Ataúlfo Galhardo das Amoreiras era dessa espécie de fina
flor colhida por entre os jardins da academia, todo ele laureado com bolsas
científicas dos órgãos estatais de fomento, transbordante em pétalas de
erudição, cheiroso pelo néctar doce da especulação metodológica e polinizador
das inventivas mais recentes dos anais universitários. Pois coube a ele a mais
nova gélida jornada de ir debandar-se para os recônditos enregelados do polo
sul com a missão de perguntar aos pinguins de lá qual a razão, motivo ou
circunstância, que os levavam a serem pinguins somente no polo sul e em mais
nenhum outro polo terrestre e não terrestre, haja vista que o mundo ganharia (e
muito!) caso pudesse desfrutar da presença dos pinguins também em outros
terrenos geopolíticos, excetuando, obviamente, o árido deserto do oriente
médio, onde até mesmo os calangos-árabes sofriam com a desidratação feroz de um
sol assassino que pinguim nenhum (ou não-pinguim) gostaria de conhecer. Munido
de seus cadernos de anotações e dos mais variados apetrechos sismológicos
ultra-afiados para a produção de gráficos e medição do tamanho de penas, bicos
e ovos, o doutorando Ataúlfo Galhardo das Amoreiras quedou-se, então, para o
escorregadio polo sul, e como não obtivesse resposta de pinguim nenhum, migrou
para o polo oposto, o norte, onde sabia não existir pinguim nenhum, mas, justamente
por não haver pinguim nenhum por lá, poderia, quem sabe, descobrir a razão de o
polo norte ser tão gelado quanto seu primo oposto e ainda assim nada receptivo
aos pinguins, e, uma vez enveredando por tal mergulho teórico-prático, poderia,
aí sim, voltar os olhos para o distante e ermo sul (primo oposto do norte) e
finalmente descobrir porque cargas d’água os benditos pinguins do sul só
escolheram o sul como quem escolhe um time de futebol e não o troca até que a
morte venha lhe ceifar o brado retumbante. Se é verdade que Ataúlfo Galhardo
das Amoreiras também não descobriu nada no polo norte, também é verdade que não
o conseguiu não por falta de dedicação ou entusiasmo, senão pelo fato de ter sido
ele comido por um urso polar faminto. Uma placa de bronze como homenagem
póstuma fora cravada num iceberg do polo norte (hoje já afundado por
consequências do aquecimento global), bem lá onde nenhum pinguim ia, seja por
falta de entusiasmo dos pinguins, seja por falta de transporte adequado ou
sabe-se lá por qual razão misteriosa. O que se sabe, porém, é que um certo
Germano Olegário das Pereiras herdou a bolsa científica do finado Ataúlfo
Galhardo das Amoreiras, voltando seus esforços intelectivos para decifrar a
razão, motivo ou circunstância, de não haver ursos polares no polo sul.
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