sábado, 7 de maio de 2011

CONTRA UM MUNDO MELHOR!




Levanto a bandeira: Sou contra um mundo melhor!


Desde que Eva abocanhou a bendita maçã da árvore do conhecimento do bem e do mal, desrespeitando a divina advertência, o homem experimenta a vida na base da malandragem. Graças a Deus! Ou melhor, graças ao Demo! Não fosse a cobra endiabrada colocar um pouco de pimenta no caldo, quão sem graça seria a nossa passagem pela terra! Prefiro pensar toda essa aventura como um roteiro de filme nonsense, onde os temperos estão aí para serem combinados, do que flanar no Leblon, assobiando bossa nova numa novela insossa do Manoel Carlos – repare que o prato dos bonzinhos, nessas ocasiões, vem sempre guarnecido por um violino melodioso ao fundo, chamariz maniqueísta de uma existência sem sal – e mentirosa!

Alerta de perigo!

Como a malandragem nasce de uma experiência íntima, atributo do berço da natureza humana (Eva rouba o fruto na surdina), ela é de difícil persuasão e não recorre facilmente a consensos, haja vista que está mais ocupada em encher a própria pança do que aprontar a mesa para os outros se servirem. Não satisfeito, o homem deu um jeito de malandrear a si próprio, elegendo malandros de carteirinha para elaborar cardápios suculentos capazes de direcionar a malandragem alheia para uma refeição desejável, comandada agora por uma voz de poder, ainda mais malandra do que a do restante dos malandros. A esse processo deu-se o nome de democracia. Finalmente formaram-se as instituições, vozes altamente sacanas de um governo malandro. Amém!

E Deus disse a Moisés no monte das Oliveiras: sejais comandados e não perguntais o porquê! Vossa recompensa virá da vossa subserviência (piscadela de olho)...

Se a igreja católica nomeou o acontecimento da maçã como a primeira indigestão pecaminosa da história, condenando o homem a sua própria sorte, é por culpa do bem alimentado Vaticano que hoje nos aplicamos ao máximo para cumprir à risca a seguinte receita:

VOZ DO ALÉM (com eco!): Comportem-se bem à mesa que serão servidos com os mais apetitosos quitutes, caso contrário: estômago vazio lá no Boteco-do-Cão.

E eis que toda a sociedade assina embaixo da sinopse melodramática, separando o homem a partir de qualidades justas a um banquete farto, daquelas outras, mensageiras da fome. Inaugura-se a ideia de um homem bom, passível de admiração e incorruptível, em contraposição ao homem mau, dotado de falhas capazes de azedar qualquer caldo de galinha... agora trata-se de escolher o modelo ideal. Quem é que se arriscaria a perder a mão logo no prato de entrada? Melhor abrir o livro de receitas para evitar imprevistos!

Quantos centros de treinamentos surgiram desde então! A escola ensina o aluno à importância da disciplina, é preciso acordar cedo para decorar fórmulas vazias sob o risco de morrer de inanição na cozinha do vestibular. As faculdades aprimoram a técnica ao máximo, obrigando o pupilo a servir adequadamente os aperitivos ao futuro chefe, mestre cuca do mercado corporativo, que só aceitará dividir uma fração do seu antepasto depois de raspar os anos de gordura das mãos do seu subalterno – já nesse estágio o Rei Momo estará empunhando um coxão de frango, esperando que sua baba seja eficientemente enxugada pelo servo contratado. A vida mede-se por pontuação, os mais competentes a cumprir ganham terreno e alcançam novos andares na escala da servidão.

A malandragem, tão cara ao comportamento criativo individual, abre espaço para a ditadura do politicamente correto – o bullying social é condenado como crime inafiançável, sujeito a aplicação de palmadas por parte dos mocinhos do bem. Mal sabem eles, típicos heróis do Bang-bang, que é justamente essa ditadura da correção a responsável pela produção das mais tenebrosas atitudes na esfera coletiva. Todas as vezes que se tentou consertar alguma coisa referente às atitudes do homem, mesmo sob as mais admiráveis justificativas, os resultados foram estarrecedores. A busca pela “raça pura” deu no que deu, os regimes que almejavam o bem coletivo só fizeram banhar de sangue a casa dos inocentes, o banimento da consciência da nossa torpeza só nos trouxe como herança um dogmatismo emburrecedor, tapa-olhos de uma ignorância ególatra.

Enquanto isso, os americanos urram pelo touchdown marcado contra Bin Laden, chacoalhando ferozmente suas bandeirinhas coloridas. O bem finalmente venceu o mau; Obama e Osama, duas faces de uma mesma moeda.

U-S-A! U-S-A!

Já se vão não sei quantos anos desde o anúncio de Nelson Rodrigues a respeito do surgimento de uma nova classe de toupeiras nas redações dos jornais, os “idiotas da objetividade”, aqueles que buscavam retratar as notícias de forma asséptica e imparcial. Ao quererem alcançar a plenitude da informação, disseminaram a prática da anulação da opinião individual, essa mesma que é dramaticamente silenciada pelo cenário globalizado e tecnológico. Hoje, a bandeira das “antas da civilidade”, formada por clamorosos defensores de um mundo melhor, nos afasta do nosso potencial criativo, que é por princípio anárquico, malandro, condenável e solitário.

Se o homem já nasce condenado por uma existência que não lhe dá possibilidade de escolhas, que o deixem aproveitar a sua miséria, o esforço por torná-lo melhor, menos medíocre, é justamente a via pavimentada que o leva ao silêncio do anonimato, esse sim um terreno perigoso e deprimente. Que os desejos deixem de ser inconfessos e as paixões rasguem a camada superficial da pele!

É preciso reivindicar o espaço da malandragem, do politicamente incorreto, dar chance a verdadeira liberdade de expressão que nos permita ingressar pela experiência de uma solidão pecaminosa... Que venha Eva novamente surrupiar o que lhe fora proibido!

NHAC!