domingo, 13 de novembro de 2011

Os Bandoleiros...



Somos um bando que age em bando, fazendo uso da natureza de bando para buscar adeptos de forma a engordar nossa matilha. O princípio que nos move, por fim, não é outro senão o de angariar aliados para que essa terrível sensação de estar só não nos desmorone por inteiros. Não há razão moral que justifique a condição solitária, se assim está é porque o seu agente padece de algum mal, incompreensível ao sabor do aconchego do grupo.

Tenho especial apreço pelos animais, que enxergam no agrupamento unicamente uma necessidade para a manutenção das funções básicas da vida, inerentes à sobrevivência. É equivocado atribuir o mesmo sentido à nossa raça, pelo menos nos tempos em que se seguem. O outro não nos garante sobrevivência alguma, mas conforto. É pelo conforto revertido em preguiça que nossa razão sedimenta o princípio do bando. Tornamo-nos carentes, fragilizados, pedintes de atenção quando nosso vizinho volta os olhos para o lado oposto, e quando tal fato ocorre, não é incomum culpar aquele que nos ignorou como responsável pela fraqueza que agora se instaura – como ousa ignorar-me? Perguntamos. O que eu lhe fiz? Causas morais, juízos críticos, condenações e absolvições, todas as deliberações retificadoras da idoneidade de nossa raça bambeiam para um lado ou para o outro na medida em que o grupo se avoluma ou perde aliados.  

Marchamos em conjunto, e quanto maior for à quantidade de pés que trotam nesse compasso comunitário, maior a certeza de nossa causa, seja ela qual for. As mudanças são conclamadas em praça pública, legitimando o voto do bem pela adesão irrestrita do bando que se forma ao redor do palanque. Costumes, vaidades, soluções, pensamentos, tomadas de atitudes... tudo parece rodopiar sobre o eixo da expectativa do outro. O que são as famílias, as classes sociais, o bairro, a turma do colégio e etc, senão guetos de segurança que impedem o homem de se perder numa solidão desagregadora? Solidão que em nada se assemelha com o perigo de morte, mas com o risco de freqüentar a dúvida de um caminho não pavimentado, necessariamente novo ao andarilho que se pré-dispuser a trilhá-lo.

O bando nos dá a falsa sensação de correção moral e nos coloca na posição de defender o direito ao sedentarismo das opiniões já formadas. Se o princípio da junção traz a idéia de fraternidade entre seus membros, o confronto com outro grupo, ajuntado mediante outros princípios, produz faíscas que impedem qualquer tipo de diálogo entre as partes. Mesmo sem saber o que defender, prefiro posicionar-me à frente do meu amigo para enfrentar aquele que ousa colocar em xeque a união do meu gueto. Guerras, violências, atentados... todo tipo de revolta está associado ao princípio fraternal de bandos que se juntam pelos mais nobres sentimentos, produzindo indivíduos incapazes de freqüentar a solidão e, portanto, impotentes para enxergar além dos próprios umbigos.

Minhas mais sinceras reverências aos viajantes, corajosos portadores de almas estrangeiras que não se permitem criar vínculos a nada nem a ninguém. Experimentar a distância entre os seres humanos, essa mesma praticada naturalmente há tanto tempo pelos animas que nos cercam, talvez seja a melhor maneira de evitar essa vaidade estéril de carência sentimental que tanto nos coloca em confronto.

Escrito por Francisco Carvalho. 14.11.11


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Marchemos pela marcha, desmarchalizando-a! Hop! hop! hop!



Atenção! Amanhã, marcha pela desmarchalização da marcha! Marcharemos daqui até lá, porque é marchando que se chega lá. Chegando lá, voltaremos até daqui, nesse caso, de marcha à ré, porque quem marchou na ida, marchará na volta, e uma vez marchando, marcharás para todo o sempre (eu marcho, tu marchas, eles marcham, vós marcheis, papel marchê). Durante a marcha, entoaremos o marcha soldado cabeça de papel, quem não marchar direito vai preso no quartel... QUARTEL? EL! EL! EL! FORA QUARTEL! EL! EL! EL! CABEÇA DE PAPEL! (papel marchê). Na volta da marcha, quando marchares sozinho, aconselhamos que assobies a marselhesa, para que jamais percas o hábito de trotar... marchons! marchons!

sábado, 7 de maio de 2011

CONTRA UM MUNDO MELHOR!




