quinta-feira, 28 de março de 2013

#3



Se dessem-me a escolher:
Que vida tu gostarias de ter?
Estás brincando?
Responderia...
Viver é existir capengando
Tanto faz, então
Ser dono duma mansão 
Ou durar com uma mão na frente
Outra atrás...

...

...

#4



Como se existir não fosse ocupação suficiente
Passam a vida tentando achar no viver uma razão atraente
Já eu, virgula
Sou descrente
Como o Calígula! (Só pra rimar)
Acordo e durmo
Antes e depois,
Claro
De escovar os dentes...

...

...

A MORTE NO PARQUE DE DIVERSÕES...




Reviravolta no caso do Sr. Rodolfo Caetano Melo Cunha, ex-empresário e dono do já falido, mas outrora famosíssimo, Parque de Diversões Melo Cunha, condenado à prisão perpétua na ocasião da morte do Sr. Alberto Giro, técnico-operador da Roda Gigante Gira-Mundo, uma das atrações mais concorridas do empreendimento – fato trágico que teve notícia nos principais jornais da cidade, apontando para Melo Cunha a responsabilidade pelo acidente que veio a levar a morte de Giro, tendo em vista que Alberto Giro, segundo testemunhas, despencou do alto do equipamento numa bateria corriqueira de testes. Nenhum funcionário, ao que se lê nas laudas do processo jurídico aberto na sequência do triste evento, respeitava qualquer das legislações concernentes a segurança do trabalho, argumento decisivo para a condenação do empresário, hoje ex-empresário, dono do já falido Parque de Diversões Melo Cunha, o Sr. Rodolfo Caetano Melo Cunha. Hoje, passados mais de trinta anos do ocorrido, mediante a desocupação da cova ocupada pelo técnico-operador Alberto Giro, prática mais do que normal, tendo em vista o enorme fluxo de cadáveres que o cemitério da cidade é obrigado a gerenciar, descobriu-se um bilhete escrito à mão, enfiado no bolso do paletó onde outrora havia o corpo do Sr. Giro, hoje esvaziado, em nada lembrando que um dia houvera por ali um tal de Sr. Alberto Giro, o técnico-operador da Roga Gigante Gira-Mundo, senão pelos ossos que ainda sobravam. O tal do bilhete dizia que, curioso por saber a razão de tanta felicidade estampada nos rostos das pessoas que subiam na sua Roda Gigante, ele próprio, o Sr. Giro, resolveu, sozinho, escalar o equipamento para, lá de cima, tentar decifrar esse mistério, haja vista que não só ele, como grande parte da humanidade que fincava os pés no chão, vivia constantemente em depressão. Chegando no topo da Gira-Mundo, a Roda Gigante, ele, o Sr. Giro, nada de especial encontrou, coisa que o levou a um profundo desespero, não sobrando outra alternativa senão se jogar lá de cima. Tomando ciência desse novo e surpreendente fato, as autoridades correram para libertar da cadeia o Sr. Rodolfo Caetano Melo Cunha. Mas chegaram tarde demais. O Sr Melo Cunha foi encontrado morto em sua cela, placidamente deitado na cama, com uma revistinha em quadrinhos apoiada sobre o peito. Parecia que, finalmente, descansava em paz.

...

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O COVEIRO DESPREZÍVEL...





O coveiro do cemitério municipal sempre agia de forma inflexível quando o assunto era suportar a choradeira dos que ficavam, todos – parentes e amigos -, entregues a uma ladainha de soluços e promessas de breve reencontro quando o caixão era baixado ao seu destino final – “Por que raios esses dementes esgoelam, torcendo e remoendo as tripas como se fossem porcos rumo ao abatedouro, se agora, de uma vez por todas, o desgraçado calou-se para sempre?” -, ele próprio, o coveiro, o mais desgraçado e desprezível dos coveiros do cemitério municipal, e, sem a menor dúvida, um dos mais cretinos homens que essa face da terra já teve a oportunidade de apresentar. Para ele, o coveiro, não havia um ser vivente da raça dos homo sapiens que merecesse vestir as calças que tinha, só dando devido valor ao Juca, seu cão vira-lata, que tinha o precioso talento de jamais discordar de qualquer coisa que ele, o coveiro, lhe pedisse ou dissesse. Um dia, porém, esse mesmo coveiro, num dos intervalos de sua árdua atividade como desencovador de covas, teve um mal súbito e morreu. Foi enterrado no mesmo cemitério no qual dedicara quase à totalidade da sua vida. Na ocasião do seu sepultamento, pasmem, houve um alvoroço geral. Toda a pequena cidade compareceu para ver o caixão do coveiro sumir por debaixo das camadas de terra atiradas pelas pás dos seus colegas de ofício. Foram sete dias de comemorações intensas em razão do desaparecimento oficial desse homem, um dos mais desprezíveis e assassinos da ética e da moral. Depois que tudo terminou, sua lembrança, a lembrança do coveiro, só ficou viva na cabeça de Juca, o vira-lata, que todas as noites aparecia no cemitério para dormir ao lado da lápide daquele que um dia fora o seu dono...

