de 2014
#Cenas de Rua... Eu e o presunto, ou quase presunto. Tanto faz.
Ontem, ao chegar na rua de minha casa, deparei-me com um presunto estendido ao chão. Ou parecia um presunto. Se não o era, estava em estágios muito avançados de se tornar muito em breve um belo de um presunto. Rodeado por sangue e policiais, concedi ao presunto uma indiferença de quem coça a cabeça e se enfastia por ser obrigado a contornar o percurso interrompido e imaginar rotas alternativas até que pudesse eu, espectador do ator principal, o tal do presunto, chegar finalmente em casa. Imagino agora se fosse eu o tal do presunto a olhar para esse que fui ontem. Talvez um exercício impossível, justamente porque presunto nenhum é capaz de ponderações especulativas da ordem do raciocínio imaginativo. Não, definitivamente o presunto é quem se salva. A vida é coisa para os experimentados numa espécie de indiferença assassina. Só somos solidários em público. Em nossa solidão, desejamos distância de tudo o que nos transtorna. Mesmo que o transtorno seja materializado na figura de um inocente e triste presunto... ou quase presunto. Tanto faz.
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