quinta-feira, 30 de maio de 2013

OUTRO!...

A vida é o que é
Coisa que nos foi sendo sem que soubéssemos dela o que fazer
E ainda que desejássemos ela interromper
Que certeza teríamos
De outro que não esse
Conseguir ser?

A vida é o que é
E eu, que tanto gostaria de não ser eu
Ser outro!
Virar músico, tocar oboé!
Eu, que de bom grado adeus daria à intransigência das palavras
Inventando desculpas para ter nada o que falar
Só tocar e tocar...
Eu que aqui estou
Sei que músico não sou
E nem serei
E ainda que ator seja, escritor amador talvez
Não importa o quanto invente
Condenado estou
A vagar com esse de mim
Com o pouco que dele sei...

Ah, como queria entrar pra uma sinfonia!
Dançar com meus dedos, só eles meus arautos
Pensar sem dizer
E assim, somente assim
Viver...

Eu que sou o que sou
Sei que a vida é o que é
E condenado me vou
Escrevendo e me havendo com essas pobres notas
Assunto sem sentido maior
Coisa de rodapé...

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CASA VAZIA...

Na casa vazia
Onde por ontem tantos havia
Entrevistei os cantos
Que - satisfeitos -,
Devolviam-me ecos de alegria...
Na casa vazia
Que há pouco tanto barulho zunia
Parei para ouvir o teto
Que - feliz por conversar -,
Contou-me como teto houve por virar
Um dia...
Na casa vazia
Nada há que sobre
Senão um monte de coisas
De almas pra lá de nobres...

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Pobres defuntos...

A atual estação não é propícia aos defuntos
Que defuntam sem saberem defuntos ser
Pobres defuntos
Perdidos nos fundos dos mundos
Alguém sabe a qual assunto dedica-se um defunto?
Nem eles o sabem
Os defuntos só defuntam
Defuntando e dando a defuntar
Sem que saibam quando
Onde
Ou pra qual lugar...
E assim vivem os defuntos
Vítimas tristes do viver
Atrapalhados pelos que vivos ainda
Deram ao crime de aos defuntos
A vida
Interromper...

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quarta-feira, 29 de maio de 2013

Vários...

Sendo outros, desocupo-me de mim
E quando desabito o que sou,
Nem por isso sei dizer quem eu era, ou fui
Ainda assim, fugir é preciso
E quando volto
Só o faço para encontrar
Senão um único
Outro desses 
Que costumam me visitar...

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#

Usei uma palavra
Seu significado não sei
Usei porque usei
E quem me ouviu dizer dela
Crente se fez
Que dela sabia eu
Sabia nada
E ainda nada dela sei
Sabendo só que do seu mistério 
Preservar intento 
E quero!
Mas nada de metafísicas abscônditas!
(Abscônditas? Outra que fugindo já vai indo...)
É do seu som que guardo alento
Som mais do que belo...
As palavras que me interessam
Poucas dizem muito
Outras tantas nada dizem
Se existem é só pra isso
Pra caber no verso
É dessas de que falo
Antes de dizer a que vieram
Palavras essas
Só vem e pronto
E isso já é bastante
Senão pros eruditos
A mim (que não os sou)
interessa...
Pra um poeta itinerante
São com belas melodias
Que se ocupam as estantes

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OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim do professor titular da cadeira de Obviedades da Universidade de Ciências Humanas e Filosóficas...

O professor titular da cadeira de Obviedades da Universidade de Ciências Humanas e Filosóficas do Campus Norte, depois de anos lecionando o que já se sabe desde Sócrates, ou, ainda antes de Sócrates, o que os pré-Sócraticos já sabiam, ou mesmo aquilo que os babuínos já previam mas não diziam, enfim, depois de anos lecionando coisas do tipo: o Homem é o Lobo do Homem, Só Sei que Nada Sei, Conhece-te a ti Mesmo, Deus está Morto e toda sorte variada de obviedades sortidas que não levavam a nada a não ser ao mesmo ponto de partida, ele, o professor titular da cadeira de Obviedade da Universidade de Ciências Humanas e Filosóficas, percebeu o óbvio: não havia jeito de emendar a burrice congênita dessa espécie tão peculiar que há séculos vem exercitando a tacanhice de acreditar que ainda existem meios elevados de se remediar o irremediável, ou seja, não havia jeito de convencer os tais alunos universitários de que, uma vez nascendo inteligentes (coisa que nasciam) burros se tornariam caso alunos se tornassem, e, uma vez burros, burros ad-eternum seriam, e, mediante a tal obviedade descoberta, ele, o professor titular da cadeira de Obviedades da Universidade de Ciências Humanas e Filosóficas do Campus Norte, num golpe de fúria-cômica, deu a vestir suas roupas ao avesso com o nobre intuito de provar que, ainda que louco, contanto que continuasse a defender seu diploma de mestre-doutor-Phd em Obviedades Aplicadas, muitos burros, vulgarmente chamados de alunos universitários, o continuariam a seguir, e, não só essa hipótese foi comprovada, como, aliás, o tal professor titular da cadeira de Obviedades da Universidade de Ciências Humanas e Filosóficas do Campus Norte, acabou sendo promovido a reitor, tendo o seu busto de bronze eternizado numa inauguração a qual o prefeito da cidade fez questão de comparecer. O que se sabe é que, de tão convencido com a idiotice dessa ciosa chamada de educação, ele, o professor titular da cadeira de Obviedades da Universidade de Ciências Humanas e Filosóficas do Campus Norte e agora reitor, trancou-se no seu gabinete e nunca mais parou de gargalhar de si próprio, ou melhor, parou quando morreu, encontrado morto que foi quando a junta de bedéis da da Universidade de Ciências Humanas e Filosóficas do Campus Norte arrombou a porta ao sentir sua demorada, e insubstituível, ausência...