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quarta-feira, 27 de março de 2013

FUI, INDO...



Há essa coisa de ir
Acorda-se e já se vai
Indo
O onde é demora
O importante é sair
Partindo...

E como o primeiro viver é um despertar sem ser
Pega-se carona no existir
Que já é um partir
Sem saber
Ou sabendo
Vai entender...

E eu que imagino disso conhecer
Quando paro para ver
Já me vou dizendo
Num indo escrevendo
Num andar sem mando...

Se soubesse como parar
Abraçando a pausa que faria morada
Cansaria de medo
De não poder escrever mais nada
Eis a tragédia:
O ponto final é fatal parada...

Assim, triste vou
Andando
Ou alegre estou
Parando e amando
Preso e liberto
Nesse intervalo de ser e não ser
Difícil questão?
Mas por que não?
Justa busca do sentido de haver
Nesse eterno movimento
Que é acordar sem saber
Querendo encontrar quem se é
Morrendo e
Sendo...

...

...

#2



Se soubesse como alvorar os dias
Faria das tardes manhãs eternas
Por que tudo o que nasce deve aos poucos agonizar?
Antes morrer sem pena, na poesia das noites escuras
Mas entardecer?
Disso não gostaria de sofrer!
Fujo das tardes como quem foge da doença de ir falhando aos pedaços...
Sou inteiro!
Ou queria ser...
Nasço por completo
Ou morro direto.
O resto não me pertence.

...

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terça-feira, 26 de março de 2013

O CONSTRUTOR DE PONTES PARA O ABISMO...




Era muito requisitado ele,
O construtor de pontes para o abismo
Muitas cidades o queriam
Prefeitos a ele ofereciam intermináveis galhardias
Só para tê-lo por perto
Esse que era o construtor de pontes para o abismo...

Foi dele a solução para o impasse do trânsito
Uma ponte que tudo resolve
Um despencar higienizador 
Ainda bem que o temos hoje conosco
Esse que é 
O construtor de pontes para o abismo...

E de tabela a população ganhou providencial respiro
Os infinitos que éramos 
Hoje já não somos
Em razão desse curioso ralo escoador
Revitalizado através das pontes desse que é
O valoroso construtor de pontes para o abismo...

E agora nos chega a notícia
Triste papel esse o de reportar as crônicas trágicas da vida
Numa conversão mal feita, o caminho do inevitável
Acaba de despencar pelo abismo ele
O construtor de pontes
O nosso saudoso construtor de pontes
Silenciado pelo abismo
Que do silêncio por ele foi tirado...

Um minuto de silêncio...

(...)


...


...

segunda-feira, 25 de março de 2013

O congresso anual dos abutres-empalhados...




No congresso anual dos abutres-empalhados
O mesmo tema de sempre:
‘Como evitar virar carniça?’
Coisa justa, afinal
Em vida todos sabiam
Ou melhor, bicavam e comiam
Daquilo que um dia poderiam vir a ser
Caso não houvesse uma preocupação sincera sobre esse fato final
Que é o morrer...

No congresso anual dos abutres-empalhados
O mesmo mandamento de sempre:
‘Jamais comei-vos uns aos outros!’
Alerta justo, afinal
Em vida todos sabiam
Ou melhor, bicavam e comiam
O cardápio saboroso que muito em breve seriam
Caso na antropofagia não pusessem freios
Canibais?
Jamais!
Jantares encarniçados?
Só com filés alheios...

Portanto houve razão
Quando desde então
Soube-se de um congresso anual
Cujos abutres finados
Ou recém-empacotados
Ditavam um senso de respeito à dignidade vivente
Nessa importante questão
Sabiamente conduzida por vozes competentes
Que é o que fazer, afinal
Depois
Antes
Ou em vias de
Morrer...