Levanto a bandeira: Sou contra um mundo melhor!


Desde que Eva abocanhou a bendita maçã da árvore do conhecimento do bem e do mal, desrespeitando a divina advertência, o homem experimenta a vida na base da malandragem. Graças a Deus! Ou melhor, graças ao Demo! Não fosse a cobra endiabrada colocar um pouco de pimenta no caldo, quão sem graça seria a nossa passagem pela terra! Prefiro pensar toda essa aventura como um roteiro de filme nonsense, onde os temperos estão aí para serem combinados, do que flanar no Leblon, assobiando bossa nova numa novela insossa do Manoel Carlos – repare que o prato dos bonzinhos, nessas ocasiões, vem sempre guarnecido por um violino melodioso ao fundo, chamariz maniqueísta de uma existência sem sal – e mentirosa!

Alerta de perigo!

Como a malandragem nasce de uma experiência íntima, atributo do berço da natureza humana (Eva rouba o fruto na surdina), ela é de difícil persuasão e não recorre facilmente a consensos, haja vista que está mais ocupada em encher a própria pança do que aprontar a mesa para os outros se servirem. Não satisfeito, o homem deu um jeito de malandrear a si próprio, elegendo malandros de carteirinha para elaborar cardápios suculentos capazes de direcionar a malandragem alheia para uma refeição desejável, comandada agora por uma voz de poder, ainda mais malandra do que a do restante dos malandros. A esse processo deu-se o nome de democracia. Finalmente formaram-se as instituições, vozes altamente sacanas de um governo malandro. Amém!

E Deus disse a Moisés no monte das Oliveiras: sejais comandados e não perguntais o porquê! Vossa recompensa virá da vossa subserviência (piscadela de olho)...

Se a igreja católica nomeou o acontecimento da maçã como a primeira indigestão pecaminosa da história, condenando o homem a sua própria sorte, é por culpa do bem alimentado Vaticano que hoje nos aplicamos ao máximo para cumprir à risca a seguinte receita:

VOZ DO ALÉM (com eco!): Comportem-se bem à mesa que serão servidos com os mais apetitosos quitutes, caso contrário: estômago vazio lá no Boteco-do-Cão.

E eis que toda a sociedade assina embaixo da sinopse melodramática, separando o homem a partir de qualidades justas a um banquete farto, daquelas outras, mensageiras da fome. Inaugura-se a ideia de um homem bom, passível de admiração e incorruptível, em contraposição ao homem mau, dotado de falhas capazes de azedar qualquer caldo de galinha... agora trata-se de escolher o modelo ideal. Quem é que se arriscaria a perder a mão logo no prato de entrada? Melhor abrir o livro de receitas para evitar imprevistos!

Quantos centros de treinamentos surgiram desde então! A escola ensina o aluno à importância da disciplina, é preciso acordar cedo para decorar fórmulas vazias sob o risco de morrer de inanição na cozinha do vestibular. As faculdades aprimoram a técnica ao máximo, obrigando o pupilo a servir adequadamente os aperitivos ao futuro chefe, mestre cuca do mercado corporativo, que só aceitará dividir uma fração do seu antepasto depois de raspar os anos de gordura das mãos do seu subalterno – já nesse estágio o Rei Momo estará empunhando um coxão de frango, esperando que sua baba seja eficientemente enxugada pelo servo contratado. A vida mede-se por pontuação, os mais competentes a cumprir ganham terreno e alcançam novos andares na escala da servidão.

A malandragem, tão cara ao comportamento criativo individual, abre espaço para a ditadura do politicamente correto – o bullying social é condenado como crime inafiançável, sujeito a aplicação de palmadas por parte dos mocinhos do bem. Mal sabem eles, típicos heróis do Bang-bang, que é justamente essa ditadura da correção a responsável pela produção das mais tenebrosas atitudes na esfera coletiva. Todas as vezes que se tentou consertar alguma coisa referente às atitudes do homem, mesmo sob as mais admiráveis justificativas, os resultados foram estarrecedores. A busca pela “raça pura” deu no que deu, os regimes que almejavam o bem coletivo só fizeram banhar de sangue a casa dos inocentes, o banimento da consciência da nossa torpeza só nos trouxe como herança um dogmatismo emburrecedor, tapa-olhos de uma ignorância ególatra.

