terça-feira, 3 de dezembro de 2013

LAMENTO


Se é verdade que nunca fui jovem
Velho também não soube ser
A esperança, de um lado, nunca coube em mim
A certeza do cansaço, por outro, só por boatos sabia
O que sou agora tampouco sei
Talvez alguém no equilíbrio vazio dos extremos
Se das beiradas sei um pouco
No centro guardo muito de quase nada
Esperando para que lado caminho, fico
Mas eis que agora vejo
A direção que me fazem ver é de chão duro
De um rumo de passos cada vez mais tristes
Apagando certezas de outrora só minhas, enfim, ando
Ou só isso faço porque com o tempo não se compete
O certo é deixar-se levar, levando consigo o suficiente de se lembrar
Para trás não mais, quisera que pudesse
Ralentando de memórias, vou
Elas que pensava antes
Serem eternas
Como aqueles de quem gostava
Como eu
Não mais jovem
Um pouco bem mais velho

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domingo, 1 de dezembro de 2013

MOLDURAS IMPROVÁVEIS PARA PERSONAGENS DESPREZÍVEIS: # Augusta, guardiã das escadas...

Só sabemos que se chamava Augusta, ou nem isso sabemos, e ainda, se quiséssemos, poderíamos inventá-la um sobrenome qualquer, mas são tantas as Augustas vagando por aí que não valeria a pena cercá-la de batismos outros senão esse que por hora nos satisfazemos em aferir: chamava-se Augusta e pronto. Mas saibam vocês que bem poderia chamar-se Olegária, ou quem sabe Epifânia-das-Acácias, por que não?... coisa que em nada alteraria o produto dos fatos. Fiquemos com Augusta e não se fala mais nisso. Pois ela, Augusta, era a responsável, ou ainda é, por impedir que qualquer fulano que por ousadia rompesse as margens do bom senso, ainda que margem alguma houvesse sido proclamada aos ventos, resolvesse, por livre e espontânea implicância, galgar os degraus daquela escada que, nesse instante e por razões que a nós parecem mais do que justificáveis, não merece explicações acerca de onde iria dar, só nos restando dizer: era uma escada que iria dar em algum lugar e pronto. Mas saibam vocês que bem poderia ser uma escada cujo destino levasse o seu aventureiro escalador a desfrutar das mais angélicas iguarias, esperando-o no cume uma comitiva de nobres representantes todos enfileirados atrás de uma generosa fita somente aguardando o momento em que ele, o fanfarrão aventureiro ultrapassador de degraus, sacasse de seu bolso uma tesourinha qualquer para, então, rasgar com um ‘zip’ certeiro o cetim brilhante daquele limite falsamente imposto para, então, ser atingido na cabeça por bexigas coloridas e confetes recortados em pedaços pequenos e igualmente coloridos, tudo, evidentemente, celebrado sonoramente pelos acordes de uma fanfarra qualquer, ou mesmo uma banda, e ainda que fosse um quarteto de cordas, enfim, daria no mesmo. Fiquemos com a fanfarra e pronto. Pois ela, Augusta, consideremos esse o seu único nome sem sobrenome, estava lá justamente para impedir que qualquer diabo transgressor ousasse direcionar o seu corpo, mirrado ou preenchido por banhas, para esse monumento de ferro escarpado e, por fim, agisse como um desnaturado criminoso que certo dia acorda com o único objetivo de fazer frente às legislações sociais amplamente entabuladas nas placas da lei e da ordem, ainda que placa alguma houvesse, e muito menos uma placa dizendo: NÃO SUBA A ESCADA!, para, então, lançar-se impiedosamente para cima, com ou sem a ajuda do corrimão, para, então, lá do alto, distribuir sorrisos zombeteiros para aqueles que, sábios de sua minúscula importância, tivessem permanecido onde deveriam permanecer, no andar debaixo, silenciosos e admirados com tamanha falta de senso ético e moral daquela ovelha desgarrenta, cujo balido altissonante faria qualquer um reivindicar seus direitos junto aquela cujo nome decidimos democraticamente ser Augusta. E justamente lá estava ela, Augusta, empregada para tal emprego: o de evitar que aquela escada servisse de emblema transgressor, pronta para reprimir com a força da voz a ordem inequívoca resumida na seguinte frase: PROIBIDO SUBIR AÍ!... e vejam vocês, aquela escada bem poderia ser o destino de um cadafalso, fazendo dos seus degraus a marcação ritmada dos últimos suspiros do condenado que houvesse curiosidade por vencê-los, nesse caso, então, Augusta seria uma verdadeira anja travestida de funcionária da burocracia crepuscular, mas, ainda que isso fosse verdade, que regra é essa que impede qualquer miserável de dizer: QUERO ME ENFORCAR E PRONTO! (???), justo por justo, seria mais do que justo que qualquer diabo decidisse por si só e sem a interferência de qualquer Augusta, Sônia ou Eulália, se seria o caso, hoje ou amanhã, de se enforcar ou não, ainda que para tal houvesse por desafio escalar aquela maldita escada feita de metais talhados... mas tudo isso são conjecturas, afinal, a escada ainda continua lá, virgem de viajantes, e para todo o sempre guardada por sua fiel escudeira, Augusta, ou Norma, ou Sylvia com ‘Y’...      