Houve polêmica, no entanto
Na ocasião dessa edição
Última que notícia se tem
Desse que era ou foi
O último congresso anual dos abutres-empalhados...

E aqui vai um registro sincopado do ocorrido
Com o único intento de preservar gerações futuras
Das agruras e graves conjecturas
Do trágico desfecho desse que foi, ou era
Se não me engano
O último evento ungido pelo título abençoado
De congresso nacional dos abutres-empalhados...


Um dos velhos senhores, de bico longo e asas proeminentes
Bradou sem qualquer reserva nos dentes:
‘Chegou o tempo de buscarmos o embalsamamento!’
Coisa justa, afinal
Todos sabiam, por bem ou por mal
Das crises advindas – coceiras e brotoejas
Do martírio que vinha a seguir
Após um belo paletó de palhas vestir
Um tormento!

‘Ora veja!’ -
Outro abutre de não menos nomeada replicou
‘Quanta fanfarronada’!
E de forma esplêndida fez a defesa em favor da criogenia
Coisa ponderada, todavia
Afinal, não havia quem não soubesse
Dos confortos e benesses
Das propriedades refrigérias do nitrogênio líquido...
E, ademais, o embalsamamento feria a ética humana dos abutres
Que não viam graça em eternizar-se em uma cara esticada

‘Caríssimo método’
Responderam os aliados do primeiro
Antes esticar o bico a avançar nos séculos desguarnecido!

‘Ora pois, guardar defunto depois de morto?’
Replicaram os acusados de desperdício financeiro...

O que se soube é que as farpas seguiram adiante
E o calor do diálogo tão logo provou intenso
Que faíscas estalaram de um lado para outro
Até uma delas ganhar volume nas penas estufadas de um dos senhores...

A despeito dos clamores
O fogo seguiu adiante
Tudo consumindo até com todos os abutres sumindo
Pondo fim, afinal e doravante
A isso que durante tanto tempo se deu
Sob o régio nome de
O congresso anual dos abutres empalhados...


...


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O Evangelho segundo a peste virulenta...



Escreveria uma auto-ajuda ao contrário
Um manual de Enfado-Crônico
Inauguraria uma nova sessão na livraria:
'Anti-Suicídio: Práticas de como permanecer vivo, vegetando na lama da existência'...
Buscaria na fotossíntese das samambaias a minha inspiração:
O exemplo da vitória das pteridófitas mono-cotiledôneas sobre o homo sapiens infeliz
Entrevistaria os ca
ramujos-ermitões da Ilha de Páscoa e faria do depoimento do crustáceo misantropo o tema das minhas conferências:
'10 passos para se enfiar numa concha e padecer tranquilo pelas ondas do destino'
Daria workshops antimotivacionais
Incluiria na yoga pílulas depressivas e posições de entortar o ânimo
Inventaria evangelhos catastróficos:
'O apocalipse É Now'
Bolaria cardápios pestilentos cuja uma única azeitona já seria suficiente para envenenar o pobre do esfomeado...
Seria o Papa de uma nova seita
O Chico no Vaticano
E eu em Cubatão
No meio da poluição
Só o enxofre salva,
Seria meu verbo sagrado...

Que diabos de vida é essa?
Tanta cartilha de felicidade
E basta olhar para dentro dos coletivos
Um exército de zumbis
Acostumados a zumbizar
Sem nada reclamar...
E se perguntados fossem,
Responderiam:
Somos felizes
A vida é bela
Jesus salva
Saravá Maomé
Pai Ogum Maculelê

Daria um jeito dessa coisa toda empestear
Só para ver se dessa tristeza é possível sarar...

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Resolvi aos miolos perguntar...



Resolvi aos miolos perguntar:
Vós que estais encalacrados nessa redoma cranial, vós, minhocas gelatinosas do saber, pergunto a vós, oh labirinto encefálico de massa acinzentada, sabeis responder-me? Quanto tempo dura para, uma vez eu pensando isso escrever, os dedos reagirem e da página fazer prontamente surgir essa maravilha de ideias revolvidas que ao leitor tenho a honra de presentear? 
(Zzzzz)
Não me respondeis, oh poderosa máquina de sinopses elocubrativas?
(Zzzzz)
Quem vos pede clemência não sou eu, mas o mundo, que insiste em descobrir a fórmula de vossa augusta conduta...

