quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ai de mim: sou uma formiga...



Senhoras e senhores, venho por meio desta – já que por intermédio daquela outra já não tenho mais fôlego nem para levantar o dedinho mindinho esquerdo cuja pobre unha toda carcomida pelos meus ferozes caninos evidencia o ímpeto falido dessa minha filosofia-de-caixa-de-fósforo -, enfim, senhoras e senhores, data máxima vênia... ( senhoras e senhores! Façais o favor de não interromper o fluxo do meu raciocínio! Essa vossa ânsia em exigir tantas justificativas só fazem circular minhas palavras para dar a volta em torno de si próprias, o que as leva não a outro lugar senão ao ponto de partida! E vede, senhoras e senhores, ainda nem comecei e já coloco-me a explicar os porquês dos porquês... ora, ora). Senhoras e senhores, peço-vos a palavra e vou direto ao assunto sem mais delongas: venho por meio desta informar-vos de que sou uma formiga. Uma formiga metafísica, é verdade, mas ainda assim uma formiga. E não pensem, senhoras e senhores, que o fato de eu ser uma formiga metafísica alivia um pouco o meu estado-inseto de ser. Muito pelo contrário! Antes ser uma formiga que não se sabe formiga que uma formiga metafísica! Porque a questão é justamente essa: a formiga metafísica interrompe o que está fazendo para olhar no espelho - sem qualquer vestígio de vaidade formigal, é bom que se diga - e reconhecer que o que se vê no reflexo nada mais é do que a imagem de uma baita formiga antenuda! Sou uma formiga... não há mais por onde fugir! ‘Ai de mim, porque fui nascer?’, perguntaria Édipo Rei nos idos tempos em que as formigas eram apenas formigas e não se suspeitava de que não sei quanto tempo depois as cidades virariam formigueiros gigantes para abarcar nós seres humanos, agora seres formigais. Ah, senhoras e senhores, evoco nosso herói grego porque saber-se uma formiga é uma tragédia das mais cruentas de que se pode ter notícia! Muito melhor ser uma formiga e não saber que se é uma formiga... viver apenas como uma formiga-operária sem desconfiar das antenas que se carrega é uma benção que não derrama sua dádiva sobre a testa das metafísicas. Ah, senhoras e senhores, tivesse eu um punhal à mão, repetiria sem pensar o final sangrento do personagem de Tebas... e, antes de cegar-me, levantaria as mãos para os céus para amaldiçoar essa minha soberba orgulhosa em querer investigar as fontes primitivas do meu ser, sim porque é justamente esse desejo irrefreado de saber quem se é que nos leva a olhar no espelho e... tcharãn: QUERIDA, VIREI UMA FORMIGA! Esqueçam, senhoras e senhores, embora sabedor desse vosso sádico apetite por sentar na plateia para testemunhar essa minha sulfídica interpretação digna de prêmio Shell, não darei gosto desse meu talento, afinal, que interesse poderia despertar