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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

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Dizer o que há para ser dito
Dizendo o que aos olhos não foi feito para ser visto.
Ver o que existe à vista
Inventando imagens nunca antes conhecidas.
Habitar o solo que a todos sustenta
Plantando terrenos de instáveis sedimentos.
Desequilibrar-se no equilíbrio da constância
Perdendo o fôlego no sopro do movimento.
Saber que viver é questão de respeitar simples fórmulas
Colecionando necessárias destemperanças...

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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

(...)

Dessas dores que agora sinto
Todas elas apago
Quando por elas vejo
Que do corpo vem
Seu estalo...
Quão pior seria, alma minha
Se fosses tu a ferida
Melhor assim
Enquanto o de fora padece
O resto aos olhos não visto
Resiste
Não entristece...

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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

[...] ?

Sonho pouco
Ou nem tanto
Só sonho para sonhos não guardar
E quando acordado
Comigo fico
Pensando o tanto que dessa matéria desperdiço
Tentando reaver uma lembrança que seja
Daquilo que some
Quando se dorme...

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MOLDURAS IMPROVÁVEIS PARA PERSONAGENS DESPREZÍVEIS: # O Papagaio órfão...

Deve ter sido um peralvilho cuja mãe por paga merecida do destino deve hoje assar as ancas nas labaredas do inferno em razão de ter estreado ao mundo cria tão abjeta e descomposturada o responsável direto pelas idas e vindas daquela senhora balofa de buço proeminente à varanda de sua casa naqueles intervalos intermitentes em que a campainha tocava e nenhuma alma aparecia para reivindicar a autoria do chamado. Pois na última vez dessa indecorosa ocorrência a Matilda-das-Banhas nome inventado para a tal senhora balofa e de buço florestal levou consigo uma espingarda velha do finado marido que julgava estar aposentada na sua ferrugem sexagenária. Pois não estava. Um tiro soou. E o pobre do carteiro que em nada tinha a ver com os joguetes desse tal peralvilho de mãe agourenta a quem nunca chegamos a conhecer mas tão somente conjecturar existir enquadrando-o na autoria das diabruras já relatadas teve de se virar para fazer passar a bala por cima de seus ombros e se nele o projétil não produziu maiores estragos fora o susto foi a coisa aninhar-se mortalmente no coração inocente da senhora Conceição outra gorda mas sem qualquer vestígio de buço que regularmente levava seu papagaio para fazer a siesta no terraço de sua humilde residência. A carta jogada para o ar antes do Raimundo, outro nome inventado para o carteiro que bem poderia se chamar Jacó ou Antenor, sair correndo sem que saibamos se um dia voltará a tocar qualquer outra campainha na vida dizia em letras chiques que a tal Matilda-das-Banhas era convidada para um baile de terceira idade naquela mesma noite e enquanto o papagaio da finada Conceição era levado para a delegacia numa tentativa desesperada de inquirir o bicho sobre as circunstâncias que levaram sua dona a bater asas para o além a tal da Matilda-das-Banhas rebolava seu quadril coladinha a um senhor que se não era tão parecido com o seu finado marido muito se assemelhava à espingarda enferrujada que instantes antes dera fim a uma amorosa relação entre a Conceição e o seu hoje pássaro órfão.

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MOLDURAS IMPROVÁVEIS PARA PERSONAGENS DESPREZÍVEIS: # O Ator de copiosos fracassos.

O tal ator cujo nome não importa, irrelevante tanto no palco quanto na vida, passou sua cinza existência colecionando fracassos e abismos de crítica, até que, numa determinada noite, Astolfo, seu cão vira-lata de sarna às vistas e pata manca, que mui sabiamente era levado pelo próprio dono para esperá-lo no camarim, sendo ele, o cão vira-lata, o único diabo a lhe congratular com uma lambida o seu pífio desempenho sobre as tábuas da ribalta, escapou da coleira e foi querer experimentar as agruras do seu amo, servindo-lhe de antagonista. O tal ator cujo nome já o tempo apagou, vendo o bicho manquitolar feito um Ricardo III debaixo dos refletores, e ávido por um afago na orelha caída direita, soltou um berro trágico de 'fora daqui, seu quadrúpede miserável', no que fez imediatamente Astolfo congelar feito uma estátua de sal do antigo Egito. A plateia veio abaixo em urros e vivas, e o jornal estampou no dia seguinte a estrondosa interpretação que há tempos o teatro economizava aos seus tristes espectadores. Pois coube ao destino cerrar as cortinas para Astolfo, devolvendo ao ator cujo nome é tão desprezível quanto o seu passado inglório, a sua sina de padecer novamente na falta de talento, que somente um cão vira-lata pôde, um dia, reverter...