(Zzzzz)

Há mais coisas silenciosas entre os dedos e os miolos do que sonha a nossa vã escrita...

...

...

E queriam a minha opinião...



E queriam a minha opinião...
Por que não?, eu disse
Só pra fugir da mesmice, respondi:
Concordo até aqui, depois
Vai saber...
Ora pois, quiseram inquirir
Do resto discorda, quer dizer?
Ah, faz-me rir, falei
Dou o braço e já querem a mão?, devolvi
Por que não? Disseram
(Tensão)
(Pausa)
E encerrou-se a questão...

...

...

Lá para trás...



Tristes rumores dos capins que já não existem mais,
Do vento que só sabíamos ventar porque havia galhos com quem conversar...

Tristes sabores das árvores,
Tantas e quantas havia nos quintais dos meus alegres dias...

Tristes memórias da terra encharcada,
Hoje seca por debaixo dos negros lençóis de piche...

Tristes andanças sem a esperança de voltar a andar com aquela calma de quem escolhe quando voltar...

Tristes sensações dos cheiros que nos davam a visitar,
Da natureza trazendo um coquetel de misturas...
Como de novo torná-los meus?

Tristes suspiros de um tempo de silêncio cujas horas avançavam lentas, e os anos duravam a passar...
Hoje, passo sem durar
Ou duro para não ter que ver o tempo passar...

Tristes saudades da minha infância,
Calma serena de quem jovens os pais ainda tinha
Promessa fingida de eternidade nos amores
E que agora inventa outros odores,
De um agora pesado que resiste em caber
A mim que insisto em sofrer
Lembrando do que comigo carrego sem ter mais
Só vivo quando olhando
Ao que vive lá para trás...

...

...

AUSÊNCIA e PRESENÇA...



Entrei na igreja vazia
Padre não tinha
Silêncio de tudo
Num templo mudo...

Romaria também não havia
Entrei eu numa igreja vazia
Agora uma igreja só minha e de mais ninguém, 
Sem um único discípulo do além...

E, no intervalo da ladainha,
Fiz-me coroinha.
Em tempo recorde -
Já Papa entronado.
Eu, sacerdote do invisível
Um autodidata consagrado...

Corre-se atrás do sagrado
Como se dele fosse possível fugir
O que é sagrado aqui está
Ou não está...
E aqui está o que há para estar:
Uma igreja vazia
Agora uma igreja minha
Meu lar...

Na homilia que preparo, a missa será banida
Os fieis, convocados a calar
A bíblia?
Lacrada!
Não há evangelho que substitua o mistério da ausência do verbo...

Férias com os clérigos,
Monges,
Carmelitas,
Franciscanos,
Decanos, arcebispos
E com toda a horda de ministros!

Entrei na minha igreja
Agora sem mistérios
Ou cheio deles
Para que se veja!

Ter-se algo a crer parece-me insulto
Ao sagrado que o mundo torna a ver
Com a poesia se dá o mesmo:
Querem habitá-la no impalpável
Ao passo que, se do poema não se pode fazer matéria
Os versos viram reza
Duma promessa de mentiras etéreas...

A comunhão deveria ser estendida
Para além de uma simples hóstia digerida...
Incorporar
Corpo
Carne...

A minha igreja vazia tem corpo
A ausência de entornos humanos a sacraliza
Seu silêncio toca para adiante da oração
Se Deus, ao invés do verbo, assumisse a não-ação
Teria o meu perdão!

O sagrando está no não haver, havendo
A página em branco
O teatro vazio
A minha igreja às moscas...

Acho que tenho fé
E já me contradigo
Senhor! Que coisa difícil é viver

Vontade tenho eu de apagar o mundo
Ou de tê-lo apagado dentro de mim

O que sobra e vejo
(E não vejo)
É o verdadeiro!

...

...

S.O.S


Disseram-me poeta
Justo a mim a alcunha!
Eu que poucos deles, poetas, conheço
Eu que do texto longo faço-me admirador
A mim que no ímpeto da escrita imagino-me preenchendo laudas e mais laudas de imagens não vistas...
E devolvem-me isto: és um fabricador de versos! 
E sem forças para revidar, versos continuo a fabricar...