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ATOR...

O que não se é
Para que se queira ser
Começa assim:
Não sendo...
Porque ser
Pressupõe-se primeiro isso:
Não ser...
É assim que o ator pode experimentar existir,
Ou melhor,
Existe o que nele não é, nem nunca foi:
A personagem
Coisa que ele jamais sendo
Vira o que é
Ou pode vir a ser...
Essa é toda a questão.

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terça-feira, 28 de maio de 2013

Só pra rimar!...

Não faço versos pra emocionar, não...
Faço versos pra rimar
E rimar já me basta
Pra isso de versos querer inventar...
Quem quiser chorar que invente os seus
Outros diversos que não os meus
Porque esses versos que não são teus
Não tem outro interesse a dar
Senão a essa coisa inútil de versejar
E com versos poder ter
Tão somente
E exclusivamente
Coisa com que haver
Para se rimar...

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Há que se ver...

Há infinitas maiúsculas no minúsculo que aos olhos não se presta
É por isso que o poeta se interessa
Naquilo que ver é impossível
E vendo mesmo assim
Tornar o absurdo
Crível...

O que seria do poeta sem o cientista?
Ambos numa tarefa conjunta
Um a apurar a vista
E o outro também
Sendo artista...

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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Às vezes...

Às vezes dá uma vontade de não ser de vez em quando, só sempre
Às vezes são tantas vezes que nunca é sempre, só entretanto
Às vezes sobra tão pouco que já é tanto, só que ainda falta
Às vezes faz falta por vez ou outra ter um não sei porquê, só um não sei dizer
Às vezes a razão do que não se disse já é muito, coisa que dizendo
Faltaria assunto
Às vezes é assim, e pronto
Coisa que já pronta, não seria

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sábado, 25 de maio de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES #O fim do locutor de voos internacionais do aeroporto de ultraleves...

O Locutor de voos internacionais do aeroporto de ultraleves da cidade de Poucos-Ares depois de anos dedicando-se ao anúncio de decolagens e aterrissagens dos mais variados tipos de aviões, todos eles, obviamente, de porte robusto e com destinos ou origens transoceânicos, descobriu, após um rápido desvio de olhos para a pista do aeroporto, coisa que não fazia desde os tempos em que, recém contratado, fora admitido para locutar de dentro de sua cabine acústica o anúncio de voos internacionais do aeroporto de ultraleves da cidade de Poucos-Ares, que a tal da pista do aeroporto de Poucos-Ares estava desativada, e, pela quantidade de mato que se adensava nas suas cercanias, havia tempos, senão anos, que nenhum avião, internacional ou não, nela taxiava. Pior foi saber que nunca, desde a fundação do aeroporto de ultraleves da cidade de Poucos-Ares, houve alguma ocorrência de decolagem ou aterrissagem de voos internacionais nessa que era a pista do aeroporto de ultraleves da cidade de Poucos-Ares, antes aberta unicamente para receber toda a demanda de voos de ultraleves tão somente. Indignado, o locutor de voos internacionais do aeroporto de ultraleves da cidade de Poucos-Ares, gravou seu último anúncio, dessa vez uma mensagem de despedida. Foi encontrado morto dali a dias dentro de sua cabine, onde a tal da gravação anunciava tudo, menos o destino para onde ia...

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O VIGARISTA E O ARTISTA...