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Sou um picles naufragado...

Sou mais conservador que um picles condimentado num pote embarcado e naufragado pelo Titanic, nos idos dos 1912... e só não saio por aí gritando 'viva a família, a tradição e a propriedade!' porque, primeiro, todo picles já nasceu abençoado por essa dádiva que só as verduras e aos leguminosos é dada, seja ela a de não possuir cordas vocais, e, não obstante a isso, porque sou também dessa espécie peculiar de picles tida nos anais das gôndolas dos supermercados como picles-descrente, e isso no que se refere tanto aos movimentos progressistas, como para marchas para trás... No fim das contas, há sempre uma tragédia benfazeja em se saber um picles naufragado, afinal, dá para assistir de camarote toda a sorte de peixes, cartilaginosos ou não, de tubarões grosseirões a cardumes de sardinhas minúsculas, todos atravessando de um lado para o outro rumo a não sei qual objetivo nobre....

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Vontade de ser japonês...

Há dias em que me bate uma vontade louca de ser japonês, mas desses japoneses do Japão, de olhos puxados e que comem cadáver de peixe enrolado em alga azeda feito um ritual ancestral de reverência a algum espírito superior seja lá qual seja Ele, tudo no mais sepulcral silêncio contemplativo...e bem longe desses japoneses arraigados em solo tupiniquim, ainda que tenham eles também os mesmos olhos puxadinhos e que repitam o cardápio frio dos primos do oriente. Isso porque esses últimos japoneses, os abrasileirados, já se contaminaram por essa radiação tropical que os torna parecidos com nós, contingente de maritacas desvairadas que vivem para subir nas tamancas da Carmen Miranda e desfilar cocares de frutas por cima dos cocurutos, ainda que ninguém saiba se equilibrar nos tamancos como a saudosa Dona Carmen, e tampouco tenham cabeças com superfícies suficientes para sustentar tanta melancia como advogam fazer (fora, evidentemente, nossos primos cearenses). Porque a questão é essa, uma breve visita à padaria da esquina se transforma numa imersão antropológica no coração da bateria da Estação Primeira da Mangueira, lar abençoado do já finado, mas nunca esquecido, Jamelão. Se por um acaso algum desgraçado dessa terra sub-equatoriana resolve ir bebericar um cafezinho num desses estabelecimentos barulhentos e lá dentro é acometido por uma ideia genial capaz de revolucionar a ciência moderna e deixar Einstein lambendo sabão com aquela sua língua cheia de papilas relativas, não importa o quão efusivo seja na tentativa de angariar plateia para a sua descoberta, ninguém prestará a mínima reverência ao dito cujo, todos empenhados que estão em competir seus decibéis com os do Seu Zé, operador de britadeiras que também aqui, no ocidente abafado, é mais barulhenta do que as de lá, do oriente ensolarado. Aliás, aposto meu dedinho mindinho que não há britadeiras no Japão, lá os buracos devem ser tapados com alguma espécie de oração budista, sem mover uma única onda sonora para tal tarefa. Ah... que vontade de ser japonês, mas um legítimo japa do Japão, lugar que, mesmo visitado por Tsunamis, ninguém se dá ao luxo de sair por aí arrastando as chinelas e gritando 'Silvio Santos vem aí, tralá La-ra La-ra!'...

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MOLDURAS IMPROVÁVEIS PARA PERSONAGENS DESPREZÍVEIS: # Aroldo das Acácias, o pipoqueiro.



Pois havia esse tal de pipoqueiro cuja graça respondia por Aroldo das Acácias e que gabava-se por ter na ponta dos dedos a exata quantidade de milhos a que dispunha estourar e oferecer ao cliente interessado em mastigar seu fino produto. O número ficava a cargo do freguês, 20 milhos equivaliam a 20 pipocas, 40 milhos? Pois não, senhor, 40 pipocas! 60, 60, 80 = 80, sem desperdiçar um único grãozinho, e tudo sem a necessidade de procedimentos outros a não ser a habilidosa sensibilidade desse Aroldo das Acácias, que sabia exatamente o quanto de material jogava na panela quente para estourar. Pois um dia descuidou-se em sua mise en scène e acabou cego de olho, culpa dos respingos do óleo. A mesma habilidade, porém, preservara, ainda que do último olho sadio também ficasse cego, culpa do mesmíssimo erro anterior. E quando ficou surdo por alguma anomalia genética inexplicável pela junta médica que o atendeu, ainda assim mantinha a sua espantosa arte de converter milhos em pipocas sem as intercorrências dos piruás desertores, ou mesmo evitando incorrer na péssima promessa de oferecer mais por menos, tudo isso em função da vibração que sentia com as mãos ao despejar o produto cru na panela quente. Pois queimou as mãos, ambas morrendo para a tarefa. E quando esse tal de Aroldo das Acácias sobrou apenas com o nariz, já muito avançado em anos estava para adaptar-se às circunstâncias dessa difícil artimanha de fazer estourar pipocas, pelo menos na excelência com que estava acostumado a lidar. Foi então para o interior, onde, até onde se tem notícias, soube desenvolver um faro raríssimo para antever o ponto de brotação das jabuticabas.