Triste sina a minha.
Como aventurar-me na longa jornada se o que se habita é um território de ilhas já pisadas?
Continentes explorados, legislações há muito fundamentadas, capítulos de tudo quanto é humano já escritos...
Não há becos não conhecidos!
E ainda no pouco de escondido que sobra
Alguém já soube uma lâmpada no teto instalar...
Para ver o que nublado está, basta o interruptor acionar...

O homem não é tão infinito assim para ser objeto de visitas recorrentes
Hoje deixo-o morrer, e a mim junto - escolha não tenho! -, encerrado nas próprias fronteiras...

O poema, agora vejo, é uma jangada
Um punhado de madeiras ocas pela métrica alinhavadas
Na partitura da sinfonia, seria a sincopa
Um intervalo precário de respiração
Um pedido de socorro lançado ao mar das certezas...

Ao longe, horizonte sem vistas
Se houvesse uma garrafa vazia ao meu alcance, faria como nos filmes
Engarrafando o que digo
Na espera de abrigo...

Eu, que supunha-me almirante
Um náufrago virei
Aqui então fico, à deriva
Provando que escrever (o que importa?)
Um pouco ainda sei...

...

...

BARATA-DRAMÁTICA...



A barata driblou a metafísica
Poetizou-se, ou, anti-ética
Vestiu-se de barata para zombar da poética...

A barata subiu ao palco e foi com o ator ter
Escalou as suas montanhas de invisíveis histórias inventadas 
E lá no alto, 
Cordilheira de lorotas rarefeitas 
Fincou sua presença,
Fez-se barata!
Desmoronando a cena...

Uma barata é sempre uma barata
Seu solilóquio da vida nada subtrai...
Só ao ator
Complexo mas incompleto
Cabe a audácia de fingir viver o que não se é...
Uma barata-atriz é improvável
Um ator entregue à esquina da sua existência é arbitrário
Barata e homem são irmãos em existência, mas ao contrário...

Uma barata-dramática subiu ao palco
Mas nada de drama!
Só verdade
E dos outros que da mentira fazem os pulmões inflar
Um peteleco de consciência foi-lhes dado a ver
(Ah se Shakespeare soubesse..)
Os precipícios doloridos de Hamlet nunca ganharam tanto sentido!
O que somos nós senão bobos rodando atrás do próprio rabo enfeitado?

Ser ou não ser, eis a questão?
Está aí o que a barata não disse
Dizendo sem dizer...

Findo o espetáculo:
Aplausos
De braços dados com as graças da poesia
A barata não o faz...
Entedia!

Sábia barata!

...

...

NEWS...



Comprei um jornal e não o li
Tranquei-o nas suas tagarelices
Inventei câimbras, cegueira momentânea, espirros que não tenho, paralisia mórbida da consciência...
Só para o jornal não agarrar...

Aqui jaz um jornal 
Virgem
De relatos intocados...

Que me importa saber o que aconteceu ontem?
Corto meu braço fora se o hoje não for tão extraordinário quanto essa ladainha noticiada na véspera
E, pasmem!
Amanhã sairá em destaque:
'Extra, extra: o mundo é o mesmo! As mesmas tragédias, as mesmas comédias...'
Como diz Rosencrantz: 'Nenhuma novidade, meu senhor! Só o mundo, que está ficando mais honesto...'
Ahãn!

Jornalistas são carpideiras
Choram o mesmo defunto
Chutam a mesma macumba
Reviram a mesma carniça
Para o inferno com o desejo irrefreável de se informar!
Quem nasce já nasce suficientemente informado:
Vai sofrer!
É o que basta para entender o que é a vida!

Voltemos a Rosencrantz:
'Nenhuma novidade, meu senhor! Só o mundo, que está ficando mais honesto...'
Hamlet: 'Então estamos próximos do juízo final!'

O resto é...
O mesmo resto barulhento de sempre!

...

...

SÓ...



Pequenos instantes
Pormenores não vistos
Uma folha seca que despenca do galho
A marcha intempestiva duma fileira de formigas
Um cão que esparrama o papo depois de um suspiro de cansaço
O ruído agudo do freio do automóvel velho...

Há um universo de pequenas inventivas
Escondido nas alternativas da imponência...

Vejo em mim uma galáxia de miudezas
O que menos importa
Exorta a mim
Para dentro voltar
Para o que cabe ao alcance do que vejo
Para os limites que a minha restrita vista consegue tocar...