uma formiga se auto-mutilando? Não não... melhor acostumar-me ao fato de ser uma formiga metafísica e continuar a produzir minhas ideias que um dia, quem sabe, rivalizarão com as de Aristóteles, pobre filósofo que jamais imaginou que uma formiga poderia um dia competir com suas elucubrações. Senhoras e senhores, o fato é que eu me vi uma formiga hoje, no metrô de São Paulo. Percorri todas as linhas possíveis: verde, amarela, azul, vermelha, enfim, o arco-íris inteiro debaixo da terra. Entrei no vagão do trem abarrotado de gente e pensei: não é possível que o homem virou isto, um exército de sardinhas enlatadas, todas solidárias ao bafo da vizinha! Mas sardinha não anda, e foi no instante em que eu vi aquelas pessoas se locomovendo como num arrastão de carnaval que eu tive a iluminação: são todas formigas, pequenininhas e antenudinhas... todas formigas! Ah, senhoras e senhores, mas que sorte a delas em não sequer desconfiar dessa triste sina insetívora, porque comigo a coisa bateu diferente... uma vez que aqueles rostos pareciam com o meu, não havia porque suspeitar de que eu também não fizesse parte do formigueiro! Dito e feito! Espremi-me num cantinho do vagão e chorei baixinho, dizendo para mim mesmo: sou uma bendita de uma formiga! Justo eu que almejava grandes empreitadas na vida, agora reduzia-me a um negócio tão pequeno que mal inspirava respeito. Senhoras e senhores, vós não sabeis o que é ser uma formiga num trem cujo destino é a estação Corinthians-Itaquera... habita nesse trajeto um tipo de formiga muito específico, mais conhecida como Formiga-Bando-De-Lôco-Eô-Eô, bem diferente daquelas formigas engravatadas que ocupam a linha verde, por exemplo. Mas uma vez formiga, sempre formiga! Não deixei-me rogar à esse triste destino. Uma vez ciente de que era uma formiga, resolvi vingar-me das minhas companheiras alegres que mal sabiam-se formigas. Saquei um livro do Dostoievski da minha mochila e comecei a ler... se é para ser uma formiga, serei uma formiga culta, do tipo que lê Dostoievski! Ah, senhoras e senhores, não surtiu efeito nenhum! A condição minúscula da formiga opera aplacando toda e qualquer individualidade possível... não há meio de se destacar do bando de antenudas. Voltei triste para casa, certo de que minha cidade é um gigantesco formigueiro maciço, lar de um exército minúsculo de formigas... e eu, ainda, o pior tipo delas: a formiga metafísica! Ah, senhoras e senhores, como eu gostaria de ser um Leão-da-Montanha lá do hemisfério norte... um bicho peludo e solitário, digníssimo no seu porte, que olha para a planície gelada lá do cume do morro e diz satisfeito com a vida: GRRRRUUUUUAAAAAAU! Não corram atrás de respostas, senhoras e senhores, é bem possível que no fim da linha haja um espelho esperando para refletir vosso focinho de formiga!