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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

(...)

Se todos os silêncios fossem como os da madrugada
Se os dias nascessem assim
Sem o bulício da alvorada
Ai de mim
Que só peço isso e mais nada:
Atravessar eu as horas
Sem que o tempo comigo andasse
De mãos dadas...

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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Já fui o que pude ser...

Quando fui jovem
Já velho era
E agora que velho sou, de jovem só tenho isso:
Memória de jovem nunca ter sido.

Já vim com os sobrolhos enrugados da desconfiança
Escolhido desde cedo para descrer
Quando a juventude inspirava ares de esperanças, eu calava rindo
Num mundo que nunca pude ver.

Assim cresci, assim venho morrendo
E falhando nas vistas para o horizonte
Resisto ao adiante
Voltando para dentro.

Porque em mim sei que funciona assim
Sou o que sempre fui
Sem jeito outro de ser senão esse
Condenado a comigo padecer.

Boa sentença essa!
Porque do velho guardo isso:
De tanto cansar de viver o mundo
Sabe que a vida é só consigo.

E se naufraga sozinho
É por teimosia em homenagear
Aquilo que sempre existiu
Sem que houvesse jeito de mudar

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domingo, 27 de outubro de 2013

PRECÁRIO...

Sou do raso
Da superfície
Meu mergulho é no supérfluo
Não engendro mistérios
Nem escondo outros de mim
Sou assim:
Se fosse um livro, seria de contos breves
Onde os olhos poderiam correr
Longe das entrelinhas 
Vendo o que se há para ver, e só
Sou assim:
Fácil de ler...

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domingo, 20 de outubro de 2013

Descobri...

Descobri que não sou daqui
Descobri que não me satisfaço com o que faço
Descobri que o sol que me ilumina não me anima
Sou antes fiel à lua, que só aparece quando eu sumo
E minha alma arrefece
Descobri que sou temerário aos itinerários, antes preferindo o relógio das ventanias
Um soprar para lugar algum, rumo certo à calmaria
Descobri que o tanto que disponho é pouco
Sou afeito aos restos, e por isso chamam-me louco
Descobri que tudo é sempre grande demais
Quando o desejo é respirar
Nada mais
Descobri que um jeito sempre há, senão de viver
De assim continuar
Transbordando de vontade
De um desejo nunca inteiro
De voar para longe
Com asas de liberdade...

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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O que seria se?

O que seria do mundo sem aqueles que ao mundo dão corda para fazê-lo girar?
O que seria de mim se tão fundamental tarefa coubesse a esse que sou, nunca instruído sobre ofício tão indecoroso?
O que seria se o supérfluo me fosse levado
E eu obrigado fosse a dar conta do essencial?
O que seria se roubassem-me o inútil
E vestissem-me com essas roupas dos dias
Dos que andam com metas e pastas debaixo dos braços?
O que seria de tudo isso
Se sobre isso não pudesse simplesmente escrever
E saber que tudo, incluindo o que é lido
Embora desejoso de vitória
Só acontece para morrer
No destempero da memória?


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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Queria, mas não vou!

Eu queria dizer ao mundo tanta coisa...
Mas o que me sobra depois de tantos outros haverem dito
É dizer que não há outra coisa que valha mais a pena
Que nada dizer
E nisso fico
Dizendo que dizer é no fundo isso:
Um desperdício de calar
Ou pena de não conversar
Só comigo.

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sábado, 12 de outubro de 2013

OCUPAÇÕES INDIGNAS DE URGÊNCIA EMBLEMÁTICA – # O fazedor de cavaletes.


