terça-feira, 26 de junho de 2007

CRÍTICA SOBRE A MINISSÉRIE A PEDRA DO REINO, por Antônio Brasil. VEJA A MINHA RESPOSTA NA SEQUÊNCIA!!!!

Pedrada no reino da Globo

Antonio Brasil (*)
Fonte: Comunique-se, 18/06/2007
Ainda bem que era uma microssérie. A tortura foi um pouco menor. Tentei assistir a todos os capítulos com a maior boa vontade. Mas confesso que não resisti a tanta bobagem. A adaptação para TV de A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, exibida na semana passada pela Globo, é muito, muito, ruim. Muito, muito, chata. De duas, uma. Ou o jovem diretor Luiz Fernando Carvalho não entende nada de linguagem televisiva ou o pior, ele odeia o público e meio televisivo. Para ele deve ser realmente muito difícil, quase impossível, contar uma história de forma simples e clara. Assim como o herói Quaderno, ele também pretende ser o gênio da raça ao produzir a maior obra da TV brasileira. Não faz por menos. E como dizia a minha velha mãe: filho, pretensão e água-benta nunca são demais!
Luiz Fernando de Carvalho conseguiu o impossível. Fazer de um épico de Ariano Suassuna, um antiprograma de TV. Um programa que não dá para assistir. Os labirintos de uma obra difícil se tornaram becos sem saída que se perdem na incompreensão. Não é hermético para TV. É ruim na telinha ou na telona. Da parte do diretor, faltou humildade para contar uma boa história numa linguagem pertinente ao meio. Contar uma história que quase todos entendessem. Adaptar literatura para TV é difícil. Exige humildade, competência e talento. Assim como Quaderno, o herói da microssérie, o gênio da Globo insiste na construção da uma obra televisiva que ignora o público.
Responsável pelos projetos “cabeça” na Globo, mais uma vez, Luiz Fernando Carvalho conseguiu a proeza de nos legar uma microssérie ainda mais incompreensível do que o Hoje é dia de Maria. No cinema, dirigiu Lavoura Arcaica, um dos piores filmes brasileiros que assisti nos últimos anos. Faz o mesmo gênero “é ótimo porque ninguém entende”.

Desastre anunciado
A crítica de TV que odeia TV adora tudo que o Luiz Fernando produz. Dizem que sua linguagem cinematográfica é boa demais para TV. Então a culpa é do meio. De qualquer maneira, apesar do fracasso de audiência ver A Pedra do Reino deixa Globo em terceiro lugar (aqui), não faltaram elogios e explicações para as metáforas utilizadas pelo diretor. O problema é que metáfora que precisa de explicação na TV ou em qualquer lugar é uma péssima metáfora.
A baixa audiência também é justificada pelo mau gosto do público telespectador. Gentinha que não entende a ousadia de uma verdadeira “obra de arte” para TV. A culpa é daquele mesmo telespectador que vive há muitos anos entorpecido e “emburrecido” pelas mesmas novelas de sempre.
Dizem que é para ganhar prêmio e prestígio. Mas colocar no ar essas microcrises talvez tenha outra explicação. Agora podem alegar que o grande público é muito conservador, careta e que não gosta de boa literatura na TV. Gostam e querem novelas em todos os horários. Ninguém jamais culparia a incompetência do diretor na escolha de obras e na adaptação para TV.

Próxima vítima
Essa tal “estética hermética” ou “narrativa não-linear” tanto para a TV quanto para o cinema, não tem pé nem cabeça. Incompreensível é elogio. No reino de Luiz Fernando Carvalho nada faz o menor sentido. E o povo que não é bobo, mesmo o telespectador viciado em novelas da Globo, mudou de canal ou desligou a TV. Menos mal.
Não dava mesmo para assistir. Eu bem que tentei. Qualquer coisa, até mesmo filme non sense americano com uma tal Lara Croft no SBT ou novela ruim com muita violência na Record é melhor do que essa verdadeira pedrada no reino da Globo e do pobre do Ariano Suassuna. Ele não merecia.
Tenho certeza de que até mesmo o grande autor do Auto da Compadecia, o ilustre professor das maravilhosas aulas-espetáculo que lotam teatros por todo o Brasil, não conseguiu assistir ou entender essa proposta de TV para quem não gosta de TV.
Agora só nos resta aguardar a próxima “pedrada” do genial diretor global contra a literatura brasileira na TV. Segundo o Projeto Quadrante da Rede Globo (ver aqui) uma das próximas vítimas será Capitu, de Machado de Assis. Ele também não merecia.