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Naomi...


A chegada da Naomi não foi algo programado. Num determinado dia, acordei com a convicção de por fim à hegemonia da dinastia dos pastores alemães, raça de focinhos altivos que durante quase toda a minha infância reinaram absolutos no quintal de minha casa. Saí em busca de um labrador. Seria um labrador preto, ou melhor, uma labradora preta. Sempre gostei dos cães pretos, e as fêmeas me parecem mais espertas e carinhosas que os machos. Estava decidido! Uma labradora preta cujo nome seria Naomi Campbell - homenagem protocolar à modelo inglesa de mesma cor -, era a futura, embora ainda desconhecida, mais nova moradora da Rua João Carlos de Almeida. Encontrei com a Naomi rapidamente, num bairro próximo à minha residência. Era o penúltimo filhote de uma ninhada que eu não conheci, já que todo o restante da ninhada já havia sido vendida. A Naomi estava lá, brincando com o seu irmãozinho, ambos parecendo dois torrões de carvão orelhudo. A chegada de um novo bicho numa casa é sempre traumática, principalmente na ocasião em que eu enfiei a Naomi – eu a trouxera de surpresa, sem pedir o aval de meus pais. Ainda que a ideia inicial seja rejeitar um novo filhote de cachorro (os motivos podem ser os mais variados e plenamente justificáveis) ninguém consegue resistir por muito tempo ao olhar de um filhote de labrador. Minha mãe estava na cozinha quando apareci com a Naomi no colo, ela toda orelhuda, lambendo cada centímetro que conseguia do meu corpo. Minha mãe soltou uma interjeição... e pronto! Naomi já estava aceita. Terminada a apresentação aos humanos, era hora de Loys Lane, nossa pastora alemã, conhecer aquele pedaço de focinho africano. Não houve grandes contendas, mas era visível o semblante desconfiado da anfitriã-peluda, já articulando medidas urgentes com o intuito de evitar a improvável, porém iminente, queda de todo o seu império austro-húngaro já há anos consolidado abaixo dos trópicos. Não me lembro de todos os detalhes que marcaram a passagem da Naomi por minha casa, mas o que sei é que tive uma experiência completamente diferente com ela, uma camaradagem especial que até então cachorro nenhum havia me oferecido. O labrador é diferente do pastor alemão. O labrador deve ter sido concebido pelo Todo Poderoso depois da criação de todas as suas obras magnânimas, no meio da pasmaceira do sétimo dia, justamente para que o bicho lhe fizesse companhia apoiando o focinho nos seus digníssimos pés cansados. O labrador é uma espécie de Bartelby de quatro patas, muito parecido com esse personagem de Herman Melville que ficou famoso na história da literatura por evitar se sujeitar às ordens dos outros, preferindo apostar na sua preguiça congênita. O labrador, diferente do pastor alemão, não tem as suas orelhas em forma de radar, prontas para detectar o invasor que se aproxima. Bastava a campainha de casa soar para a soldado Loys Lane fazer uso de toda a sua experiência militar e correr em disparada com seu uniforme felpudo em direção ao front da porta de entrada, enquanto que a Naomi oferecia como reação no máximo um ronco e uma esticada preguiçosa de pernas, dizendo: ‘relaxa, gente... não há de ser nada’. As orelhas do labrador são caídas, o que lhe confere um olhar relaxado e tranqüilo, típica fisionomia do sujeito bonachão que quer tão somente fazer amigos. Naomi não se metia em encrenca nenhuma. Quando alguma confusão se armava, seja ela de qual natureza fosse, Naomi dava um jeito de se distanciar, para lá de longe lançar a sua famosa expressão de quem diz: ‘gente... pra quê isso?’. Naomi era a representante da ONU na minha casa. Foi pelo intermédio dela que os meus gatos (sim! Além dos cachorros também havia gatos) resolveram interromper a versão peluda da guerra Israel-Palestina para, num arroubo de coragem pacifista de fazer inveja ao Mahatma Gandhi, empreender jornada até o colchão dos cachorros numa noite fria... a partir desse dia, os gatos passaram a utilizar a barriga da Naomi para pegar no sono, subindo e descendo como numa gangorra impulsionada pela respiração daquele focinho avantajado. Foram 13 anos de convivência com a Naomi, um cachorro que me ensinou que a vida é um negócio extremamente simples, na grande maioria das vezes complicado por nosso próprio esforço. Naomi adorava simplesmente estar perto de alguém, e, lá no seu canto, adormecia. Nunca recusava coçadas na barriga e uma boa refeição significava o prenúncio de uma soneca de valer à pena. Era inteligentíssima, só não falava porque fez um pacto comigo de nunca abrir a boca para dizer besteiras – esse departamento era reservado somente ao dono -, e assim, no alto da sua sapiência canina, soube permanecer em silêncio até a sua morte há dois dias. Naomi adorava passear, juntos desbravamos o bairro de Interlagos por caminhos que eu a pé, sozinho, nunca havia me aventurado. Gostava tanto de passear que aprendeu a não precisar da coleira, muito menos da guia... sabia perfeitamente que aquele era um ritual sem qualquer necessidade de repressão, bastando um assobio do seu dono para que se juntasse ao meu lado. Ela indicava o caminho a seguir, eu a acompanhava. Conversávamos no silêncio, e não foram poucas às vezes em que passei longas horas a escutá-la. Nietzsche disse que a vida sem a música seria um equívoco... do alto dessa minha filosofia-de-caixa-de-fósforo, acrescento humildemente: a vida sem os animais seria um retumbante equívoco... condenados que seríamos a conviver integralmente apenas com nossos companheiros de raça. Obrigadíssimo Naomi! Fique bem onde está.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Não há crime maior que acostumar-se à vida!


