segunda-feira, 20 de maio de 2013

INVADI A COXIA E DE LÁ VI OS QUE NÃO ME VIAM... E LÁ ESTAVAM ELES, OS COMEDIANTES MODERNOS...

Invadi a coxia. No escuro dos bastidores, sem que me dessem a ver, vi o que faziam, via eles, os comediantes modernos, eles que naquele ensaio de charme, todos afiando as maquiagens para logo mais fazer daquele teatro o espelho de suas vaidades, ensaiavam o que já faziam, sem precisar de ensaio algum, é o que pensava enquanto os via, sem que me vissem os vendo. Eles, os comediantes modernos, matavam o tempo para inventar o que inventado já está, afinal, para quê ensaio se o espetáculo é ser quem se é, agindo como se age, comprovando a quem queira ver que quem está ali é justamente ele que ontem na televisão eu vi? Que monumento de desperdício ao ofício, pensei. Eles, os comediantes modernos, esses que se perguntados fossem responderiam, somos atores!, esses que arrebatam multidões de fiéis ávidos pela piada pronta, esses aos quais lançava meu olhar no escuro dos bastidores, vendo eles sem que eles me vissem, sequer desconfiam, pensei, que atores não são, ou, então, tudo podem ser, menos atores. Porque para ator ser é preciso um alto exercício de dedicação, não a si, mas ao profundo respeito à máscara, esse emblema da metáfora que apaga a pequenez de quem a veste elevando o intérprete ao patamar de invisibilidade, esse sim, o mais alto grau da potência dramática. O teatro está aí, na sombra impressa pela máscara no rosto de quem a veste, na anulação da vida conhecida, na implosão das referências espaciais as quais nos acostumamos, no pôr em xeque a verossimilhança de tudo o que nos é circundado pelo cotidiano, incluindo a nós, os homens, que já fardo suficiente temos ao sermos homens quando homens somos obrigados a ser nas ruas de nossas cidades.... Que triste imagem era aquela que eu via, a imagem crua e barata da pobreza de sentidos, coisa nada ambiciosa, ao contrário, para lá de mesquinha e careta. Aquilo, ou aqueles a quem eu via sem que me vissem os vendo, era a imagem clara e inequívoca da falta de imaginação, da pouca ou quase nenhuma habilidade para o faz de conta, da ganância pelo lucro e por sentir-se dono de um poder sobre o humor dos outros, afinal, que outro objetivo aquilo tudo tinha senão fazer a multidão que dali a instantes lotaria aquele enorme teatro rasgar-se de tanto rir, amortecendo-a das suas misérias congênitas? Não teria a comédia, nos seus primórdios, objetivos mais cívicos, ou, no mínimo, mais adequados à inteligência humana? Pobre Aristófanes, pobre Molière, Martins Pena, Artur Azevedo, pobre Plauto, Terêncio e companhia. Eram eles, os comediantes modernos, o alvo do que eu via, vendo-os sem que me vissem, eu no escuro escondido dos bastidores, eles, cada um deles, na pose de seus sucessos, somente sentados em um banquinho – cenário não havia, vestidos a caráter no traje da vida – figurinos também não tinha, todos televisionados por suas piadas já ganhas. Dionísio deve revirar-se em seu túmulo, todas as personagens dramáticas devem cambalear por tamanho uso indevido de um espaço em que, outrora, coube abrigar não sei quantos universos imperiosos, mas, hoje, serve de palanque para discursos íntimos, desses que vendem a si próprios, sem que sejam enquadrados por crime tão pobre e vaidoso...

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