(*) É jornalista, professor de jornalismo da Uerj e professor visitante da Rutgers, The State University of New Jersey. Fez mestrado em Antropologia pela London School of Economics, doutorado em Ciência da Informação pela UFRJ e pós-doutorado em Novas Tecnologias na Rutgers University. Trabalhou no escritório da TV Globo em Londres e foi correspondente na América Latina para as agências internacionais de notícias para TV, UPITN e WTN. Autor de diversos livros, a destacar "Telejornalismo, Internet e Guerrilha Tecnológica" e "O Poder das Imagens". É torcedor do Flamengo e não tem vergonha de dizer que adora televisão .

DIREITO DE RESPOSTA

A minha resposta ao Sr Dr Antônio Brasil e a todos os que insistem em manter a dramaturgia como um produto pasteurizado, veículo das vaidades estéticas dos atores-modelo, das "pseudo" mensagens de utilidade pública dos "pseudo" autores de folhetins e das mentes obsoletas dos ditos diretores que agem em função da burocracia comercial das emissoras de Tv:
Assisti a minissérie a "Pedra do Reino" e, confesso, nunca fiquei tão feliz por poder ver na Tv algo que fugisse da mesmice dos produtos enlatados com o rótulo "dramaturgia". Nunca fiquei tão feliz por me incomodar, por ter dificuldade de acompanhar a fala dos atores, o movimento das câmeras, as intervenções sonoras, enfim, nunca fiquei tão feliz por saber que é possível produzir algo que ignore o senso comum e que faça com que admitamos nossa ignorância. É bom, nem que seja de vez em quando, tomar consciência de que existem ainda, graças ao bom Deus, artistas que apostam em uma tradução autoral e que não medem esforços para construir um discurso poético destituído das planilhas do ibope e longe das passarelas da fama. Não se trata de apostar em uma obra hermética que isola-se na sua própria ousadia de ousar, ao contrário, a Pedra do Reino é um exemplo fiel de que as entrelinhas de uma obra literária podem ser traduzidas de forma a revelar o que é oculto, o que não é dito por frases, o que é apenas sugerido, palavras não pronunciadas. Nesse sentido, a minissérie de Luis Fernando Carvalho é generosa, tão generosa quanto a poesia: não impõe sentidos, não dita regras, não estimula consensos, apenas sugere e deixa para o telespectador a tarefa de preenchê-la com idéias, sonhos, fantasias. É tentar dar formas a uma poesia e não meter goela abaixo do público uma histórinha com começo - meio - fim, para no ato final mastigar uma mensagem de efeito ou arrematar com um desenlace harmonioso. Difícil de processar? Sem dúvida que é, mais difícil ainda quando percebemos que o que consumimos são bandejas de fast-food industrializadas pelos estúdios de Tv. Como é bom dar adeus ao sotaque carioquês que até os paulistas, gauchos, paranaenses, etc, tentam imitar para agradar a Tia Tereza que para em frente a novela e começa a tricotar e chorar. Como é bom dar um ponta-pé no traseiro dos Manoéis Carlos, das Glórias Perez e de tantos outros que não fazem nada mais do que repetir a mesma ladainha que sequer consegue se configurar como uma linguagem. Como é bom não ver Thiagos Lacerdas, Marianas Ximenes com seus rostos nutridos de maquiagem anti-espinha, para dar espaço a uma obra que tenta levar ao público um outro tempo, uma outra realidade de percepção, uma nova possibilidade de escuta. Luis Fernando Carvalho é egocêntrico? Produz obras que satisfazem o seu gênio criativo a despeito do público? Que assim seja! Que surjam mais e mais Luises Fernandos Carvalhos e que esses novos artistas - porque esses sim podem receber tal título - continuem a provocar a indigestão alheia!