O maior crime que existe nessa vida é acostumar-se ao fato de se estar vivo. Cuidado ao sair de casa! Há uma quantidade incrível desses exemplares esquisitos caminhando pelas ruas, bastando dobrar a esquina para dar de cara com um deles. Quanta gente inflando impunemente seus pulmões! Quanta gente vivendo como se viver fosse a coisa mais natural do mundo! Quanta gente obedecendo à rotina de dormir-acordar-dormir até que o sono reivindique sua eternidade! Todos criminosos! Para dar conta de tantos deliquentes haveria a necessidade de construir uma penitenciária de porte continental, com o perigo de ainda assim deixar de fora um país inteiro de candidatos a inquilinos. É impressionante como a vida é rapidamente absorvida por essa grande maioria de meliantes, todos atribuladíssimos em sustentar a mentira de que viver é uma coisa boa. Quantos são aqueles que acham normal embarcar numa aventura fadada ao fracasso, fazendo de suas curtas temporadas de sucesso uma gincana idiota de afazeres sem propósito! Que espécie de DNA é esse que age sobre nós transformando o absurdo em algo normal? E é ao acreditar nessa normalidade fantasiosa que se comete o monumental pecado de não perceber que se há algo de equivocado na vida essa coisa é a própria vida. Ah! Com que rapidez as pessoas se acostumam a fazer o que fazem, formando naturalmente um exército humano de advogados, médicos, engenheiros, físicos nucleares, economistas... Pergunte a qualquer um deles o que acham da vida e quase nenhum fugirá da resposta: ‘A vida é uma coisa boa’... Pois com o artista o cenário muda de figura. Alguém disse por aí que o artista é um condenado-vivo, um homem cujo destino coube a interessante tarefa de desconfiar da vida. Eu tenho que concordar e ainda acrescento: o artista compreende muito bem que viver é um negócio complicadíssimo e por isso mesmo escolhe visitar a vida ao invés de vivê-la. O artista é um expatriado dentro da sua própria pátria, um estrangeiro habitando seu próprio território nativo, um visitante que nunca consegue sentir-se à vontade já que o solo onde pisa, por mais frequentado que seja, será sempre propriedade alheia. Mas atenção! Engana-se aquele que supõe haver grandes doses de pessimismo nessa condição instável! Ao contrário! O artista não resiste às emoções para se enfurnar no seu cubículo de auto-suficiência à espera do último e derradeiro suspiro, isso é uma imagem equivocada impressa num fundo preto e branco muito mais adequada aos eufóricos admiradores da normalidade da vida. Nada é normal para o artista. O artista é um ser admirado, que arregala o olhar ao mais frugal dos eventos humanos para qualificá-lo como maravilhoso – há toda uma poesia escondida por detrás do salto mortal de uma pulga que empreende fuga depois de sugar um pouco de sangue do Sr. Fulano de Tal! Que maravilha é olhar no espelho e notar como num passe de mágica o surgimento de um enorme pelo branco saído de dentro do nariz do sujeito que ontem acreditava estar imune aos efeitos da caduquice! Ah que deslumbrante que é testemunhar a idiotice da funcionalidade de uma máquina erguida sobre rodas que ao invés de andar fica estacionada no meio do tráfego, mais lenta que o passo da mais preguiçosa tartaruga de Galápagos! O artista é esse homem que acha a vida deslumbrante e dentro do deslumbre descobre tudo o que há de podre e maravilhoso, e é nesse trânsito entre os extremos de sensações que ele necessariamente se equilibra. Não... o artista não vive, o artista se sente privilegiado ao testemunhar a vida que lhe passa ao redor, dedicando tempo e atenção aos fatos inexplicáveis que fazem parte dessa nossa triste e engraçada aventura. A vida não é boa e muito menos normal para o artista... a vida é extremamente complexa e contraditória a ponto de ser indecifrável. Passa-se toda uma existência tentando compreendê-la e o saldo final é talvez uma interrogação ainda maior do que aquela motivadora dos primeiros passos em busca de alguma luz. Se o artista não é um ser especial, ao menos em uma coisa ele se destaca de todo o resto das pessoas: até o ar que entra em seus pulmões é motivo de dúvida, mistério e graça!

domingo, 25 de novembro de 2012

Sois um BANDO DE JANOTAS! JANOTAS é o que sois!