Não se constrói um cavalete assim, com essa cara de quem acabou de se levantar da cama. Porque a cara de quem se levantou da cama é sempre uma cara de quem se levantou da cama, denunciadora da tragédia que é ter se levantado da cama mais uma vez, e, não obstante a isso, erguendo-se da cama justamente com ela, a mesma cara que ontem foi se deitar, e para os mesmos serviços a que está rotineiramente acostumada – ainda se pudéssemos decidir com que cara acordar, tudo seria infinitamente mais fácil. Ademais, encerramos essa questão da dificuldade de se ter uma cara que acabou de sair da cama e, portanto, incapaz de prestar para o exercício da fabricação de um cavalete, dizendo que esse tipo específico de qualidade de cara não nos serve para tão caro intento, que é o de reunir expedientes, tanto intelectuais quanto manuais, para dar conta dessa tarefa de construir um cavalete. O cavalete exige mais, é matéria de concentração árdua para fins de extrema utilidade pública, uma vez que o cavalete é peça fundamental, por exemplo, para se levar não sei quantos milhares de pessoas a determinado lugar escolhido por aquele que, não necessariamente o construtor de cavaletes, mas aquele que resolveu por ali largar esse totem de madeira talhado na proporção exata para manter-se em pé por séculos e mais séculos até que alguém, não necessariamente o construtor de cavaletes, mas alguém que por alguma razão sabe-se lá qual retire do lugar para alocá-lo em outro, e numa fila de iguais – porque um cavalete sempre anda em parceria com outros cavaletes – redirecionar essa massa de humanos que mui sabiamente um dia viu a necessidade de ser guiada feito rebanho de boi para onde quer que seja preciso ir, seja para lugares aprazíveis ou não tão aprazíveis assim, bastando como estímulo para levantar a cara diariamente da cama que esteja em constante movimento, movimento que participa da extrema necessidade de não ter razão ou motivo algum para ser, conquanto vá para onde tiver que ir, e nisso o cavalete nos auxilia. Veja, então, o porquê de darmos a devida atenção e valor a esse profissional que mui sabiamente coloca-se a favor dessa que talvez seja, ao menos pelos nossos cálculos não há dúvidas de que de fato seja, a mais crua e substancial necessidade humana de saber-se massa de manobra, e, portanto, humildemente ávida por cavaletes a serem erguidos como baias de retenção aos perigosos desvios ou arrogâncias daqueles poucos que, mui arbitrariamente e sem qualquer justificativa plausível, dizem: vou para onde quero e com as pernas que me deram...   

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A travessura
A incompostura
O deboche irreverente
A acidez de quem deixa de crer, vertendo lágrimas
Descrente
O riso sem causa, ou abarrotado delas
Rindo de tanto rir, imprecar sem ter porquê 
No ato sem consequência, esvaziar 
Armar viagens de vento cujo destino não é chegar
Ou chegando, antes de pisar em terra
Naufragar
Indo sempre além do que se vê, mas vendo tudo de tão perto
Com os olhos de quem nunca se acostuma a ver 
Aquilo que por visto se dá sem força, bastando ser
E no fim nenhum desfecho
Porque o que se termina não é a vida, mas um jeito de por ela passar
Porque no fundo é isso: um palco enorme, de enredos diversos
Se um dia é tragédia, um fio tênue a separa
Da comédia
Na cadência dos dois extremos, existir
O sofrimento não é sumir
É não saber como chorar
Ou rir...

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Olho para ele, meu cão...

Olho para o meu cachorro que nada diz e entendo perfeitamente a nossa diferença. Ele é um bicho livre, depois de nascer não precisou de alguns poucos dias para se desgarrar da mãe. Ele, o cão, não é filiado a nenhum partido político, não tem ideias a defender, religião nenhuma passa na sua cabeça, quiçá tem a obrigação de batalhar alguma identidade ou se virar através de linguagens convencionadas e previamente cifradas. Ele, o meu invejável cão, também carrega consigo uma outra deslumbrante qualidade: não deseja outro mundo senão esse, não acredita em melhorar nada do que já existe, tudo o que há para se cheirar com o seu focinho lhe é mais do que suficiente para viver feliz. O cão é sem dúvida um bicho do seu tempo, dono e patrão do seu direito de existir sem que seja preciso reivindicar nada. Já eu, alçado ao último grau da escala da razão pensante, sou o inverso de tudo isso... para afirmar minha liberdade sou obrigado a virar prisioneiro de tudo o quanto é necessário para viver reafirmando: sou livre, ou desejo sê-lo, e assim viro escravo, continuamente agrilhoado aos meus pares, cada qual inventando novos jeitos de serem livres sem se darem conta de que são tudo o que pensam... menos livres de fato. Há em mim uma profunda inveja do meu cachorro, que ao evitar as questões metafísicas vive sem cerimônias outras. A derrocada do homem começou na Grécia, quando algum barbudo miserável resolveu inventar abstrações... de lá para cá, infelizmente, só estamos aumentando a velocidade com a qual corremos atrás do próprio rabo. (salvo os povos do oriente - que sempre foram infinitamente mais sábios que nós -, a vida como a conhecemos é uma coleção infindável de equívocos patéticos).

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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

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Vivo sempre numa contradição
Se existo, é junto aos outros
E quando neles me vejo, fujo
De volta a solidão...

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Haverá de ser o que há de ser
Por isso me ausento
Se eu próprio não sei o que sou
Absurdo seria eu se ao mundo dissesse, em seu movimento:
Para a direita, para a esquerda!
Eu não, descreio!
Viver para descrer, esse é o meu andamento
Na roda da vida
Antes ficar parado, ou pedir para descer...

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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

OCUPAÇÕES INDIGNAS DE URGÊNCIA EMBLEMÁTICA - # O emplacador de placas de perigo.