terça-feira, 19 de junho de 2007

ARTE - ARTISTA

"Pois a beleza, Fedro, grava bem isso, apenas a beleza é simultaneamente divina e visível; ela é, portanto, o caminho do sensível, ela é, meu pequeno Fedro, o caminho pelo qual o artista alcança o espírito. Mas tu crês, meu querido, que aquele que se encaminha ao espiritual pela via dos sentidos pode algum dia alcançar a sabedoria e uma verdadeira dignidade viril? Ou antes acreditas (tu és livre para decidir) que este é um caminho atraente, conquanto perigoso, na verdade um caminho equívoco e pecaminoso que necessariamente conduz ao erro? Pois é preciso que saibas que nós, poetas, não podemos percorrer o caminho da beleza sem que Eros se interponha, arvorando-se em nosso guia; sim, ainda que sejamos, a nosso modo, heróis e guerreiros disciplinados, somos como mulheres, pois a paixão é nossa sublimação, e nosso anseio não pode deixar de ser amor - para nossa satisfação e para nossa vergonha. Vês agora que nós, poetas, não podemos ser nem sábios nem dignos? Que fatalmente incorremos em erro, que fatalmente permanecemos devassos e aventureiros do sentimento? A maestria de nosso estilo é mentira e estupidez; nossa fama e respeitabilidade, uma farsa; a confiança depositada em nós pela multidão, altamente ridícula; a educação do povo e da juventude pela arte, um empreendimento temerário que devia ser proibido. Pois, como pode servir de educador quem traz em si um pendor inato e incorrigível para o abismo? Bem que gostaríamos de renegá-lo e adquirir dignidade, mas para onde quer que nos voltemos, lá está ele a nos atrair. É assim que renunciamos, por exemplo, ao conhecimento analítico, pois o conhecimento, Fedro, não tem dignidade nem rigor; ele é sábio, compreensivo e indulgente, não tem firmeza nem forma; simpatiza com o abismo, ele É o abismo. A este rejeitamos, pois, decididamente, e nossa única aspiração passa a ser então a beleza, o que quer dizer simplicidade, grandeza, um novo vigor, a espontaneidade reconquistada e a forma. Mas forma e espontaneidade, Fedro, levam à embriaguez e à cobiça, arriscam levar um coração nobre a cometer um atentado atroz contra o sentimento, atentado que sua própria exigência de austera beleza repudia como infame - também elas conduzem ao abismo. Digo que elas nos conduzem, a nós poetas, para o abismo, pois não conseguimos elevar-nos, mas apenas exceder-nos. E agora eu me vou, Fedro. Quero que fiques aqui e só quando já não me avistares mais, só então, parte também."*

*Thoman Mann - Morte em Veneza

sexta-feira, 8 de junho de 2007

A coragem de se admitir "só".

Lindo texto escrito por Rubem Alves

Ganhei coragem
RUBEM ALVES

"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece", observou Nietzsche. É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo. Albert Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora em que a coragem chega: "Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos". Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem. Vou dizer aquilo sobre o que me calei: "O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo. Em tempos passados invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo... Não sei se foi bom negócio; o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com
os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras idéias. Amava a prostituição. Pulava de amante a amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou... Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos... E o que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: "Agora você será minha para sempre...". Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável. O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhe contavam mentiras. As mentiras são doces; a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em
praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos. Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro "O Homem Moral e a Sociedade Imoral" observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem. Mas, quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.

Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia.
Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens, e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo.
Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O povo, unido, jamais será vencido! Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos... Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio; não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol. Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno", à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça, é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: "Caminhando e cantando e seguindo a canção...". Isso é tarefa para os artistas e educadores. O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Música!

às 3 da manhã do dia 31 de Janeiro

Escrevo e ao mesmo tempo ouço uma melodia maravilhosa de um quinteto de sopros. Por que gosto tanto da música? Por que a música dos instrumentos é tão cativante? Como pode algo chamar a atenção sem querer, ou ter como pretensão, comunicar qualquer coisa, querer dizer alguma mensagem específica? A música não comunica porque comunicar seria simplório demais, ela orgulha-se por conseguir - por breves momentos, é claro, organizar o tempo, retê-lo na sua pressa, transformá-lo em formas impalpáveis aos olhos mas perfeitamente sensíveis ao espírito. Diagramas dos mais variados tipos, das mais variadas cores e intensidades são desenhados no espaço e no correr do tempo sem deixar vestígios definitivos porque o que fica não é o que passou ou o que "é" mas o que está por vir. O meu coração prepara, antecipa, investiga, sugere o próximo acorde e quando acerta na aposta inunda-se de satisfação e mesmo quando é surpreendido com um som inesperado não se decepciona, mas diverte-se com seu próprio equívoco que rapidamente é registrado como uma possível alternativa futura. O som chega mas não fica e por não ficar deixa que nós o transformemos em expectativa - graças a Deus não posso pegá-lo entre as mãos, dominá-lo, apropriá-lo, afinal, se tivesse tal poder deixaria escapar a sua mais nobre qualidade: a sua finitude. Nesse sentido ele se aproxima do próprio tempo que não cessa de fluir, não cessa de começar para logo em seguida terminar: manhã-noite, vida-morte. É na vida e na morte que o som se faz presente: na sua imponente melodia que não seria melodia e muito menos imponente se a sua recusa: o silêncio não a sucedesse ou a precedesse. Silêncio que, por sua vez, não carregaria sentido algum caso não fosse contrariado pelas intromissões sonoras.