Essa coisa de ser artista
Tá mais pra refúgio de vigarista
Porque nessa coisa de artista ser
Mora a canastrice
Coisa que rola a valer...
Quantos não são os artistas
Que artistas não sendo
Ou dizendo ser
Venerados são
Não pelo que fazem
Mas pelo que não sabem fazer?...
Aqui ao lado, vejam só, há um quadro todo errado
Coisa de inspirar dó
Pois então, gostaria de saber
Onde raios está o pintor
Para pelo seu crime responder!...
Tenho dito e vou dizendo
O artista é a morada do vigarista!
E que tal aquele ator
Que por genial se chama
Mas quando sobe a cena
Só verborragia derrama?
E disso, pasmem,
Faz toda a sua fama!
Mas, nada de ingenuidade
O vigarista que se diz artista
Tem unanimidade
Só sendo o que é
Por conta de toda uma multidão
A lhe dar pé...
Essa coisa de ser artista
Tá mais pra crime coletivo
Onde um vigarista brilha
Pode crer
Há formação de quadrilha!...

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sexta-feira, 24 de maio de 2013

THEATRO SÃO PEDRO... E EU...


Hoje li um livro que assim dizia
O palco que agora pisas
Tantos outros já pisaram um dia...
O livro que me enchia os olhos
Tratava de espetáculos muitos
Todos eles tão saudosos
Que nas páginas via juntos...
Saudosos não porque se foram
Já que espetáculos durar não duram
Espetáculos só se esgotam
Pingam e voltam
E se acabam, é por hora
Voltando quando houver
Alguém que os queira
Num novo agora...
Quem dura somos nós
Quando vamos, vamos para não voltar
Nós que aos palcos da vida
Teimamos em ter de pisar...
Espetáculos ficam na memória
As paredes ficam
Empilhadas em tijolos
Tijolos de história...
Os escuros corredores que por tantos anos ouviram passos
Esses ficam para além
Só passando os que nos corredores passos davam
Dando os meus agora
Eu também...
O livro que eu folheava
Pouco tempo me dava
Só pude ao palco subir
Sabendo pouco deles
Sem muito deles saber
Desses muitos outros
Que fizeram um dia
O que agora eu
Sabia que fazia...
Logo o tempo cobra o seu ingresso
E quem entra para o livro
É esse quem nas páginas
Chora em verso...

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TO BE OR NOT TO BE...

Só não sou outro 
Porque ainda não cansei de ser esse
Quando cansar
Pode anotar
Darei um jeito de nascer de novo
Ou morrer sem deixar de viver
Pelo sim pelo não
Ser ou não ser eis a questão
Ainda fico comigo então
Melhor não inventar nada ainda
Vai que no meio da trama as coisas dão uma virada?
O que não falta hoje é melodrama de correria
Um dia galã
Outro vilão
Uma donzela, por que não? - Quem diria?...
Por isso fico assim
No aguardo com o Bardo
Recitando sonetos ao leo
Decorando as melhores falas no papel
E quando for para valer
Subirei à cena para ser
Outro desse que não sei quem é
Mais outro de mim que nunca vi assim
Mas tanto tempo, acredite
Não durarei
Antes gastar num gole só
Do que ralentar até de si ter dó...
Só não sou outro
Porque ainda sou esse
E querendo me achar
É só duvidar por quem chamar
Não sei quem sou
E é esse que melhor sei ser
Muito prazer
Eis-me aqui
A valer...

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MARMOTAS POLIGLOTAS #1...

No congresso mundial das marmotas poliglotas
Começava-se o dia com um bonjour
Seguia-se um city-tour
E, mais tarde, antes de dormir
Um aufiderzein
Quando todas as marmotas poliglotas reuniam-se no salão nobre
Para um coletivo
Amém...

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MARMOTAS POLIGLOTAS...


No congresso mundial das marmotas poliglotas
Começava-se o dia com um bonjour
Seguia-se um city-tour
E, mais tarde, antes de dormir
Um aufiderzein
Quando todas as marmotas poliglotas iam para a cama
Cada uma não entendendo nada
Nem ninguém...

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NADA MAIS QUE A VERDADE!...