Enquanto isso, os americanos urram pelo touchdown marcado contra Bin Laden, chacoalhando ferozmente suas bandeirinhas coloridas. O bem finalmente venceu o mau; Obama e Osama, duas faces de uma mesma moeda.

U-S-A! U-S-A!

Já se vão não sei quantos anos desde o anúncio de Nelson Rodrigues a respeito do surgimento de uma nova classe de toupeiras nas redações dos jornais, os “idiotas da objetividade”, aqueles que buscavam retratar as notícias de forma asséptica e imparcial. Ao quererem alcançar a plenitude da informação, disseminaram a prática da anulação da opinião individual, essa mesma que é dramaticamente silenciada pelo cenário globalizado e tecnológico. Hoje, a bandeira das “antas da civilidade”, formada por clamorosos defensores de um mundo melhor, nos afasta do nosso potencial criativo, que é por princípio anárquico, malandro, condenável e solitário.

Se o homem já nasce condenado por uma existência que não lhe dá possibilidade de escolhas, que o deixem aproveitar a sua miséria, o esforço por torná-lo melhor, menos medíocre, é justamente a via pavimentada que o leva ao silêncio do anonimato, esse sim um terreno perigoso e deprimente. Que os desejos deixem de ser inconfessos e as paixões rasguem a camada superficial da pele!

É preciso reivindicar o espaço da malandragem, do politicamente incorreto, dar chance a verdadeira liberdade de expressão que nos permita ingressar pela experiência de uma solidão pecaminosa... Que venha Eva novamente surrupiar o que lhe fora proibido!

NHAC!




terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Toronto Raptors X Sacramento Kings


O que houve de errado? Fui ao estádio acreditando ocupar o lugar de um simples torcedor e acabei virando uma chacrete do Cassino do saudoso Velho Guerreiro.

Alôôôôô, atençãããão!

Enquanto voava uma abobrinha sobre a minha cabeça, plumas da dançarina da esquerda faziam cócegas involuntárias bem debaixo do meu nariz. Sem perder o rebolado e rogando para que o espirro iminente estivesse afinado com o ritmo da lambada que ecoava pelo lugar, olhei para cima e percebi que uma câmera projetava minha imagem no telão, fechada no meu esbelto rosto para todo o estádio ver. Cuspir a pipoca para ensaiar um sorriso espontâneo revelou ser um grave erro, tendo em vista que um piruá jazia como figurante não convidado entre o meu canino e o meu molar direito.

(Buzina): FOM FOM! Nota Zero... Nota Ze-ro!

Tereziiiiiiiinhaa? Uhuuuuuuuuuuu?

Não obstante a minha invejável forma física ter me concedido a posição de titular, posto antes ocupado por Rita Cadilac, saio dessa experiência com a sensação de que comprei gato por lebre. Fui assistir a um jogo e acabei parte integrante de um programa de auditório. Aquilo podia ser tudo, menos uma partida de basquete.

(MÚSICA! Entram as Cheerleaders! Uhuuuuu! Tchof Tchof Tchof)

Sentado lá na minha poltrona iluminada eu ponderava quieto que tipo de crime aquele grupo de pobres meninas havia cometido para receber tão grave castigo. Bastava um acorde, um si bemol perdido no meio da pauta, um único tremelicar de cordas para as cabeleiras começarem a chacoalhar feitas bonecas de pano do carnaval de Olinda (e todas juntas!). Saltitando como gazelas amestradas tomavam o centro da quadra a cada instante de pausa do jogo para demonstrarem, em escala progressiva, quantas posições diferentes conseguiam fazer de forma coreografada e ao som de um pancadão de deixar qualquer Bonde do Tigrão com inveja.

FOOOOOOOOOOM! Elke? Cadê você Elke minha Maravilha! Uhuuuu?

