sábado, 18 de fevereiro de 2012



Eu faria assim: duas escolas desfilando ao mesmo tempo na avenida - uma começando num extremo, a outra no lado oposto. Chegando ambas ao meio da passarela, o confronto daria início: bumbo voando, carro alegórico cuspindo fogo, as rainhas das baterias puxando uma o cabelo da outra, a velha guarda bengalando a cabeça do puxador de samba adversário, as baianas rodando a baiana, pena e pluma pra tudo quanto é lado... ganha a agremiação que reunir mais gente viva no lado contrário a que partiu.




E se no meio do ziriguidum caísse uma nevasca de parar a Sapucaí, anunciando uma nova era glacial? "Alô cumunidade... Olha o focinho congelado aí geeeeente!" Era mulata virando picolé de chicabom, carro alegórico empacando na avenida, o pessoal do tamborim perdendo os dedos para a hipotermia, as baianas rodopiando frenéticamente pra tentar esquentar a pança, a porta-bandeira enrolada no manto sagrado feito em forma de cobertor parahyba, puxador de samba batendo o queixo, comissão de frente saindo em disparada pra tomar conhaque no camarote da Brahma... ao final, tudo viraria silêncio, plateia e foliões formando uma escultura gigantesca de gelo, descoberta só depois de 1000 anos, quando ninguém entenderia porque um bando de gente enfiava pluma de pavão na cabeça para morrer com um sorriso no rosto... Quero ver alguém caçoar dos Maias depois dessa premonição antropológica!

sábado, 4 de fevereiro de 2012


O que transforma o homem na criatura mais tediosa (e fascista) do planeta é o seu eterno esforço em querer ser correto com seus companheiros de raça... Nesse sentido, um pernilongo é infinitamente mais nobre - bebe seu sangue sem perguntar se você é corinthiano ou palmeirense.

Não confio em ninguém que se proponha a sofrer espontaneamente por uma causa justa. Não acredito em sofrimento redentor - já desisti do crisma faz tempo - e acredito menos ainda na existência de algum princípio que possa levar alguém a se auto-infligir. Na verdade, toda causa defendida com suor e sangue me deixa um tanto desconfiado quanto a legitimidade daquilo que propõe. Todo esse lindo discurso de 'empresto meu corpo em nome dos direitos do povo' já foi tentado tempos atrás pelo homem que subiu na cruz, e, parece-me, o benemérito exemplo, antes de trazer paz e justiça aos sofredores, foi o estalo inicial para todo tipo de atrocidades. Quem desiste das ideias em favor da violência não merece crédito algum.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012


A ordem de obedecer ordens começa sempre com um nariz torcido como resposta - as crianças são infinitamente mais sábias que nós, adultos. Depois, a ordem de estar sempre às ordens vira um pretexto para dar sentido a um percurso - "só se chega lá se houver submissão às ordens". Depois de ordenado, chega o momento em que ser obediente às ordens vira um vício, a ponto do sujeito correr o risco de imobilidade caso as ordens não sejam cumpridas. O último estágio, o mais comum deles - comprovem vocês com seus próprios olhos - é aquele quando o obediente vibra de alegria por ser um obedecedor de ordens, mesmo não sabendo porque as ordens foram ordenadas. Não seria por essa razão que o mundo contemporâneo é composto na sua maioria por um exército de mortos vivos, todos caminhando para o mesmo lugar, em fila indiana e marchando, claro, em ordem?

Nas artes, as coisas funcionam mais ou menos assim: a regra só tem algum valor se houver espaço para subverte-la. Todo artista que se preste é um demolidor do seu próprio edifício, sendo as ruínas tão fundamentais quanto os alicerces da obra. Em tempos de higienização das ideias e de padronização dos desejos, o perigo maior é imaginar que uma linda mansão, protegida de qualquer rachadura, se transforme no símbolo do produto ideal a ser admirado - se por fora desperta aplausos, por dentro é tão vazia e triste quanto um cemitério numa noite silenciosa.