Senhoras e senhores, com todo respeito que essa minha alta patente de soldadinho de chumbo referenda, venho, por meio desta, dizer-vos o seguinte: SOIS UM BANDO DE JANOTAS-TRAMBIQUEIROS! Janotas, sim! E não só Janotas, mas também Trambiqueiros! Vós, habitantes desavergonhados de vitrines refrigeradas, vós manequins recauchutados na vaidade do espelho, vós que driblais o caminho árduo da formação para fazer pose e vender aquilo que com o vosso mérito e talento teríeis vergonha de oferecer, vós, senhoras e senhores, sois um bando de Janotas-Trambirqueiros! Senhoras e senhores, sejais francos! Sejais sinceros ao menos com esse que vos dirige a palavra em tão nobre tempo verbal e respondeis com o que resta de vossa anímica inteligência a minha simples pergunta: como podeis vestir vossos personagens de careta intelectual sem dar-vos conta da tonelada de camada de maquiagem que estampais em vossos hidratados focinhos? Ora, senhoras e senhores, sejais francos! Nessa vossa nação o samba no pé é a regra, vencendo aquele que melhor ajustar as suas bonanças glúteas ao ritmo do rebolado... Rebolai, senhoras e senhores, rebolai! Só rebolando atingireis as qualidades essenciais para erguer pomposamente o troféu do reconhecimento público – ou quereis ainda convencer-me de que o pensamento justo e preparado, a inteligência e a vocação, podem fazer frente aos vossos bailes regados à purpurina e paetês? Ah, senhoras e senhores, SOIS UM VERDADEIRO E RETUMBANTE BANDO DE JANOTAS-TRAMBIQUEIROS! Janotas, sim! E não só Janotas, mas igualmente Trambiqueiros! Vós, nação de marionetes articuladas pelos cordames do charme, vós bonequinhos mimados movidos pela lábia, vós que ocupais os lugares à mesa que deveriam pertencer à pequena minoria melancólica que prefere obras mais ambiciosas à vossa farsa, vós, senhoras e senhores, sois a perfeita plateia de um programa idiota de auditório que aplaude tudo o que é medíocre para mais tarde serdes vós próprios os aplaudidos pelo mesmo barulho acéfalo da maioria ao qual um dia fizerdes parte. Ah, senhoras e senhores, só uma coisa vos digo: sois patéticos! Mais bobocas que uma trupe de heróis fantasiados para entreter um buffet numa tarde de festa infantil! Janotas-Trambiqueiros, é o que sois! Se ainda tivésseis consciência do crachá de pateta que estampais em vosso estufado peito de pomba... se ao menos soubésseis que sois os verdadeiros fomentadores do atraso de vossa nação! Se soubésseis que tudo o que pregais é apenas VAPOR VAPOR VAPOR! Vapor aromatizado artificialmente com o corante da competência! Ah, senhoras e senhores – por que quereis convencer-me de que o protagonista desse triste teatrinho não é outro senão aquele que passa gel no topete piscando romanticamente para uma plateia carente de hormônios afrodisíacos, engrossando a voz na tentativa de produzir alguma gravidade nessa sua figura tão idiota quanto falsa? Ah, senhoras e senhores! Vós sois a geração mais Janota e Trambiqueira que já pisou nessas terras infrutíferas de todo-o-sempre! Turminha de péssimos hipócritas-fingidores, atores-canastrões que chegam até o centro do palco através da habilidade exalatória dos vossos odores feronômicos... é o que sois! Ah! Quanto sex appeal! O que é bom dá lugar ao que é bonito e o talento possível agoniza atrás dos grilhões da tramóia sensual. Sois Janotas! Já-no-tas! JANOTAS E TRAMBIQUEIROS! E só agora reparo que não faço a menor ideia do significado dessa palavra esquisita: ‘Janota’... mas não importa, afinal, é uma palavra bonita que combina visualmente com o fervor desse meu discurso acalorado... apesar desse fato, senhoras e senhores, não vos dou o direito de apagar vossa identidade Trambiqueira e... JANOTA! Bando de JANOTAS!     

domingo, 18 de novembro de 2012

O Sr Tuba e a sua Tuba...