É por isso: gosto da música porque ela escorre entre as minhas pretensões de querer retê-la para mim. Assim como não tenho o domínio sobre o tempo, sequer o tenho pela minha própria vida, o som ensina-me a deixar a razão aceitar algo que é infinitamente mais poderoso do que seu ansioso desejo por esclarecimento: o imponderável, aquilo que se faz presente fora dos domínios racionais. Aprendo a ser humilde, observo os movimentos que me envolvem independente do meu impulso de querer compreendê-los. Não é preciso tocar em nada, basta deixar-se levar pelas incertezas das melodias. Quando chega o silêncio, sem qualquer vergonha, admito-me ignorante, vazio, e pacientemente coloco-me a espera de novos acordes.



Escrito por Francisco na madrugada do dia 31.01.07

TEXTO MARAVILHOSO! ARTE - FÉ - CRENÇA - ESPIRITUALIDADE!

Texto publicado por Bernardo Carvalho no caderno "Ilustrada" do jornal "A Folha de SP" na terça feira, dia 10 de junho do ano de 2003.

“Noli me tangere” (“Não me toques” ou “Não me retenhas”, dependendo da tradução da Bíblia que você tiver em mãos) é o título de um pequeno livro que o filósofo Jean-Luc Nancy acaba de lançar na França (ed. Bayard). Nancy se detém sobre uma célebre cena do Novo Testamento descrita no Evangelho segundo São João: o instante em que, diante do sepulcro vazio, Maria Madalena reconhece Jesus na figura de um jardineiro e, ao estender a mão na direção dele, é logo alertada: “Não me toques”. A cena foi motivo para inúmeros pintores, de Giotto a Rembrandt. E são essas várias representações que servem de base para as elocubrações do filósofo.

Maria Madalena chora diante do túmulo aberto e vazio. Um jardineiro aparece e pergunta porque ela está chorando. Ela diz que levaram o corpo de Jesus; pergunta ao jardineiro se foi ele. E é só quando o jardineiro diz: “Maria!” que ela por fim o reconhece. Estendo o braço para tocá-lo, mas é impedida: “Não me toques porque ainda não subi ao Pai”. E em seguida é enviada aos discípulos para lhes anunciar a novidade.

Na tarde do mesmo dia, Jesus aparece aos discípulos. Tomé, que não está entre eles, não acredita quando lhe contam. Diz que só acredita vendo (o corpo ferido pelos cravos na cruz). Oito dias depois, Jesus volta e manda Tomé pôr o dedo nas feridas. Tomé enfim acredita. Então, Jesus lhe diz: “Porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram”.

Jean-Luc Nancy usa a parábola para fazer uma distinção entre crença e fé e aproveita para insinuar uma ligação essencial entre a cena do sepulcro e a arte e a literatura modernas. É a especulação mais surpreendente e provocativa do livro.

A crença é uma busca de segurança. O crente precisa de segurança para acreditar e acredita para ter segurança, como no caso de São Tomé. É ver (e tocar) para crer. Na fé não. Não há nenhuma segurança. É uma aposta no vazio. A fé faz ver no banal o que os olhos banais não podem ver. Maria Madalena reconhecendo o Cristo num jardineiro, por exemplo. Não tocar, nesse caso, é condição para atingir o intocável e ver o invisível. Tocar seria permanecer na ilusão do presente e das aparências. “A crença espera o espetacular e o inventa conforme a necessidade. A fé consiste em ver e em ouvir onde nada é excepcional aos olhos e aos ouvidos comuns”, escreve Nancy.

A fé de Maria Madalena é fidelidade ao vazio, à ausência (como no amor). Quanto mais as pessoas tentam possuir o que amam, mais o amor lhes escapa. O amor é inatingível. É o que se faz sentir pela distância e pela indisponibilidade. O que aparece para Maria Madalena e que ela não pode tocar é a presença da ausência. O ressuscitado só existe pelo desaparecimento. Ao desaparecer, o morto passa a existir para sempre, e é isso o que ela vê diante do sepulcro. A aparição do ressuscitado é, na verdade, a aparição da sua ausência. A arte moderna também é isso. O principal não está lá. Tudo depende do espectador. Tudo está no seu olhar.

Para Nancy, arte e religião são coisas distintas. Na arte não pode haver crença. Há fé, no mesmo sentido exposto pela parábola do sepulcro: ver a ausência. Não há mensagem, mas um eco que nos faz “ouvir nosso próprio ouvido ouvindo e ver nossos próprio olhos olhando aquilo que os abre e que se oculta nessa mesma abertura”. Para Nancy, representar na arte é “tornar intensa a presença de uma ausência, enquanto ausência”.