Digo uma coisa
Digo muitas, aliás
Só a verdade é que não digo
Porque a verdade dizendo - essa é a verdade, acredite! -
É sentença que se assina 
Não dessas de frase corrida, capricho de gramática 
Mas de morte
Suicídio voluntário
Coisa emblemática...
Porque a verdade é essa:
(Me arrisco!)
Quem suportaria saber quem se é
Vendo-se ao espelho e sem meios de fugir
Se antes a vida inteira passou
Sendo esse que não esse
Que agora sabe não poder mais fingir?
Não digo mais nada
Só digo isso:
A verdade é um petisco inconveniente
E se o ator é mascarado
Usa a máscara pra isso justamente
Para inventar um jeito de estar
Sem que a si próprio seja preciso encarar
Mas, vejam só que curioso:
Quem foge de si conscientemente
Já sabe que mente
Mais perto da verdade está, assim sendo,
Do que aquele que por verdadeiro ousa se apresentar, nunca por mentiroso se vendo
Porque esse mente sem saber
Enquanto o ator mente para ser...
Ah, a verdade!
Coisa indigesta!
E a verdade dizendo
(não resisto!)
Já vou morrendo...
E qual é o problema de morrer, afinal
Se tudo o que vive morre, seja por bem ou por mal?...
Que esse punhado de letras, então
Siga seu destino indecoroso
Desse autor que assina
(E não mente!)
Como um perfeito mentiroso
Tão somente...

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quinta-feira, 23 de maio de 2013

RÉQUIEM...


Cabelos...
Por que tê-los
Quando a careca que se aproxima
É sinal da luz divina
Que diz:
Teus cabelos que se vão
Vão primeiro que tu
Que vai também
Senão hoje, amanhã
Amém...
...?

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NÃO!...


Que diabos é não conseguir dizer não!
Senhor? Gostaria de um pouco de truta no manjericão?
Odeio truta, mas desejo sim, [vai que o manjericão rouba a cena...]
Que tal city-tour em Cubatão?
Pausa para avaliar a questão: {pensando...:
Mangue fedorento
Gente sem graça que só vendo
Trânsito na serra
E, claro, a principal atração:
Poluição!
Ah Cubatão, minha querida, fora tu só Veneza
Com as pombas encardidas a bicar meu dedão...}
Já em solo cubatãonense:
Senhor? Gostaria de naufragar com o Bateau Mouche?
Pendurar-se de cabeça para baixo mergulhado num balde cheio d’água...?
Balde de latão? Pergunto eu... se for, topo, se não for, topo também!
Que mal tem?
Que diabos é nunca dizer não!
Mamãe ao ver-me nascer deve ter dito:
Vá filho, não recuses nada! Sejas sempre solidário ao contingente de bobos do qual o mundo é feito
Sejas tu também um bobão, um paspalho de preferência
E, cuidado, tome tenência! Nada de dizer não...
Pois não, mamãe!
Nã nã! Tapa na boca!
Tapa na boca...

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NESSE ALMOÇO NÃO ALMOÇO...


Só não virei executivo por um motivo:
O almoço
Essa coisa de trincar um bife com o colega da firma
Não é coisa que me anima...
Já pensou? Comer todo santo dia vestido de tribunal
Gravata no pescoço
E toda a corte de nobres iguais a lhe passar o sal?
Até o santo desistiria dessa missiva divina
E pro café nada de açúcar, ou adoçante
Dá-lhe na estriquinina...

Vejam só que desgosto
O mundo dos negócio me perdeu
Por um almoço!

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A CONVERSA DO VERSO...


Entre versos não há conversa
Só degustação
Nos versos o que interessa não é a refeição
O que há nos versos são petiscos de sabores diversos
Os versos são os pequenos manjares
Servidos longe dos grandes jantares...
Entre versos não há conclusão
Não há porque sim porque não nos versos
Só reticências
Coisa controversa e pavorosa
Para quem vê nos versos
Com apetite e sem paciência
Chance de abastança, e,
De rima em rima,
Haver por querer encher a pança
Coisa diversa do verso é essa de digerir
O verso é antes um jeito de definhar
E ainda assim
Sorrir

...

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O TEMPO DO MEU FRIO...



Se me houvesse meios de esfriar o mundo,
Esfriaria
Cada canto da terra, nas minhas mãos
Congelaria
O vento gélido, sob o meu comando,
Ventaria
Neve caindo onde antes neve não se conhecia?
Isso também um jeito eu daria...
E tudo o mais - o marchar dos passos
As rodas gigantes
Os carros itinerantes
As gentes no seu desvario,
Os mundos todos em seus outros mundos particulares
Todos eles, nos seus acelerados compassos
No tempo do meu frio, eu os pararia...
Se me houvesse meios de parar o tempo
Pararia
E assim ficaria
A contemplar o silêncio que a vida me deve
Esse mesmo que ouço quando, sozinho
Vejo cair a neve...

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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Permita-me!...

Permita-me Deus, se é que o barbudo existe, nunca tornar-me funcionário público!
Permita-me a Santa Maria, se é que um dia existiu uma Maria tomada por santa, que eu permaneça um itinerante mambembeiro!
Permitam-me os astros, se é que o firmamento olha para nós aqui debaixo, que eu fuja do oficial, do reconhecimento, da eficiência do mecanismo, da autoridade do diploma...

