segunda-feira, 27 de abril de 2015

Memorandos da Chefia: # O Dia Mundial das Antas...

Senhores, venho por meio desta informar-vos de que acabo de informar-me eu de que no presente dia de hoje que já se finda num crepúsculo outonal de vapores frescos comemora-se o dia mundial da anta, e como não é do feitio dessa empresa de frases geniais e pensamentos não menos brilhantes - e mui respeitada e de reputação ilibada! - e cuja chefia cabe a este sábio-de-bigodes que por agora vos dirige o diletante verbo - deixar, enfim, passar batido as datas que fazem valer o sentido último dos nossos suados esforços, ou seja, esquecer por completo desse quadrúpede que tanto nos inspira na qualidade de protagonista dos assuntos que demandam 99% dos neurônios preservados em formol pelo nosso departamento de estocagem de massa encefálica, venho, portanto, na qualidade de comandante desse empório de resistência à saúde das poucas capivaras que restam nesse mundão já de escassos capins, dedicar-vos, então, um minutinho de excelso silêncio, que, esperamos, não seja utilizado para guinchar repúdios ou vestir carapuça nenhuma...
Obs: Algum de vós, por obséquio da sagacidade reinante, saberia dizer-me quando é que se comemora o dia mundial da Paca-Mentecapta?
Grato.
A Direção.

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# Convocatórias para a guerra...

A rebelião dos anões só tinha uma única e curta bandeira: 

- O mundo não está à nossa altura! 

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quarta-feira, 15 de abril de 2015

Fábulas: # O discurso pelo levantamento dos moribundos...


Confesso-vos, senhores! Estou indignado! Vejam, senhores, a minha indignação frente a esse mundo vaidoso onde pisam vossos pés-chatos! Cada qual fazendo acontecer o seu teatrinho íntimo, ou então regido por sabe-se lá qual drama de multidão, arrastado por consensos, anônimo no meio de tanta enxurrada de vozes alheias à sua própria e genuína voz. Quanta perversão! Porque ao falar de vaidade, senhores, essa é também, notem!, um tipo outro de vaidade, uma vaidade inversa, perniciosa, às avessas, a vaidade da inviabilidade. A vaidade que não se assume vaidosa, mas que despacha ao vizinho o crime de ser ele o vaidoso! Ah, como isso deixa-me indignado, senhores! Eu indigno-me! E quanto a vós, indignai-vos também, ou hão de permanecer embevecidos na mesma letargia consumidora, essa mesma que é responsável por sugar o fel doce da potência criativa? Ah, senhores! Vejam bem, apertem vossos olhos miúdos e notem que há aqueles que querem o seu refletorzinho de foco apino a iluminar o charme de qualquer exposição que brote da manga, ainda que seja o truque mais banal e gasto dos últimos séculos! São os adeptos do solilóquio exibicionista, senhores! Oh, quanta indignação me é infiltrada ao dar-me conta disso, senhores! Percebem, senhores, o quão indignado eu estou? É importante, senhores, que percebam cada músculo desse meu corpo se retesar como resposta voluntária à tamanha indignidade! EU, senhores, alerto-vos: indignei-vos! Indignei-vos assim como eu que, já desperto e preparado que estou, tomo o direito de indignar-me para que, com a vossa compreensão e sensibilidade, possa assumir para mim esse vanglorioso papel de despertar nos outros a indignação que por ora corre em disparada por entre minhas veias já engessadas por tanta carga sensível e intelectual dedicada ao derradeiro ocaso das qualidades gregárias as quais vemos naufragar nos horizontes da vida, senhores! Hoje é cada um por si, oh trágica conclusão! Erguei-vos, senhores! Erguei-vos como EU hoje estou erguido e, preparado que estou, vestido pela manta da humilde pedagógica para voz dizer em alto e bom som: INDIGNAI-VOS AGORA! Ah, senhores! Quanta necrose anda carcomendo os miolos dos nossos pares por aí! Uns idiotas exigindo protagonismos, esperando angariar prêmios da crítica especializada, e outros nascendo para ser o coro do musical, seguindo caretas e passos marcados feito pupilos de doutrinação simiesca! Oh, indignado que estou! Eu, senhores, sou contra todo esse conjunto de perversidades, de abjeções do ego, de comércio barato da alma humana! Ah, a alma humana, senhores! Que produto é esse que está em plena liquidação no mercado de pulgas da atualidade! Vejam a mim, senhores! Alguém finalmente consciente de tal vilipêndio embrutecedor do espírito! EU EU EU EU EU EU estou indignado, senhores! VEJAM A MIM em minha indignação e aprendam de uma vez por todas o caminho correto da indignação! Venham, senhores! Venham todos atrás de mim! Eu clamo por vossa anuência, eu exijo vosso respeito, eu vos quero, senhores! E é papel dos senhores quererem a mim! ME QUEIRAM, SENHORES! PELO BEM DE TODOS, ME QUEIRAM! EU ROGO! OH, INDIGNADO QUE ESTOU...
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terça-feira, 14 de abril de 2015