O Emplacador-de-Placas-de-Perigo cujas placas emplacavam as letras que formavam e ainda formam – se respectivamente enfileiradas na sequência que a gramática lhes conferiu tal significado -, essa palavra cujo sentido diz que há algo de perigoso a ser detectado ao redor ou no perímetro cujo raio de alcance precisamente não sabemos qual seja, emplacava ele, pois, o famigerado Emplacador-de-Placas-de-Perigo, com todos os recursos materiais propícios para essa importante tarefa cujo propósito primeiro e final era (e ainda é) o de justamente alertar aos semelhantes, ou não tão semelhantes assim, o risco que possivelmente todos corremos, ainda que sejamos diametralmente diferentes uns dos outros, ao darmos o primeiro passo para fora de nossas casas que, mui sabiamente, preservamos dos perigos e acidentes corriqueiramente testemunhados, quando não por nós vividos, nas cercanias e pátios públicos que compõem essa rede assassina de perigosas armadilhas sobre as quais os dias de todos, sejamos extraterrestres uns aos outros ou mesmo irmãos de sangue comum, corremos toda santa vez que, enfim, obrigados somos (e seremos ad eternum) a aventurar-nos sob o firmamento celeste com o objetivo de ganhar o pão nosso de cada dia. Portanto ele, o Emplacador-de-Placas-de-Perigo, sábio e cônscio da sua abismal tarefa de salvaguardar as condutas diárias de seus concidadãos - ainda que por vezes não os tomasse como concidadãos de fato e, muitas vezes, desejasse ( e ainda deseja) que a maioria deles padecesse eternamente no limbo profundo do inferno -, enfileirava com adesivos fosforescentes cada uma dessas formas geométricas que compõe o nosso alfabeto de curvas significantes - ou que significam (e ainda significam) quando lidas na sequência de suas significações gramaticais previamente convencionadas -, ordenando cada uma delas dentro de uma chapa de alumínio especialmente recortada para tal fim, seja ele o de emoldurar a palavra PERIGO para que, uma vez emoldurada e fosforescente na sua condição de adesivo resistente ao lusco-fusco, pudesse (e ainda possa) estampar essa tão urgente mensagem que, uma vez fincada no chão com a ajuda de uma haste de madeira especialmente talhada para tal fim, seja ele o de fazer suporte para a placa de alumínio especialmente recortada para tal fim, seja ele, como já dissemos antes, o de circunscrever dentro dos seus domínios legíveis a sequência de palavras que enfileiradas pela convenção da gramática desse a entender que há algo de perigoso rondando as cercanias do sítio cuja escolha, aleatória ou não, coube ao Emplacador-de-Placas-de-Perigo, delimitar como passível de risco eminente. Enfim, cabe a nós reverenciar esse ofício cuja ausência de alguém capaz de perpetrá-lo nos deixaria, ainda que não saibamos como nem porquê, mais inseguros do que já somos, e, havendo alguma alma caridosa que nos diga: CUIDADO, podemos nós, ainda que assassinos contumazes, nos precaver, senão de derramamentos desnecessários de sangue, ao menos de sustos, calafrios ou eczemas produzidos por essa intratável, mas necessária, tarefa de termos de nos aturar diariamente sob o jugo do destino que nos fez, uns aos outros, semelhantes ou não, contemporâneos desafortunados nesse teatro maior chamado vida...

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domingo, 15 de setembro de 2013

SIGA!

Vivemos na beirada de um leque de caminhos
Todos eles, os caminhos, cada um deles aberto ao convite de se pôr a caminhar
Mas não é curioso que não caminhemos?
Ainda que saibamos que as pernas nossas se movimentam, ora para frente, ora para trás - caminha-se, é certo!
Mas caminha-se?
O que fica é a sensação de que ficamos, estacamos
Sempre na beirada desse leque de caminhos
Cada um deles, os caminhos, tão floridos ao caminhar
Que por alguma razão ficamos
Sem ter aromas que cheirar
Ou cheiramos todos eles, certo?
Ou por tantas cores seduzidos, dormimos
Em sono de olhos abertos
Andando por alamedas sem fronteiras
Vazadas por marcas circulares de passos já dados...
Mas se tudo nos parece um sonho, sonhamos?
Um sonho, de fato!
Sonho concreto de caminhos abertos ao caminhar
Tantos eles, e por tantas placas sinalizados
Que estacamos, ou andamos
Com a sensação de não carregar nada
Nesse círculo que se não é círculo
É encruzilhada...

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sábado, 14 de setembro de 2013

???

Não sei o que sou
Mas sei perfeitamente o que não quero ser
E quando vejo-me espelhado nesse que evito
Afasto-me, dizendo:
Quão feliz é esse que sabe fugir!
Sábio verbo esse: escapulir...

Antes não ser -
Ou ser sombra vaga -,
Que inteiro acontecer
Sendo imagem projetada...