Permita-me, 
Por tudo o que é mais sagrado,
Que suma eu do seu agrado
E, se um dia eu existi,
Prometo! -
Foi para passar
E não ser lembrado...

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OUTONO ONDE???

Se o outono quisesse outono ser
Não estaria eu aqui, inventando outro que não eu
Quisera eu fazer o outono comigo vir a ter
Varreria as folhas, então 
Porque com folhas haveria o que varrer...
Se do outono não se tem conhecimento
O jeito é ter matéria de lamento
Quando o vento, que é coisa de ventar
Venta longe, fazendo-me suar...
Se o outono quisesse como outono se apresentar
Diria: Chega!
Já foi o tempo de com poemas
Pingar...
Simplesmente largaria a poesia
E na companhia de metáforas outras
Ou quem sabe de metáfora nenhuma
Agarraria-me ao frio
Que sendo frio já me basta para amar
Vivendo a vida sem versos
Sem com versos ter o que rimar...

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#

Isso de dizer que o boato é uma mentira,
É verdade!
Quer coisa melhor do que provar
Forjando
Enxergando o que se é 
Não sendo
Só inventando? 

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Viver é um acaso
Morrer, um descaso
Descompasso entre ser e não pedir para ser
E, uma vez sendo,
Como não ter
Jeito de prevalecer...

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UMA VEZ MAIS, O DE SEMPRE...

Sou capaz de afirmar:
Daqui a vinte anos, trinta, duzentos ou quanta soma de gerações futuras quiserem
Estaremos nós fazendo as mesmas coisas
Repetindo os mesmos avisos
Encalacrados nos mesmos becos sem saída
Sorvendo as mesmas esperanças
Tropeçando nas mesmíssimas pedras
Sorrindo os mesmos sorrisos...
Se não nos repetíssemos, não seríamos quem somos
Essa maravilhosa civilização da ladainha viciada
Que toda vez que refere a si própria, não sai do lugar
Antes dando volta em círculos infinitos...

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OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim do puxador de riquixás vietnamita confundido com um pasteleiro chinês...

O famoso puxador de riquixás vietnamita, em razão de uma impressionante sucessão de erros de cálculo, pegara o voo errado, e, ao invés de aterrissar na província de Won, onde era esperado por um grupo de puxadores de riquixás para tratar dos perigos de extinção desse inglório meio de transporte movido à tração humana, acabou em Sorocaba, depois de ser confundido no aeroporto brasileiro com um famoso pasteleiro chinês, cujos pasteis eram conhecidos em todo o mundo dos fazedores de pasteis por rechear seus pasteis com todo o tipo de iguaria esquisita, desde escorpiões venenosos da Capadócia até lesmas gigantes dos troncos secos da Tasmânia. Assim, ele, pasteleiro chinês famoso que não era, acabou confundido com o tal pasteleiro famoso chinês, o mesmo que recheava seus pasteis com todo tipo de iguaria esquisita, e, recebido com louvor pelos brasileiros que o aguardavam no aeroporto, foi levado prontamente e com pompas e honrarias para o congresso regional dos pasteis de feira livre, evento sediado a cada ano em uma cidade diferente do interior de São Paulo. Convocado a fritar os seus pasteis na apoteose do evento, ele, o puxador de riquixás vietnamita, incapaz de recusar sua habilidade nunca antes treinada, derrubou acidentalmente todo o recipiente de óleo fervente em cima de si, coisa que o levou a morte, vítima de queimaduras gravíssimas. Celebrado como o mártir dos pasteis recheados com todo tipo de iguaria esquisita, ele, o puxador de riquixás vietnamita, tivera seu corpo transportado até o cemitério não puxado por um riquixá, mas em cima de um carro aberto de bombeiros, seguido por toda uma multidão consternada pela morte repentina de um de seus visitantes mais ilustres que até então aportara em solo sorocabano. Uma estátua sua foi erguida numa das principais ruas da cidade, e, como acontece até hoje, todo pasteleiro, de Sorocaba ou não, antes de fritar os seus pasteis, sejam eles recheados com todo tipo de iguaria esquisita ou não, acontece de render uma breve prece pedindo proteção a esse homem que coube por sorte, ou azar, morrer abaixo dos trópicos, e sem poder realizar o seu sonho incompreendido, o de proteger o futuro para lá de inglório dos riquixás, um dos últimos meios de transporte movidos à tração humana... 

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terça-feira, 21 de maio de 2013

FABRICADOR DE MONUMENTOS...