E eis que entra o mascote do time da casa, um tiranossauro-rex vermelho, dirigindo um carro no meio da quadra! Cena que fez os corações dos presentes pularem de satisfação! Antes o dinossaurozinho (gutchi-gutchi do papai) havia presenteado a todos com a destreza de passos equilibrados em cima de uma enorme perna-de-pau, para depois cravar bolas de basquete na cesta ao cambalhotear no ar saltando de um trampolim acrobático!

Palmas para o Dinossauro... Eu disse PAL-MAS para o DINO-SSAURO! Terezinhaaaa?

O Show tinha o seu próprio animador que empunhando um microfone tomava o palco nos intervalos da partida para disputar a atenção de todos, que já não sabiam mais para onde olhar: para o Dino? Para as dançarinas esvoaçantes? Para o jogo? Jogo? Que jogo? Acreditem ou não, nem os próprios jogadores, pobres coitados relegados a posição de assistentes de palco, estavam interessados no que faziam.

Alô DJ? Eu disse ALÔ DISQUE JÓQUEI.... Uhuuu?

E não é que a “rave-esportiva” tinha também um DJ? Esse sujeito, nos vinte minutos finais, foi alvo do meu mais sádico desejo de lançar um míssil tele-guiado bem no meio do seu focinho, tamanha era a minha dor de cabeça depois de mais de duas horas de músicas ininterruptas! O enviado do demônio tinha um repertório para tudo: quando o time da casa estava no ataque era um tipo de música, quando o time adversário tinha a posse de bola, outro... Quando alguém errava a pontaria entrava um acorde, quando um dos jogadores fazia uma jogada bonita entrava um repique de estourar os tímpanos. Mesmo a trajetória que a bola fazia saindo das mãos do atleta até a cesta era preenchida com algum reco-reco sonoro! O coitado do torcedor não tinha direito a nenhum momento de silêncio, de atenção ao que os jogadores faziam na quadra, ou tentavam fazer. Como se não bastasse tanta aporrinhação, o circo nos brindava com um narrador... Isso mesmo, um mestre de cerimônias que descrevia tim tim por tim tim o que cada um fazia na quadra de basquete. Um Galvão Bueno para cada torcedor. Quieto na minha cadeira imaginava que tal interferência devia ser atribuída a algum tipo de dislexia que impedia a plateia de reconhecer sozinha quando um jogador pontuava e quando ocorria uma infração.

HAAAAAAAAAAAJA coração!

Lembro-me até hoje da emoção que tive ao assistir um jogo da Copa América de basquete feminino no ginásio do Ibirapuera, no ano de 1989. O ginásio inteiro suspirava junto com a nossa espetacular seleção num silêncio avassalador. Brasil e Cuba disputavam ponto a ponto o título da competição. Os únicos sons do ambiente, lembro-me como se fosse ontem, eram aqueles produzidos pelo riscar dos tênis das jogadoras na quadra – notas de um balé inconfundível! -, o ruído da bola batendo ao chão e aquele produzido pelo contato da bola com o aro ou as redes da cesta. Sem qualquer tipo de música para ocupar nossas cabeças, o jogo era inteiro repleto de suspense, de tensão, de entrega do torcedor ao verdadeiro espetáculo, um simples jogo que, sem enfeites, arrebatava o coração de todos. Quando Paula, Hortência, Janete e companhia faziam uma cesta a torcida vinha abaixo, quando Leonor Borrel, a craque cubana, emendava numa boa jogada a torcida suspirava em lamento. Era como se o mundo parasse para acompanhar o percurso da bola até a cesta, como se os segundos parassem no tempo.

O que faz um jogo interessar é o drama que a disputa sugere, um time quer vencer o outro e é esse embate de desejos iguais que gera expectativa e faz com que o espectador seja fisgado pela contenda. Em um esforço de tornar a atração mais atraente, o jogo que tive a oportunidade de presenciar perdia qualidade, deixando a todos com uma sensação de que poderiam muito bem estar em qualquer outro lugar conversando sobre qualquer outra coisa – tenho certeza absoluta de que o grupo de rapazes que estava ao meu lado não olhou para a quadra de basquete mais do que dez vezes, mais preocupados que estavam em bebericar de suas cervejas.