Faço do meu tamanho uma filosofia
Uma que morre na própria vizinhança
Sem desejo de conquista...

Sou um exército só eu
De resistência ao adiante
Fico aqui, no pequeno que sou
E do mundo não guardo senão isso:
Um humilde cenário de ínfimas vibrações...

Eu, um coadjuvante...

...

...

(BIS)…



Acabam de desenterrar um novo fóssil jurássico...
A questão do aborto volta às manchetes: pode ou não pode?...
Em algum lugar do planeta uma ameba assassina tem o seu DNA isolado...
Noutro canto do planeta uma nova ameba assassina faz sua estreia no teatro das misérias humanas...
Um Papa metade conservador metade liberal assume...
A data do fim do mundo é revista para mais adiante...
Em breve o grande torneio esportivo dará início...
Um líder político de respeito tenta intermediar um acordo de paz entre etnias rivais...

Tudo de novo
Tudo um pouco do mesmo
O de sempre
O mais uma vez
O disco riscado da história
A ladainha das rezas
A repetição do desfile dos fantoches humanos
As mesmas dores de sempre
Os mesmos desafios em pauta
A mesmíssima trama da vida
O hoje é igual ao que foi
O amanhã será o mesmo de agora
As coisas serão o que são
Só eu que não mais serei
Deixando aos que vierem um pouco do mesmo do que nunca diferente se deu...

...

...

quinta-feira, 21 de março de 2013

MINHAS PEGADAS ONDE?




E o que nos resta fazer quando tudo já está dito?

E o que nos resta pensar quando toda a filosofia por nós já mapeou os caminhos?

E o que nos resta inventar se os inventos novos são tão somente uma versão acelerada da jurássica roda?

E o que nos sobra ensinar se o conhecimento de hoje não inventa nada a conhecer, só repetindo as verdades que já mofaram de tão gastas?

E qual música está por ser composta quando depois de Bach, Beethoven e Brahms as orquestras já emudeceram de tanto tédio?

E o que nos resta escrever se Shakespeare já fez o favor de nos esgotar?

Poesia depois de Pessoa?
Literatura depois de Mann?

Meu Deus!
Que resto é esse que nos resta?
Por que deram a mim um mundo já pisado?
Minhas pegadas onde?
Querem que eu mastigue o que há muito digerido está!

Minha estreia já nasceu como epílogo
Epílogo cujas linhas só me resta seguir

...

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O BAILE DAS ELEFANTAS...




Havia elefantes dançantes
Numa valsa a rodopiar
Eram rosas
Eram elefantas, digo
Todas primorosas
Melindrosas e em cor de rosa
Rodopiando a dançar...

Tchaikovsky, era a música
Um-dois-três / Um-dois-três
Das Flores
A valsa, digo
A Valsa das Flores, repito
Convidando as elefantas
Todas de rosa e contentes
A rodopiar dançando...

Emoção houve
No fim do baile, eu digo
Trágico fim, repito
Sem música a embalar
As floridas elefantas
Sem valsa, já disse
Das Flores ou de outra
Despencaram sobre a orquestra
Matando quem houvesse por lá...

Entraram as hienas
Rindo e sorrindo
Andando e marchando
Na fúnebre marcha, eu digo
A de Chopin, repito
E deu-se por fim, afirmo
O que antes era, confirmo
O baile das elefantas...


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quarta-feira, 20 de março de 2013

EVOÉ...

 
 
Sobrou-me uns incensos
De unguentos, tô cheio
Perna amputada de Saci
Cabeça fumegante de mula
Alho-porró de vampiro da Romênia...
Tenho tudo comigo!

Fumego os cantos
Bato na madeira
Dou férias pra fantasma
Se tu tens asma, hospital!
Meu nicho é o espiritual...

Meu currículo é rico
Trabalho é de tudo quanto é tipo
Desamarro e amarro num instante
Sequestro o sapo e lhe sapeco costura no beiço
Com barbante (isso é o mais importante!)
Tenho aval do Ibama
Me locomovo em cima duma lhama boliviana
Ana, é o nome dela
Tão linda ela!
Ana me ama...

Sou a mãe Dinah de terno e gravata
Sou a versão jovem-albina do preto-velho...

Tiro tua cachumba com macumba
Saravá-Macu-Lelê
Qué vê?
Paga que tu tens
Me repassa teus bens
(Incluindo aquele lindo Mercedes-Benz)
Pra mão de vaca jogo olho gordo
Cê que sabe...