Fabricador de monumentos
É o que esperam que eu seja...
E de monumentos sou eu, pois, fabricante
Mas de um tipo outro de monumento
Diverso daquele que se ergue para durar...
O tipo de monumento que fabrico tem por constância não resistir
Basta pô-lo de pé e pronto
Não demora a cair...
Se um dia ao meu monumento vier visitar
Será só por um momento, nada que seja para habitar
Tampouco eu, que o fiz surgir, dele faria lar...
Sou dessa espécie de construtor
Que, como o ator,
Constrói para ruir
E quando o monumento que fabrico desmorona
Desmorono eu também, o seu fabricante
Levando junto o desejo de, em breve
Um outro fazer surgir, lá adiante...
Não me importo com a eternidade
O que é perene já é muito
E quando não é nada
Já não ligo
Contanto que comigo
Deixe um pouco

De saudade...

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VERSOS, POR QUE?

Perguntar-se o porquê dos versos já é poesia
É viver e ir vivendo
Ainda que a vida
Seja vazia...
E se sentido maior nisso não há
Tanto melhor
Porque rimar é exercício contínuo
Como a vida
Que quando a nós se combina
Ainda que pouco, sobrevive
Numa breve melodia...

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O PORQUÊ DOS VERSOS...

Perguntaram-me o porquê dos versos
Respondi ao inverso:
Por que tu perguntas isso?
Porque a mim interessa, ora essa!
Pois bem, então, não percebes que já estamos a rimar, meu irmão?
Quem rimas é tu, disse-me, eu da poesia não guardo razão
Rimas de novo, amigo querido!
Ora! Vá lamber sabão...
E foi se embora
Só o tempo de voltar e já esbravejar:
Fazer-me de tolo? Comigo não! Pensas que pode troçar da minha pessoa, seu metido a Fernando
Pessoa? Perguntei...
Deixe-me em paz! Tu és desses indignos que vivem a vida a toa!
Até mais então...
Não vou-me ainda não! Antes, diga-me de uma vez por todas: quem tu pensas que és?
Uma pedra no meio do teu caminho, disse
Tu e teus rapapés! Até logo!
Já te vais?
Ficar aqui contemplando teus ais? Me vou, tchau!
Tu também poeta és, nada mal!
Deixe-me seu indigno! Imaginei que fosses meu...
Querido amigo?

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segunda-feira, 20 de maio de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES #O Fim do ex-escritor de novelas emblemáticas...

O escritor de novelas emblemáticas de tão modesto que era não acreditava que suas novelas fossem de fato emblemáticas, e ainda que todos isso a ele dissessem, ele, o escritor de novelas emblemáticas, tomava-se por um completo canastrão, só emblemático, pensava ele, na mediocridade que imaginava carregar nos seus escritos. Foi por essa razão que ele, o escritor de novelas emblemáticas, resolveu se arriscar em novas praias, apostando todas as suas fichas no teatro. Escreveu, então, uma peça de teatro que todos, incluindo sua mãezinha, detestaram, mas, não importava o quanto lhe avisassem da sua absoluta falta de talento para o palco, ele, o escritor de novelas emblemáticas, agora dramaturgo de peças pífias, sentia-se o mais novo gênio da dramaturgia moderna, outorgando a si próprio os mais variados prêmios que academia nenhuma ousaria agraciar-lhe. Sua imperícia era tão grande para com os diálogos dramáticos que, num dia, uma de suas personagens bateu à sua porta, furiosa que estava, para reivindicar-lhe a razão de tamanha falta de coerência impressa no seu destino, coisa que nunca antes havia acontecido com as suas figuras literárias, todas elas esbanjando satisfação com suas vidas fictícias. O fato é que ela, a tal personagem dramática e frustrada, encostou ele, o ex-escritor de novelas emblemáticas e agora dramaturgo de peças pífias na parede, exigindo uma resposta para o motivo de tê-la assassinado tão subitamente e logo no primeiro ato da peça. A discussão entre ambos foi intensa, enquanto ela, a personagem dramática e frustrada, dizia o quanto frustrante era morrer longe dos aplausos finais, ele, o ex-escritor de novelas emblemáticas e agora dramaturgo de peças pífias, tentava convencê-la de que a sua morte prematura era tão ou mais bonita quanto à de Ofélia, e, se morria logo no primeiro ato era porque a sua morte prematura era essencial para despertar a loucura do personagem principal, o príncipe da Corumbácia. E o ciúmes doentio que acometeu a ela, a personagem dramática e frustrada, ao ouvir de seu próprio criador de que ela, a personagem dramática e frustrada, não só morria prematuramente como só existia para servir de escada ao personagem principal, o príncipe da Corumbácia, esse ciúme, pois então, a levou ao ato extremo de agarrar o abridor de correspondências que havia em cima da escrivaninha dele, o ex-escritor de novelas emblemáticas e agora dramaturgo de peças pífias, e enfincá-lo num golpe só na jugular do seu criador. E esse foi o fim prematuro dele, o ex-escritor de novelas emblemáticas, e agora também ex-dramaturgo de novelas pífias... 