Senhoras e senhores, uma comunicação das mais importantes, do tipo capaz de fazer parar a rotação da terra e sarar o soluço de quem está de ponta-cabeça tomando água ao contrário... lá vai: senhoras e senhores, o destino é inexorável! Não, não, senhoras e senhores, deixem de entortar esse biquinho zombeteiro num claro sinal de ‘ah vá? Conta outra’... quando falo que o destino é inexorável não estou me referindo ao nosso resort post-mortem cuja mesa de jantar já está sendo preparada pelos amigos invertebrados do Brás Cubas, estou falando da comédia de costumes da vida mesmo, coisa mais próxima da farsa bufonesca do que das bandas refinadas do Moliére, é verdade, mas enfim... ah senhoras e senhores, o que eu quero dizer é que não há o que temer ou lutar contra uma vez que a cegonha que nos carrega desnudos e com o loló imantado pelo mais celestial hipoglós já sabe perfeitamente o que viremos a ser quando aportarmos nesse planeta de chineses, japoneses, brasileres, alemeses, libaneses e etc(terezes). Explico. Senhoras e senhores, fui assistir ao concerto da OSESP na Sala São Paulo e me sentei bem atrás da orquestra, de frente para o maestro. Estava logo atrás do naipe dos metais – de forma que me deu uma vontade louca de sacar a minha gaita de alumínio laminado e sair caprichando nas fusas e semifusas, mas não, não, não, senhoras e senhores, nada de me interromper com pitadas de humor non-sense nessa minha suntuosa reflexão metafísica a qual generosamente ofereço-vos sem cobrar nadica de nada a não ser respeito eterno e posição vitalícia no pódium dos filósofos contemporâneos. Senhoras e senhores, voltemos à questão! Sentado atrás dos metais, lancei um olhar para o homem que carregava a Tuba e... pasmem: o cidadão era a própria Tuba em pessoa, ou melhor, em tubo metálico! Pois é isso mesmo: o tal do músico tinha a cara e o focinho do próprio instrumento que tocava! Aquilo era por demais incrível para ser verdade, mas era sim! Posso apostar que aquele gordão em forma de Tuba, com gogó de Tuba, papo de Tuba, espírito de Tuba, já nasceu predestinado a ser uma Tuba em vida, e tudo isso para além das suas vontades e desejos no meio dessa sinfonia da vida. Ou seja, resumindo porque sempre é bom resumir, e já evocando o Zeca Pagodinho: ‘Deixa vida me levar, vida leva eu’! Ah, meu Deus! Que vontade maluca que eu tive de alcançar o sujeito da Tuba no intervalo do concerto e trocar alguma conversa fiada com ele só para me certificar de que ao invés de palavras o moço gordo emitiria uns FOM FOM FOM FOM diretamente da sua traquéia tubular!!! Senhoras e senhores, não tenho dúvida alguma de que o Sr Tuba chama-se exatamente Sr Tuba e para comprovar isso bastaria lhe roubar a identidade, documento que tentei a todo custo surrupiar do seu bolso durante o adágio de Mahler, mas que acabei desistindo em razão da forte emoção que as cordas me causaram, levando-me a embarcar no triste sentimento do compositor alemão. Mas isso não foi de todo o mal, porque ao lançar meu olhar para os violinos qual foi a minha surpresa ao constatar que todos os que tocavam violinos não só tocavam violinos como tinham a cara perfeita de um violino! Santa Mãe de Deus! Aquela orquestra era a prova cabal de que nós, seres humanos, não temos escolha nenhuma nessa orquestra terrena! Somos o que nos cabe ser e ponto final! Um cidadão-violino só pode tocar violino, não há Cristo, Maomé ou Buda na Terra que o faça aprender assoprar um fagote.... e por falar no fagote, o músico que empunhava o instrumento pescoçudo de voz anasalada parecia uma girafa com resfriado, fazendo um perfeito par com o seu companheiro inanimado. Ah, senhoras e senhores! Que descoberta a minha! Pra onde eu olhava via a correspondência imediata do músico com o seu instrumento, sem tirar nem por. Voltei pra cara com cara de apito, porque até hoje não aprendi a tocar outra coisa senão apito... e foi aí que eu tive uma iluminação: sou um apito! Desses apitos que apitam mas ao mesmo tempo não apitam nada... vivendo para escrever coisas inapitáveis na barulhenta sinfonia utilitária do mundo! Ah, meu pai amado... sou um apito. E agora encerro com um apito final: PIIIIIIIIIIIIIIII. (Palmas). Eu: Obrigado, obrigado, mas hoje não darei Bis algum!

Subir ao palco é tropeçar...