Viro nega da encruzilhada
Devolvo namorada
Farofa na feijoada
Empacoto quem te deve
Boto tu num ultra-leve
Ah se tu se atreve a duvidá
Invoco logo a Iemanjá...

Tua mão eu leio
Fiz curso disso no estrangeiro
Se tu tomas café
Jogo a borra na xícara pra ver o que é que é
Aliás, o que é um ponto preto no milharal?
(Resp: O Emílio Santiago que acaba de se juntar ao Saramago)

Sou mago!
Pobre do Coelho, não o Pernalonga
O Paulo
Alquimista de esquina!
Meu falcão é maltês
O dele é do Paraguai
Meu teatro é na Jaceguai...

Faço mapa dos astros
Tiro letra do teu nome e ponho outra
Só pra dá na mesma e rimá com Pirajá
Mas na mesma não dá
Senão num tenho como me sustentá...

Enfins
Tu sabes onde me encontrar
Mas andas logo
Senão nas mandingas eu me afogo
Pior pra tu...
Sabe como é
Volto pra puxar teu pé...

Axé, candomblé, picolé

...

...

ENCONTREI...


Encontrei meu desejo de querer no teu olhar
Um olhar que vê sem crer
Ou que crê vendo, sem entender...

E eu que tudo entendo
Não sei ver como vês
E ao te ver, desejo
Um pouco do que tens
Do teu modo de ser...

 

Encontrei um cão
Olhando-me apenas
Olhar de quem entende
Que a vida é tão somente
Um olhar e ver...

Assim, displicente
Olhou-me tão contente
E não sabendo quem sou
Apenas olhou...

Carente? penso eu
Carente é o que sou
Eu que olhar não consigo
Sem que se veja entendendo
O que para se ver

Não há...

Encontrei um cão...

...

...

DESEJO...


Sabedoria seria retroceder
Um jeito de saber como voltar
Nas pegadas apagando lembranças
Um filme de enredo ao inverso
Eterno e constante rebobinar...

A viagem, então, seria para trás
Um retornar de onde se partiu
Paisagens que um dia se pôde ver
E no mirante das coisas já vistas
Tornar a ver para cegar...

Miséria do mundo que avança
Nas horas uma alavanca
Nos ponteiros uma sentença...
Haverá um dia de interrupção dessa agonia!
É a minha crença...

Sobre essa crise já se disse, bem sei
Mas que culpa tenho eu se exato nesse tema eu parei?
Minha poesia é ladainha
Torcer as dores que são tuas e minhas
Se no outrora faço hora
É com um único intento
Fugir do agora
Absolvição do espírito
Só isso...

Sabedoria seria retroceder
Voltar a pena e não escrever
Das tintas enxugando
As letras que visível deram o mundo a ver
Ver a mim que hoje se apaga
Ou desejando que apagado seja
Tornando-me o que um dia fui
Vivendo sem ser
Sendo
E já não sendo...

...

...

terça-feira, 19 de março de 2013

VIAGEM PATÉTICA, TRAGÉDIA HERMÉTICA...




Os aviões são máquinas criminosas
Sobem e descem impunemente
Que tal um amendoim para triturar entre os dentes?

Ora essa! A aeromoça deveria ser presa
Extraviada para Alcatraz
Suco de laranja, senhor?
Um de cicuta, fazendo favor...
A senhora traz?

Falou de veneno
De Sócrates lembrei
O filósofo
Não o boleiro terreno (in memoriam)
Do Pelé, o Rei, nada Sei (in vivum)

Só sei que uma coisa eu sei:

Quem inventou essa lata de alumínio esvoaçante foi Nietzsche
Lançou um olhar pela janelinha entre uma e outra ponte-aérea
E disse:
Deus está morto!
Só pode ser!
Tanta gente minúscula lá embaixo pensando em viver!

Uma monumental escola filosófica do Boeing, é o que deveria haver
Suba até as nuvens e desanuvie sua consciência:
Veja como somos pequerruchos, habitantes de maquetes
E lá em baixo vivemos como gigantes
Fazendo do vapor das nossas inaudíveis vozes
Sussurros de pedantes!

A janelinha!
Tranquem essa maldita janelinha
Soldem com uma chapa de metal escura essa escotilha transparente e tenebrosa!