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OBITUÁRIOS EXEMPLARES #O Fim do ator que esqueceu-se de entrar em cena...


O ator que esqueceu-se de entrar em cena teve nos bastidores uma reação mais dramática com a sua falha do que aquela que costumava ter com a sua personagem no palco, isso porque, na intimidade da sua displicência, descobriu-se protagonista sem saber, enquanto em cena, agora entendia ele, era apenas mais um no meio de uma tragédia maior. Entusiasmado com o seu inequívoco talento, posicionou-se de frente ao espelho do seu camarim e enforcou-se com a gravata que vestia. Morreu numa performance digna de prêmio, cena mais impressionante do que a de Édipo, que furava os olhos longe do público, num dos cantos do palácio de Tebas...

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O CÃO E A SUA DESPEDIDA...

Que despedida mais triste é a despedida de um cão
Porque ele, o cão,
Não se despede, só fica triste
Antes triste ficasse, dizendo:
Fica, meu dono, não vá
Mas não o faz, ele, o cão
Só despede-se assim
Sem se despedir e já se despedindo
Vendo a mim, seu dono
Partir, e já indo...

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INVADI A COXIA E DE LÁ VI OS QUE NÃO ME VIAM... E LÁ ESTAVAM ELES, OS COMEDIANTES MODERNOS...

Invadi a coxia. No escuro dos bastidores, sem que me dessem a ver, vi o que faziam, via eles, os comediantes modernos, eles que naquele ensaio de charme, todos afiando as maquiagens para logo mais fazer daquele teatro o espelho de suas vaidades, ensaiavam o que já faziam, sem precisar de ensaio algum, é o que pensava enquanto os via, sem que me vissem os vendo. Eles, os comediantes modernos, matavam o tempo para inventar o que inventado já está, afinal, para quê ensaio se o espetáculo é ser quem se é, agindo como se age, comprovando a quem queira ver que quem está ali é justamente ele que ontem na televisão eu vi? Que monumento de desperdício ao ofício, pensei. Eles, os comediantes modernos, esses que se perguntados fossem responderiam, somos atores!, esses que arrebatam multidões de fiéis ávidos pela piada pronta, esses aos quais lançava meu olhar no escuro dos bastidores, vendo eles sem que eles me vissem, sequer desconfiam, pensei, que atores não são, ou, então, tudo podem ser, menos atores. Porque para ator ser é preciso um alto exercício de dedicação, não a si, mas ao profundo respeito à máscara, esse emblema da metáfora que apaga a pequenez de quem a veste elevando o intérprete ao patamar de invisibilidade, esse sim, o mais alto grau da potência dramática. O teatro está aí, na sombra impressa pela máscara no rosto de quem a veste, na anulação da vida conhecida, na implosão das referências espaciais as quais nos acostumamos, no pôr em xeque a verossimilhança de tudo o que nos é circundado pelo cotidiano, incluindo a nós, os homens, que já fardo suficiente temos ao sermos homens quando homens somos obrigados a ser nas ruas de nossas cidades.... Que triste imagem era aquela que eu via, a imagem crua e barata da pobreza de sentidos, coisa nada ambiciosa, ao contrário, para lá de mesquinha e careta. Aquilo, ou aqueles a quem eu via sem que me vissem os vendo, era a imagem clara e inequívoca da falta de imaginação, da pouca ou quase nenhuma habilidade para o faz de conta, da ganância pelo lucro e por sentir-se dono de um poder sobre o humor dos outros, afinal, que outro objetivo aquilo tudo tinha senão fazer a multidão que dali a instantes lotaria aquele enorme teatro rasgar-se de tanto rir, amortecendo-a das suas misérias congênitas? Não teria a comédia, nos seus primórdios, objetivos mais cívicos, ou, no mínimo, mais adequados à inteligência humana? Pobre Aristófanes, pobre Molière, Martins Pena, Artur Azevedo, pobre Plauto, Terêncio e companhia. Eram eles, os comediantes modernos, o alvo do que eu via, vendo-os sem que me vissem, eu no escuro escondido dos bastidores, eles, cada um deles, na pose de seus sucessos, somente sentados em um banquinho – cenário não havia, vestidos a caráter no traje da vida – figurinos também não tinha, todos televisionados por suas piadas já ganhas. Dionísio deve revirar-se em seu túmulo, todas as personagens dramáticas devem cambalear por tamanho uso indevido de um espaço em que, outrora, coube abrigar não sei quantos universos imperiosos, mas, hoje, serve de palanque para discursos íntimos, desses que vendem a si próprios, sem que sejam enquadrados por crime tão pobre e vaidoso...