Fábulas: # Ascensão e queda do dublador mímico-facial de vozes famosas e não tão famosas

O dublador mímico-facial de vozes famosas e não tão famosas notabilizou-se por isso, por dublar vozes famosas e não tão famosas ao emprestar seu repertório mímico-facial para as tais vozes sem rosto, fossem elas famosas ou não tão famosas. E era de tal maneira talentoso naquilo a que se propunha fazer que - a despeito de qual voz lhe caísse às mãos -, imediatamente sua máscara ajustava-se ao mastigar sonoro daquele dono invisível, fosse ele famoso ou não tão famoso, homem ou mulher, coisa humana ou animal, animal famoso e não tão famoso. E ficou famoso, ele, o dublador mímico-facial de vozes famosas e não tão famosas, e tão famoso que o programa de maior audiência da televisão nacional o convidou para uma exclusiva entrevista no horário nobre. E foi quando abriu a boca pela primeiríssima vez que todo o universo de admiração evocado por sua mudez carismática veio abaixo. Ouvi-lo era terrível, quase um acinte à saúde dos tímpanos alheios, praticamente um assobio ranhento e fanho que maltratava qualquer gramática, fosse ela talhada ao formato erudito, ou mesmo adequada aos desvarios das gírias populares. Enfim, eis o fim meteórico da não menos meteórica carreira do dublador mímico-facial de vozes famosas e não tão famosas, que após dar a conhecer os grunhidos escabrosos de sua gutural garganta nunca mais pôde fazer-se silencioso, ainda que dublando de maneira magistral o mais variado escopo de vozes esquisitas ou não, vozes humanas ou de animais, vozes famosas e não tão famosas...


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Fábulas: # As antas e a capivara

Uma capivara entrou numa sala repleta de antas e disse em alto e bom som: 'sois todas umas belas dumas antas...' ao que recebeu como repreensão da mais combativa delas 'e quem pensas que tu és para acusar-nos de sermos antas?', emendando então a capivara: 'uma capivara! Que só não é uma anta como vós porque sabe ser uma capivara, o que, automaticamente, já livra-me de ser uma anta, seja ela uma anta parcial ou completa, como sois vós', 'e se nós assumíssemos o que somos, então, e disséssemos que belas e completas antas que somos, o que seria de nós, finalmente?'... 'Seriam capivaras', respondeu a capivara. E as antas emudeceram.
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sexta-feira, 10 de abril de 2015

Fábulas: # O espectador das coisas alguma...

Um sujeito sentou-se na cadeira central de uma plateia vazia numa noite em que os espetáculos estavam em recesso. E lá ficou por horas, mirando o nada do palco descortinado e silencioso que acontecia bem diante de seus olhos atentos. Perguntado sobre a razão daquele ato doidivanas, respondeu que não havia melhor divertimento que aquele, quando ninguém o tentava divertir, quando ninguém resolvia aparecer para que o dissesse 'veja como eu estou aqui!', que, enfim, nada substituía aquela deliciosa atenção deitada em coisa alguma.

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quarta-feira, 1 de abril de 2015

Fábulas: # O Dia Mundial da Verdade...



O dia mundial da Verdade era assim comemorado: às moscas. Ninguém saía de casa. Um dia de desertos auto-impostos. Ruas vazias. Silêncio absoluto. Diálogos de ecos. Uma reza infinita e lamentosa, porém não destituída de seu júbilo, que indicava o que parecia obvio:

- A vida é um teatro. Suprima-lhe a mentira, e o que sobra é a vergonha de se estar vivo.

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