Os gringos podem ser experientes quando o assunto envolve a produção de um show, de um espetáculo suntuoso, mas lhes falta o mais importante e o mais difícil de conquistar quando se deseja alcançar interesse em uma disputa: o talento pela simplicidade. Com uma bola de meia e três paus o nosso futebol se resolve dentro de uma precariedade que deixa espaço somente para o essencial, para aquilo que a disputa tem de mais importante. Não é preciso fogos de artifício, efeitos sonoros nem dançarinas esbeltas, o futebol é fascinante porque o virtuosismo não é sinônimo de talento. Os mais geniais craques da bola são aqueles que driblam com uma naturalidade difícil de ser explicada para outros que nunca tiveram contato com o esporte. Em três ou quatro toques tudo se resolve.

Aquele que enfeita demais, parafraseando meu velho amigo do bardo inglês, não recebe outra coisa senão: “muito barulho por nada”.

ZIRIGUIDUM! QUEM QUER CHUCHUUUUUU?

Escrito por Francisco Egydio de Carvalho. 11.01.11, às 18hs.

sábado, 1 de janeiro de 2011

No princípio era o silêncio...


Olho para fora, através da janela, e agora consigo reconhecer precisamente o que me atrai aqui, no Canadá. Não é a neve nem a beleza do cenário, tampouco a invejável organização de um país que respeita seus habitantes. Não. Fico com algo mais simples, fico com o silêncio. Pensemos sobre o assunto.


As melhores paisagens são mudas, o único som possível é aquele audível pela respiração de quem contempla com profundo respeito um silêncio já raro entre os que não abrem mão do verbo para descrever o que não necessita ser explicado.

As melhores sinfonias sabem que a melodia dos instrumentos só é potente na medida em que reconhece no silêncio da pausa o instante passageiro que confere a música toda a sua força poética. As melhores sinfonias trabalham para o silêncio e no silêncio.

As melhores peças de teatro são aquelas que conseguem a difícil façanha de conservar o mistério efêmero que separa o início do espetáculo da algazarra que preenche o momento de ocupação do público na sala. É no movimento do abrir da cortina, breves segundos de silêncio, que reside a qualidade artística que as palavras que virão a seguir deverão necessariamente dar conta de manter. O bom dramaturgo sabe que suas palavras só são eficazes na medida em que fazem revelar espaços entre as frases, pausas não traduzíveis, silêncios repletos de verdades incontestáveis. Nada combina mais com péssimo teatro do que a tagarelice.

O bom ator é expressivo no silêncio, não se esforça para convencer ninguém com a sua voz porque tem a convicção de que a palavra só lhe serve até certo ponto. A humanidade da personagem que interpreta não vem impressa em formato de receita tal qual ocorre nas bulas de remédios da farmácia; para alcançá-la é preciso silenciar, e este exercício é o que separa o grande artista daquele outro, o medíocre. Enquanto um se permite experimentar a dúvida não expressa em verbalizações, ou seja, o silêncio, o outro não perde tempo em mostrar serviço, tagarelando.

É na pausa do avião na cabeceira da pista, segundos antes de decolar, que a viagem ganha todo o seu sentido, o resto só terá interesse se conseguir sustentar essa expectativa inicial de mistério não revelado. O viajante que retorna ao seu destino com um repertório de histórias não foi tão longe quanto aquele que regressa sem saber ao certo o que revelar. Nada mais triste do que viajar para tirar fotos; álbuns são documentos, não experiências vividas.

Concordo com Nelson Rodrigues: a missa só interessa quando padre e fiéis decidem não comparecer ao evento. A igreja vazia, com seus ecos silenciosos, é muito mais sagrada do que quando repleta de ladainhas e vozes em coro. O espiritual só ganha sentido quando não há interlocutores, quando a solidão se faz sentir. Pobres daqueles que acham que formar rebanhos é a saída para encontrar a salvação. “O homem mais forte é aquele que está mais só”, como já dizia Ibsen.

Todos deveriam ter direito ao silencio e o dever de praticá-lo.

Olho novamente para a rua deserta lá fora. O frio convida ao silêncio. Quão mais sábios seríamos nós, brasileiros, se tivéssemos a oportunidade de experimentar mais o prazer de um inverno como esse. Sentirei imensas saudades quando regressar ao meu país.

Escrito por Francisco Carvalho. 1.1.2011. Canadá.