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O ATOR QUE NÃO FINGIU...

Há um drama em quem deixa de fingir
Ou melhor, uma tragédia!
A tragédia da realidade
Essa que não mente
Dizendo apenas e tão somente
A verdade...
Porque Édipo, embora trágico seja
É de mentira
Vivendo eternamente
No etéreo de sua pureza...
E quanto aquele que existe de fato
Inventando um fardo outro
Para fugir de seu destino exato?
Esse é o ator, um sábio fingidor
Sabe que furar os olhos dói
Mas dói menos que saber ser
Personagem esse que a vida
Duro enredo
Não lhe deu a escolher...
Morre o ator quando deixa de fingir
Vagando como espectro doentio
Igual a todo esse elenco no vazio
Dos que são o que são
Sem nunca haver experimentado
O prazer de inventar
E ser reinventado...

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OBITUÁRIOS EXEMPLARES #O Fim do doutor em microbiologia ...

#O Fim do doutor em microbiologia do laboratório para assuntos microbiológicos da proteína Z...

O doutor em microbiologia do laboratório para assuntos microbiológicos da proteína Z descobriu, depois de décadas de investigação microbiológica em amebas e seres unicelulares diversos, que não havia qualquer proteína Z presente nas amebas ou em qualquer ser unicelular, fosse ele diverso ou não, o que, obviamente, eliminava as chances estatísticas de haver qualquer vestígio da proteína Z nos organismos pluricelulares, fossem eles complexos ou não. Indignado com tamanha descoberta, e com o orgulho ferido pelas décadas dedicadas a investigação microbiológica dentro do laboratório para assuntos microbiológicos da proteína Z, ele, o doutor em microbiologia do laboratório para assuntos microbiológicos da proteína Z, resolveu empreender um experimento nunca antes visto nos anais da microbiologia para, dessa vez, e definitivamente, provar que, de fato, não só a proteína Z existia nas amebas e seres unicelulares diversos, como, também, era a própria proteína Z a responsável por fundar os fundamentos da microbiologia, uma vez que sem a tal da proteína Z não haveria chance alguma de haver no mundo as amebas e os seres unicelulares, fossem eles diversos ou não, coisa que nos leva a crer que, sem a fundamental existência da proteína Z, também não haveria entre nós qualquer ser pluricelular, seja ele complexo ou não. Nada achou. A bem da verdade, achou sim, mas não a proteína Z, e sim a proteína W, e não importava o quanto investigasse, achava tudo quanto era proteína: J, T, O, O², WQ, U³... mas nada da proteína Z. Convencido de que a proteína Z existia, bastando para provar a sua existência encontrar a prova irrefutável da sua existência, o doutor em microbiologia do laboratório para assuntos microbiológicos da proteína Z enfurnou-se dentro do laboratório para assuntos microbiológicos da proteína Z e lá foi encontrado morto junto com um bilhete: “Embarco para a posteridade, mas não sem antes legar o meu corpo para futuras pesquisas microbiológicas cujo fim, peço, seja o de descobrir o que há muito já venho descobrindo - que a proteína Z existe, bastando, para isso, um tantinho de esforço a mais para, finalmente, descobri-la...

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sábado, 18 de maio de 2013

BENDITAS BÉTULAS...

Sorte das bétulas que não precisam dar opinião
Que do âmago das suas hastes cheirosas
Não precisam emitir um sim
Ou um não
Benditas bétulas
Que cheiram e pronto, sem dar a nós
Qualquer consideração...
Se tudo fosse um simples jardim
Simples assim
Os discursos não temeriam ser o que são
Ventos que voam
Hora para o sim
Hora para o não...

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REESCREVER...

O que fazer senão reescrever?
A vida, que nunca se repete
Repete aqui, no pouco que dela apreendo...
Que tragédia é não poder ser original
Mas que outra genialidade há
Senão repetir o que de mais importante há para se falar?
Porque, no fundo, é isso:
Só existe uma coisa importante a se dizer
O que é? Difícil não é descobrir
O complicado é fazer-se ouvir
Quanto a isso, só um jeito de persistir:
Dizer!
Ainda que não haja quem nos ouça
Diga...
A resposta dos ecos já é uma resposta
E qual melhor audiência que o silêncio
Que a tudo concorda
Sem nada replicar?

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