Imaginem quantos advogados, juristas, escafandristas, homens de negócios na eminência dos seus eruditos equinócios
Quantos homo-sapiens sapientes (todos escovados, no cocuruto e nos dentes)
Imaginem quantos de nós, bonequinhos arrogantes
Estão nesse momento, na profundeza de suas certezas
Fazendo girar esse cenário de miudezas?

Senhoras e senhores, em breve estaremos pousando no aeroporto!
Como? Mandam-me lamber o fundo do poço e ainda querem que eu suba, ou desça?
Por favor, senhor... os cintos, sim? Obedeça!
Vomito, logo existo!
Endireito a poltrona e travo a bandejinha
Inha
Vidinha!
Por que raios não há um botão de ‘ejetar’ nessa geringonça?
Quem sabe planando não daria um jeito de viver melhor
Sonhando?

Um Ícaro esborrachado

Ah, aviões!
Tragédia de viagem...
Licença
Vou pegar minha (pra rimar e terminar por cima)

Bagagem...


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segunda-feira, 18 de março de 2013

Metade...




Aborreço quando penso em saber
Que parte tua dentro de mim fizeste haver
Inteiro sou sem escolha ter tido
Por tua mão obra essa a qual fui acometido
Indo embora
Como fico?
Metade de mim partido vai contigo
E o que vivo resta, morre sereno
Triste por contar as horas em teu lugar
Por um dia em que inteiro a ti puder me juntar

Sobro pouco enquanto isso...

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6 9 ...



Torna teu assunto complexo
Não pela imagem direta
Senão pelo inverso 
Dê-lhe rosto adverso,
Convexo
Fuja do reflexo!

Quer escrever? 
Aprenda a ouvir música!

Deseja subir ao palco?
Não sem antes experimentar a pintura!

Bailarino, quer ser?
Entenda como se faz para uma escultura aparecer...

Saia na contramão
A via direta é indiscreta demais
Dê mistérios ao mundo que imagina
Se já sabe como proceder
É porque morreu sem saber...

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Chapa...



Convidaram-me pra uma chapa!
Pensei que era dessas quentes,
De hambúrguer...
Mas era fria
Das chapas de ideias 
De gente que quer melhorar o mundo, um dia...

Aceitei, e fui logo receitando:
Mergulhe teus miolos em banho-maria
Sairá uma sopa de caldo grosso e azedo
Sorvida desde os gregos
No banquete da democracia...

Há tempos que cozinham o mesmo galo
Penteando a franja do defunto não se muda o assunto...

Melhorar o mundo um dia?
Encha antes o estômago alheio
Será mais fácil obter o que deseja
Creio...

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ODES...



Brás Cubas
Peço desculpas
Mas confiarei aos meus bigodes
Esses que há tanto cofio sem ódio nem bodes
O motivo da minha miséria 
Sejas tu, ó bigodes
Meu testamenteiro e herdeiro
Antes disso, porém,
Não me rogues alforria do que vens sendo e tens sido também:

Essa fabrica itinerante de filosofias
De ideias um celeiro...

Ó bigodes
Devo-lhe odes!
...

...

MANIFESTAI-VOS, PROTESTEI-VOS!!!




Tornou-se moda o protesto
Há em cada esquina um manifesto

Decidi também protestar
Peguei meu barco que não tenho e fui pro mar

Remei até ontem não sei
Tanto quanto pude sonhar

No intervalo entre duas luas e dois sóis
Um balão veio me buscar

Lá de cima soltei um grito:
Protesto, mundo bendito!
(Ou maldito, sei lá)

Soube de uma festa no pico do Jaraguá
De tanto voar, foi pra lá que fui dar

Dancei duas valsas
Com Strauss de parceiro

Entre brindes e vivas
Subi no altar

Eu, numa missa?
Pois é, virei padre
Pode?

Desígnio divino não se discute
Vinde a mim, ó beatitude!

Para o Vaticano às pressas levado
Papa Chico anunciado

Quer melhor lugar pra protestar do que entronado no sacrifício?
Na praça um bulício

Libertórum, Igualitórum, Fraternitórum!

Em latim lati uma reza
O que era não interessa
Nem eu sabia, todavia

Só sei que era um protesto
Um manifesto

Ah, enfim!
Manifestei também!

Abri meu guarda-chuva
Chovia chicletes sabor uva

Vou ligar pro PROCON!
Ora veja...
Ainda se fosse sabor cereja!


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