quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Se...

Se a vida entendesse que é teatro
Não haveria teatro
Porque a graça do espetáculo é crer-se natural
Ainda que num cenário inteiramente forjado por pantomimas!
Que continuemos ignorantes para esse circo bizarro
Para que a máscara continue a nos caber inteiriça 
Bem no centro do picadeiro da existência...

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Poema

Há um poema impresso nas paredes da estação do metrô
Um poema que ri de nós
Sem paciência alguma para poema algum
Há um poema lá adiante dizendo:
Não me leiam
E no silêncio faz a sua poesia
Linhas nunca lidas
Para um mundo de pernas ágeis
E olhares nada curvos
Sempre cegos

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Ser

Ser é fingir ser
E se sou achando que sou sem mentir quem sou
Finjo ainda mais
Um eu falso ao quadrado
Que mente igual
Sem se ver mentindo...

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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Ode ao Teatro!

No jogo das trapaças
Adianto-me e digo:
Sou trapaceiro!
E daí já venço 
De meio mundo, ao menos
Sobra pena
De haverem fingido lealdade 
À pior mentira que há
Qual seja
A verdade.

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Mais nada...

Não suporto
Como podem os outros suportar?
Vivem o que são numa tranquilidade mórbida
Sem olhos para absurdo algum
Derretendo os dias assim:
Passando...
Como podem os outros eliminar o único sentido palpável da existência?
A indignação por existir!
Ter de acordar, reconhecer que o sol lá está
No mesmo lugar que antes, queimando com a mesma força, e morrendo como sempre!
A paisagem não mudou, não muda nunca!
Tantos de nós já se foram e ela lá está
O mesmo cenário que a nenhum coube fazer outro
E se algumas folhas caíram é porque voltarão a crescer no mesmo galho de sempre
A minha rua será sempre a minha rua
Jamais conseguirei livrar-me da minha terra
Tudo no mesmo lugar, tudo do mesmo, tudo incrustado em mim
Até que um dia, fim
Nada mais há!
E as pessoas tratam isso com tal naturalidade
Como se viver fosse um eterno esparramar
Um círculo vicioso de personagens que vem e que vão
E eu entre eles
Mais um deles
Tão pequeno e sem recheio
Outra das folhas
Que caem
Seguidas por nova florada
Um vento e pronto
Mais nada...


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???

Me vi dizendo
E vendo a mim, assim disse:
Baita lamento!
Que cretinice!

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?

O que sobra é ausência
Pensei tanto e outros tantos fui
E daí?
Paciência

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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Desejo de término...

Falo com o desejo de silenciar
Mal abro a boca e já me arrependo
Não porque disse demais
Mas porque muito ainda falta para dizer até calar
Que tragédia é ter de correr atrás do silêncio
Desejando-o por um contingente de sílabas, frases, conjunções
Como se fosse preciso matar as pausas até encontrá-las
Esgoelar-se para reter-se, ainda que num segundo mínimo de ausência completa!
Ver a cortinar se abrir e já ansiar pelo instante em que as luzes dirão: FIM
Mas como ser inteiro senão pela dor?
Sem a certeza de que a plenitude não é nunca um estado habitável
Mas um terreno pedregoso de solavancos e manobras arriscadas?
Minha gramática é a do começo que pede pelo fim
Arrepende-se antes de começar
E quando nasce, corre infatigável para encontrar seu destino quieto
Um lugar de não mais
Mas só até acontecer de novo.

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A morte de um velho...

Li em algum lugar que um velho morreu
Tinha um não sei quantos anos acumulados, décadas de vida que a minha juventude, ainda ignorante, mal pode suspeitar.
Um velho que teve a sorte de realizar algo de notória importância e por isso ganhou o direito de ter a sua morte noticiada.
Não existe mais. Acabou.
Mas os seus feitos não me comovem. 
O que desperta minha admiração é o fato dele ter morrido já em idade avançada, imaginando o quanto teve a sorte de ter vivido lá atrás, quando eu ainda nem mesmo sonhava em existir.
Eu vim atrasado.
Ou foi o mundo que chegou depois?
Como eu gostaria de ter acontecido antes
No tempo em que esse velho que acaba de morrer era jovem como eu sou agora
E nós dois, eu e o velho, pudéssemos ter sido amigos.
Por que o movimento das coisas caminha no sentido do acúmulo, do excesso, da multiplicação de barulhos, pessoas e lugares?
Como deve ter sido mais tranquilo os tempos de menino desse velho que hoje nem mais velho é, desistiu de tudo
Morreu
A paisagem devia ser menos ostensiva
As personagens menos recorrentes
Os aromas mais distinguíveis...
Em algum lugar um outro velho como esse que acaba de morrer também prepara-se para despedir-se
Ele também, como o primeiro, ganha minhas letras de melancolia
Por um mundo que tantos já viram
Exceto eu...

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