Que o infinito insista assim
Marcando ausências
No pouco que conheço de mim.
E quando em risco ver-me quase cheio
Esvaziar me faça
Porque sem isso: vazios
Perco-me sempre
Em desgraça...

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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Escreveria...

Escreveria só para dizer um dia: escrevi. 
E quem der a me ler, dirá: o li, quem? Já esqueci. 
Farei assim: escreverei para deixar de ser, consciente de que são as palavras, e não eu, o que irá prevalecer... 
Ainda bem que assim acontece, nossa voz junto com o resto, morre, ficando só a reza, numa prece. 
Se o contrário fosse, a literatura um cemitério seria, e nós, autores, um duro contingente 
De igrejas vazias...

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São tantos os universos particulares,
Tantas as batidas só minhas,
Um repertório inteiro de soluções íntimas -
Um deixe-me passar que o palco me espera...
E quando a cortina finalmente abre e a luz sobe, onde estão todos?
Ninguém aparece.
E o que poderia ser o final do espetáculo é apenas o seu começo, porque há aqueles que anseiam por nada acontecer, ocupando as fileiras da plateia para justamente isso: deixarem-se levar pelo nada.
Parece que é isso: uma corrida desesperada e solitária para a sombra, para o não comprometimento comprometido,
Espetáculos diários de um elenco mudo, sem rosto, satisfeito por não existir e aplaudido por multidões igualmente amorfas.
E não é esse precisamente o nosso mundo?
Um apanhado de solistas orgulhosos e sem talento,
Desencontrados em sabe-se lá qual sinfonia barulhenta?

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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Pobre de nós...

Pobre de nós que imaginamos possíveis governos quando todos os governos possíveis já foram vividos e governados...
Pobre de nós que supomos estrear nosso destino quando o destino de tantos outros já se foram por vias nada originais quanto as que imaginamos trilhar para nós...
Pobre de nós que subimos ao palco do mundo no desejo de transformá-lo, quando o enxergar de frente, sem a proteção da fantasia, já seria um passo importante para saber como aturá-lo...
Pobre de nós que deitamos as nossas cabeças na cama na expectativa do sol caminhar diferente, quando ele nasce e morre desde sempre, sumindo lá pelas bandas do mesmo poente...
Pobre de nós que existimos para querer melhorar, quando o correto são os bichos que existem e pronto, na beleza nada abstrata de um ser para estar ...
Pobres de nós... tão absurdos e tão patéticos.

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PASTAIS!

Ou a gramática existe para ser desgramaticada
Ou vira pasto de grama
Onde pastam os bucéfalos
Mastodontes da regra aplicada...

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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Fraude...

Tem dias em que eu acho que sou uma fraude
Tem outros dias em que eu atesto:
Sou uma fraude!
Há dias em que eu não só sou uma indefectível fraude como preciso sair de casa para lavrar em cartório a monumental fraude que sou!
Tem dias em que paro para pensar se ser uma fraude é uma passageira condição 
Como as nuvens 
Que ora vem, 
Ora vão 
Ou atributo intrínseco, incrustado na pedra bruta da existência...
Há dias em que só o fato de se falar sobre a fraude já torna quem dela fala um fraudulento pretensioso
Que por justificativas em pranto busca
Senão para tudo
Para as angústias do viver
Coisa que se fácil não é de entender
Difícil tampouco aparenta
Uma vez que basta respirar
E continuar respirando
Até não mais
E aí sim, 

Enfim
Fracassar...

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domingo, 4 de agosto de 2013

Pouco me interesso...

O mundo pouco me interessa
O mundo é mundo desde que o mundo houve por mundo querer ser
E assim existiu antes,
Antes de mim e dos outros, que a esse mundo tiveram por contrato a obrigação de comparecer.
Com o perdão da blasfêmia, mas...
Que culpa tenho eu de viver?
O que me interessa é o mundo que não se pode ver
Esse sim, o de mentira, aquele que eu faço por vias sinuosas
Acontecer.

O mundo direto não me encanta, é coisa pouca em abundância
Um mundo tão com cara de mundo que bastaria passar por ele mudo para dizer:
Eu vivi.
Desperdício isso, ou exercício de ignorância.
E desse pouco que é o mundo há quem faça tanta questão!
Eu não faço não! Poupar miséria é economia para os tolos
Que a esse mundo vem para enriquecer de migalhas...

Antes o mundo nascesse uma orquestra!
Tocando uma sinfonia nova a cada dia
Mas não
Tudo o que o mundo é chama-se previsível
Ladainha triste de mesma melodia.

O mundo pouco me interessa
Esse que está aí, o que existe
O mundo que vale a pena guardo eu cá dentro, comigo
Talvez um dia eu o invente
Até lá nada digo
Só vivo
Ausente...

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Palavra e música...

Se o verso curasse não seria verso
Seria o inverso disso que a palavra pede
Se a palavra salvasse não seria pelo verbo
Seria tampouco gramática, adjetivo ou advérbio
Se houvesse um jeito de celebrar a vida
Jeito esse seria calado, ou de ouvidos atentos
Porque só a música, prescindindo de entendimentos
Haveria por isso dizer
Ou ir dizendo:
(..................)