Eis que um dia levanto da cama e já na mesa do café da manhã resolvo abrir o jornal... o que vejo? Uma foto minha todo sorridente, como se eu tivesse acabado de ser coroado o mais novo príncipe de Mônaco... se é que esse cargo ainda existe. Não é curioso isso? Eu que na noite anterior havia errado tudo quanto podia errar em cima do palco – e isso não é mentira, não! Entrei tremendo em cena sabe-se lá por qual razão e foi só pisar no palco pra eu levar um tombo desses de deixar qualquer tragédia grega parecendo uma comédia de costumes. E assim foi até o final: uma sucessão de solavancos e tropeços, brancos e gaguejadas, tempos atravessados e pausas longas demais... tudo isso até a cortina descer... ah e quando a cortina finalmente desceu, que alívio eu senti... eu que durante toda aquela noite desejei fervorosamente que um buraco se abrisse no meio do palco para que eu sumisse como num passe de mágica, agora estava protegido dos olhares ferozes do público... ufa! Sabe que existe uma teoria que diz que uma boa parte dos espectadores só vai ao teatro pra ver se o ator escorrega em cena? É verdade... uma coisa pra lá de sádica... quando tudo vai bem eles nem se importam tanto e voltam pra casa como se nada de importante tivesse acontecido. Algo semelhante acontece com o equilibrista do circo... tem bastante gente que só compra o ingresso esperando o momento do pobre diabo se distrair lá em cima pra assistir comendo pipoca a cena dele mergulhando de barriga na rede de segurança... aí é aplauso pra dar com o pau! Mas a graça para nós atores é exatamente essa: o risco. E no teatro não tem nenhuma rede de segurança não: caiu, esborrachou o nariz no chão. Aquela foto no jornal dizia que eu era um sucesso, mesmo tendo fracassado. Aliás, deixa eu ser mais claro: teatro não tem nada a ver com sucesso, purpurinas ou fotos no jornal. O teatro é o evento monumental do fracasso, a prova irrefutável de que nada dura, o laboratório construído artificialmente pelo desejo de, ao menos dentro de suas fronteiras, sentirmo-nos criadores de algo. Mas até mesmo essa justa pretensão vai por água abaixo, porque a fábula é e sempre será mais poderosa do que a matéria orgânica da qual nós, atores, fazemos parte. Subir ao palco é compreender que todo personagem é infinitamente superior ao nosso desejo de possuí-lo, bastando emprestar algumas de suas palavras a nossa boca para ter a certeza de que essa é uma batalha já vencida, e o vencedor será sempre a ficção, nunca nós, pobres criaturas atadas ao real, pobres seres que tropeçam! Personagens nunca tropeçam, podem reparar, personagens são imunes ao tropeço... alguém já viu Hamlet tropeçar com a caveira na mão? Mas eu não reclamo disso não, essa é a nossa vida, uma vida bastante simples que carrega no seu ofício um teor considerável de perigo controlado. Não há glamour nenhum em subir ao palco, diria, aliás, que corre nas veias dos malucos que se permitem a tal empreitada uma quantidade considerável de fluído suicida. Subir para cair... a maravilha é que a queda não foge do virtual, o que nos vacina contra os desmoronamentos certeiros da vida. Subir ao palco e esborrachar o nariz na lona, está aí algo para qual vale a pena gastar tempo. Mas atenção: nunca deixem de desconfiar das fotos sorridentes nos jornais! Não passam de propaganda mentirosa do que acontece aqui em cima... ah se soubessem como nós tropeçamos...

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Confesso-vos [zapt!]: cortei o cabelo...


