domingo, 5 de maio de 2013

UMA ODE AO SANTA ISABEL...



Gosto do teatro pelo teatro. Gosto tanto do teatro que às vezes penso que o ator, que foi moldado para no palco do teatro pisar, é desnecessário, ou, quando necessário se torna é porque ao seu dispor está justo ele, o teatro, pronto a lhe servir como terreno de eloquências variadas. Melhor dizendo, é o ator que serve ao teatro, não o teatro que serve ao ator, porque o primeiro (o teatro) sempre será maior que o segundo (o ator). Ainda que o ator seja grande, será sempre menor que a imponência de um teatro, haja vista que o teatro carrega consigo todas as idiossincrasias das mágicas irreveladas, povoado por cantos e becos escuros que no passado serviram de esconderijo para figurinos e trecos cenográficos, acessórios sumidos, é verdade, mas vivos na pele dos fantasmas que habitam a sua história. Um teatro bom é um teatro repleto de fantasmas. Um teatro genuinamente bom é um teatro necessariamente antigo, velho, de séculos e séculos de jornadas, teatro onde gerações e mais gerações interpretaram nos seus tablados toda a sorte de textos dramáticos, das farsas mais rasgadas às tragédias mais sangrentas. Quando se pisa num teatro dessas proporções sente-se imediatamente o seu silêncio, uma espécie de respiração suspensa, uma sincopa no meio da sinfonia, pausa em que quem lá está se sabe observado pela plateia de artistas ancestrais, atentos por avaliar em quem chega a responsabilidade de levar adiante toda uma tradição, dignificando aquela mesma cortina de veludo vermelho gasto que não sei quantas vezes subiu e desceu, iniciando e terminando não sei quantos espetáculos lá atrás, tempos nos quais esses que agora chegam nem bem nascidos eram. Um ator é capaz de naufragar mediante à beleza de um teatro, tornando-se pequeno, menor, pouco atraente, mas, o teatro em si, esse nunca se rende, resiste bravamente dentro das suas fronteiras misteriosas, jamais sucumbindo às intercorrências de ânimo do melhor dos atores. Um teatro dessa magnitude já é o espetáculo. Deveria haver espetáculos nesses palcos sem que houvesse a presença de ator nenhum. A cortina subiria no meio da escuridão da sala, o palco seria revelado, todo ele vazio e sem presença humana, apenas banhado por luz. A isso, depois de nada acontecer, um ato inteiro poderia transcorrer, um ato todo mudo, mergulhado no mais abissal silêncio. A bem da verdade, não precisaríamos também de espectadores. Teatros dessa qualidade não precisam de ninguém. Teatros dessa dimensão são monumentos pulsantes que não pulsam com a mesma dinâmica do sangue que por nosso corpo circula. Esses teatros sobrevivem a despeito de nós, e, quando muito, somos nós que não compreendemos a magnitude de tais edifícios, denegrindo-os com essa nossa pequena soberba congênita, coisa típica que adoramos carregar como truque na manga. Eu presto minha reverência a esses teatros. E já falei muito. Se quiser entender o que digo, pise sozinho num desses palcos grandiosos. O resto é silêncio, o mais puro e espectral silêncio.

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