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Por que?

Por que eu não nasci músico, meu Deus?
Cura-se uma abstração por outra:
A palavra, que a todos engana
Pela melodia, que só existe
Porque encanta.
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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Pouco...

O pouco já me é suficiente
E quando o pouco não me entende
Sobra o que me falta


E tão somente...

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terça-feira, 30 de julho de 2013

Que o teatro...

Que o teatro nunca perca a sua inerente propensão ao inacessível. Que o teatro - diferente das mídias que pavoneiam seus contornos através da sedução da imagem – permaneça intratável ao alcance das massas. Que o teatro nunca raspe o perigo da popularidade!, funcionando como instrumento de propaganda daqueles que buscam artifícios ‘culturais’ com o único intuito de entreter grandes contingentes de rebanhos incautos. Que o teatro continue a abrigar o reduto marginal das possibilidades de comunicação – acessível somente àqueles corajosos que ousarem decifrar os seus mistérios. Que seja difícil entrar no teatro! – que o palco nunca abandone a sua habilidade em intricar todos os discursos transmitidos pelos suportes transparentes dos deglutidores de informação. Que a burrice dos meios televisivos com os seus bonecos vaidosos se enterrem nas próprias fronteiras do mau gosto e da secura de criatividade – que nenhum desses barganhadores de purpurina interfiram no terreno perigoso do teatro. Que o teatro seja e continue a ser obscuro, reduto de figuras gigantescas que não pensam duas vezes em deformar as suas aparências para sumir por detrás de túnicas gregas, vestimentas elizabetanas, máscaras de tintas fortes. Que o teatro possa sempre ser descartável e longe das discussões oficiais, porque só assim poderá pensar na manutenção das suas impossibilidades de adequação à feira consumista que nos aprisiona. Que o teatro não se misture à ideia de que tem como obrigação educar os que ocupam as suas fileiras, porque só no exílio das funções úteis é que o teatro pode se alimentar do seu maior dever: o de afiar o seu olhar para o mundo, sem poupar nada nem ninguém. Que o teatro viva, vivo por aqueles que fazem do teatro essa arte sempre artesanal, distante dos sorrisos facilitadores da vida.

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sábado, 27 de julho de 2013

Versos...

Os versos são profetas
Mal começam e dizem: 
Cuidado com o que vem de cima
Hora ou outra
Tudo desmorona
Morrendo em rima...

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Velho...

Me vejo velho
Vivo daqui a tantos anos
Já caduco pelos dias já idos
Interpretando personagens de barbas brancas
Arrastando o que agora levo ágil... 
Me vejo querendo já ser o que serei
Coisa que na alma já bem sei que sou
Curioso ser ainda jovem
Ou aparentar jovem ser
Imagino que dentro de mim o tempo flui dez vezes mais
Demorando a trazer junto o que vejo por mim
Mas e quando velho sentir-me inteiro?
O que me dirá esse que agora escreve
Brincando perverso com a certeza do fim?
O que direi não sei
Só exijo desse que espero paciência
De olhar para trás sem sofrer
E, quem sabe, dizer
Sou o que ontem já previa
Só mais um que cumpre tranquilo
O caminho de mão única
Da vida...

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Pergunto ao cão...

Vou lá fora e pergunto ao cão se ele está com frio
No silêncio de quem nada diz, responde: vá se deitar, está tudo bem.
Não me convenço, e no embalo da resposta muda invento um canto mais quente
E digo:
Se pudesse, levaria você para dormir lá dentro comigo
O cão pensa, imaginando como seria
Eu volto pra cama
Contente. 

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Frio...

Eu acordo nessa manhã suiça de fog europeu, vou até um café na esquina de casa e peço um capuccino com um pão na chapa. Ao sorver tão frugal desjejum, vislumbrando os cachecóis alheios de quem atravessa a rua adiante, penso cá comigo: o Brasil tem jeito... Mas logo caio na real - daqui a pouco volta o verão, com a beleza das baratas saltando para fora das bocas de lobo e a pernilongada chupando o sangue das peles suadas. Ah meu pai amado! Quem haverá de entender que essa Nação-de-Tangas só não vai pra frente por culpa do maldito termômetro? Pra virar primeiro mundo, só acabando com a água de coco, na onda gostosa de uma nova era glacial! Que venham os pinguins imperadores!

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Poema difícil...

Quis escrever um poema difícil só pra ver quem me leria até o fim
Mas desisti tão logo vi, pobre de mim 
Que nem no arroz e feijão há quem queira dispor mastigação.
O jeito - se é que versos pra isso existe,
É apostar no plástico, coisa que já vem pronta
E se pimenta não ponho
(Tenho vergonha)
Entrego sem picles
Essa sua rima
Em forma de sanduíche...

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