Senhoras e senhores, venho por meio desta – porque os meios obtusos aos quais costumava recorrer andam deveras estacionários tal qual a 25 de Março em véspera de assassinato do peru natalino – anunciar a mais evidente das querelas capilares: cortei o cabelo. Cortei-o porquê é meu, e uma vez meu dou-me o legítimo direito de ceifá-lo dos campos encefálicos cultivados desde tenra infância sem maiores autorizações de vossa parte, sendo assim, vá criticar o Zé da esquina, já que ele sim não soube sepultar suas madeixas propriamente, incorrendo em graves conseqüências jurídicas cabíveis a todo aquele que inadvertidamente despreza o significado deste ato tão glorioso que é vaporizar o teto do ser, assassinando-o de forma sádica sem ao menos oferecer-lhe uma singela homenagem póstuma ou mesmo mandar rezar um réquiem em latim. Senhoras e senhores, digo-vos: cortei o cabelo. Ao cortar o cabelo, senhoras e senhores, emancipei meu caráter, sim, porque é da natureza do cabeludo perder-se nas ondulações sinuosas da vida, gastando tempo precioso ao afastar a franja dos olhos – olhos cujo douto conhecido cujo nome me falha a memória [um filósofo não tão arguto quanto eu, provavelmente] já dizia ser as janelas da alma. Fora a questão do horizonte nublado pelo ricochetear cabelal, há que se levar em consideração o abafamento involuntário das orelhas, privadas – pobrezinhas – de uma perfeita ressonância acústica encéfalo-cranial pela concha cabeluda que se forma por toda a extensão fronteiriça dos seus domínios auditivos. Creio não ser necessário dispensar tempo analisando as graves conseqüências por parte do triste cidadão condenado a não escutar a labuta dos próprios neurônios trabalhando... Senhoras e senhores, é preciso ouvir bem e ter um alcance visual adequado para não se deixar desviar pelas serras auspiciosas dos vícios pecaminosos... Ah, senhoras e senhores, o barbeiro deveria ser mais respeitado nesse nosso mundo de misérias intelectuais, onde vaga por aí uma série de barafundas retóricas sem qualquer fundamento político! Não, caros leitores, o barbeiro afasta-se dos bancos das academias para se tornar o Buda do espírito vanguardístico, silencioso nas suas afiadas zapeadas tesourais, mas altamente fundamental no aprimoramento ético e moral de todo aquele que se dedicar a conhecer um pouquinho mais sobre a natureza da sua touca perucal. Ah, confesso: cortei o cabelo, e ao cortá-lo, eis-me aqui, um novo homem, agora ainda mais preparado para enfrentar as agruras dessa aventura terrena.

sábado, 3 de novembro de 2012

[scratch, scratch, scratch]



Senhoras e senhores, uma revelação importante: estou a me coçar. Nesse exato instante de profundo tédio metafísico, no auge desse nosso mormaço existencial a qual nos embarcaram sem qualquer autorização ou visto de entrada, justo agora, no aguardo iminente de uma luz celeste: coço-me. Mas antes de maldizer a providência divina por ter me escolhido como o portador terreno da micose epitelial, resolvo exercer a generosidade típica dos seres abençoados, mártires sofredores do calvário, e então raciocino comigo mesmo para enfim dobrar-me ao destino: vinde a mim, ó pequenas afetações cutâneas. Na verdade, penso eu, coçar-se é uma ação extremamente prazerosa, a recompensa dos justos, daqueles que cumpriram com o seu dever de ajudar ao próximo para receberem em troca o bálsamo do alívio físico, transferindo aos dedos, ou melhor, às unhas dos dedos, o ofício de libertar a carne do seu agouro momentâneo. Senhoras e senhores: coço-me, logo existo. Sim, porque aquele que coça, a despeito das maravilhas presentes no ato de coçar, significa, para além de tudo, que o alvo do agente coçador está vivo e, portanto, sujeito a todo tipo de coceira, das mais brandas até as mais poderosas, essas últimas capazes de derrubar o dito cujo numa experiência para lá de frenética quando o corpo inteiro pode tremelicar na urgência de dar conta de ser coçado. Ah, senhoras e senhores, estou vivo, e justamente por isso, me coço. Quantos não são aqueles que já estando mortos e, portanto, não-vivos, não podem estufar o peito e dizer: ‘oh [scratch, scratch, scratch] que delícia de coceirinha que hoje veio me visitar?’ Os prazeres frugais da vida são os ingredientes que nos dão suporte para filosofar, caros senhores de infortúnio... e, quando a situação lhe parecer insustentável, lembre-se sempre de que uma benfazeja coceira pode vir a resolver a mais cabeluda das crises. Ah... coço-me!