quarta-feira, 15 de abril de 2015

Fábulas: # O discurso pelo levantamento dos moribundos...


Confesso-vos, senhores! Estou indignado! Vejam, senhores, a minha indignação frente a esse mundo vaidoso onde pisam vossos pés-chatos! Cada qual fazendo acontecer o seu teatrinho íntimo, ou então regido por sabe-se lá qual drama de multidão, arrastado por consensos, anônimo no meio de tanta enxurrada de vozes alheias à sua própria e genuína voz. Quanta perversão! Porque ao falar de vaidade, senhores, essa é também, notem!, um tipo outro de vaidade, uma vaidade inversa, perniciosa, às avessas, a vaidade da inviabilidade. A vaidade que não se assume vaidosa, mas que despacha ao vizinho o crime de ser ele o vaidoso! Ah, como isso deixa-me indignado, senhores! Eu indigno-me! E quanto a vós, indignai-vos também, ou hão de permanecer embevecidos na mesma letargia consumidora, essa mesma que é responsável por sugar o fel doce da potência criativa? Ah, senhores! Vejam bem, apertem vossos olhos miúdos e notem que há aqueles que querem o seu refletorzinho de foco apino a iluminar o charme de qualquer exposição que brote da manga, ainda que seja o truque mais banal e gasto dos últimos séculos! São os adeptos do solilóquio exibicionista, senhores! Oh, quanta indignação me é infiltrada ao dar-me conta disso, senhores! Percebem, senhores, o quão indignado eu estou? É importante, senhores, que percebam cada músculo desse meu corpo se retesar como resposta voluntária à tamanha indignidade! EU, senhores, alerto-vos: indignei-vos! Indignei-vos assim como eu que, já desperto e preparado que estou, tomo o direito de indignar-me para que, com a vossa compreensão e sensibilidade, possa assumir para mim esse vanglorioso papel de despertar nos outros a indignação que por ora corre em disparada por entre minhas veias já engessadas por tanta carga sensível e intelectual dedicada ao derradeiro ocaso das qualidades gregárias as quais vemos naufragar nos horizontes da vida, senhores! Hoje é cada um por si, oh trágica conclusão! Erguei-vos, senhores! Erguei-vos como EU hoje estou erguido e, preparado que estou, vestido pela manta da humilde pedagógica para voz dizer em alto e bom som: INDIGNAI-VOS AGORA! Ah, senhores! Quanta necrose anda carcomendo os miolos dos nossos pares por aí! Uns idiotas exigindo protagonismos, esperando angariar prêmios da crítica especializada, e outros nascendo para ser o coro do musical, seguindo caretas e passos marcados feito pupilos de doutrinação simiesca! Oh, indignado que estou! Eu, senhores, sou contra todo esse conjunto de perversidades, de abjeções do ego, de comércio barato da alma humana! Ah, a alma humana, senhores! Que produto é esse que está em plena liquidação no mercado de pulgas da atualidade! Vejam a mim, senhores! Alguém finalmente consciente de tal vilipêndio embrutecedor do espírito! EU EU EU EU EU EU estou indignado, senhores! VEJAM A MIM em minha indignação e aprendam de uma vez por todas o caminho correto da indignação! Venham, senhores! Venham todos atrás de mim! Eu clamo por vossa anuência, eu exijo vosso respeito, eu vos quero, senhores! E é papel dos senhores quererem a mim! ME QUEIRAM, SENHORES! PELO BEM DE TODOS, ME QUEIRAM! EU ROGO! OH, INDIGNADO QUE ESTOU...
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