Daí a desconfiança e a reação que a arte e a literatura modernas provocam nos que pretendem enterrá-las sob o pretexto de que são arbitrárias. Se por um lado a fé necessária à compreensão da representação da ausência permitiu um monte de imposturas e cabotinismos, por outro levou até as últimas conseqüências a idéia de uma verdade da arte. Os que se incomodam com a ausência na arte moderna agem como crentes, precisam ver para crer, precisam do espetáculo, o que explica em parte o advento nas últimas décadas de mensagens e sentidos exteriores à obra, mas que lhe deram uma presença tangível, reassegurando ao espectador um tipo fácil de reconhecimento e assombro.

É em grande parte uma arte alegórica, que tenta forjar o seu significado à força como forma de evitar encarar a ausência. É uma arte que tem horror do vazio e que tenta criar uma presença seja como espetáculo sensacionalista, seja por expressões narcisistas ligadas à biografia ou à sexualidade do artista, seja por remeter a um engajamento qualquer que dê ao espectador a ilusão de uma utilidade quase jornalística do trabalho. É uma arte de certa maneira infantil, que se recusa a encarar a morte, mesmo quando pretende estar falando dela.

Na literatura é a mesma coisa. A ausência alusiva tão marcante nos textos de Beckett, para citar o exemplo mais evidente, deu lugar a um novo naturalismo, em que o principal volta a ser a idéia de representação da realidade, seja no retrato da sociedade, seja na construção psicológica dos personagens. Entre outras conseqüências, essa tendência faz o leitor esquecer que a arte é o que não está lá. E se perder na busca de alguma segurança superficial, na ilusão do reconhecimento de alguma realidade, como um crente”.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Pequena consideração sobre o Teatro

O teatro, assim como todas as manifestações artísticas, tem como matéria prima o próprio homem. Porém, a arte dramática destaca-se das demais ao encarregar o artista de ser o veículo de sua própria criação, dentro de uma esfera físico-temporal. Portanto, o ator, através da sua personagem, nada mais é do que a criação viva aos olhos do espectador, sem a necessidade de qualquer intermediação. Enquanto o músico precisa de seu instrumento, o pintor de sua tela, o escultor de suas espátulas, o ator reúne em si mesmo todos os elementos que, ao serem trabalhados, transformam-se em arte. Tudo o que circunda o ator, tal como: o texto dramático, o cenário, a música, e todo o restante de recursos, são apenas artifícios a serviço do intérprete. O ator, assim, é ao mesmo tempo o executante e o resultado de sua própria criação - resultado esse, vale lembrar, que nunca chega a constituir-se como definitivo já que o momento da criação é exatamente o momento do presente, momento que não pode ser registrado senão pela sua re-corrência no espaço-tempo do "agora". O ator, dessa forma, passa a trabalhar sempre com a expectativa de "tornar a ser" alguém que, rapidamente, é desmanchada em função da passagem do tempo que apenas registra em sua memória (e na do espectador) uma vaga lembrança dessa tentativa. Um eterno exercício de re-invenção e re-construção de personagens que nunca se estabelece e, por conseguinte, nunca termina. O homem (artista e humano), portanto, é explorado em todas as suas potencialidades, evidenciando a sua natureza arbitrária e contraditória. A riqueza da arte do ator está, justamente, na constante tarefa de reconhecer o ser humano como elemento instável. A máscara da tragédia e da comédia, ora exaltando as virtudes de uma alma nobre, ora julgando as falhas de caráter de um cidadão comum, escancaram, de forma simbólica, que todos nós, seres humanos e espectadores, vivemos a partir de um permanente vestir e desvestir de máscaras. O teatro, longe de ser um mero entretenimento, tem muito a ensinar sobre nós mesmos, afinal, como dizia Shakespeare, todos somos personagens em cima de um grande palco: a vida.



Escrito por Francisco Carvalho - 29.01.07

domingo, 3 de junho de 2007

GOD BLESS AMERICA

Hoje assisti a um programa em que uma americana (o fato poderia se repetir com qualquer outra pessoa de qualquer outra nacionalidade) rogava respeito a bandeira dos Estados Unidos, ao símbolo que representava toda uma nação. Essa mesma mulher tecia calorosos elogios aos bravos soldados americanos que lutavam com suas vidas no Iraque para defender os ideais de seu país, um país justo e abençoado por Deus.

Fiquei assustado mas, ao mesmo tempo, nada surpreso. Uma mulher, aparentemente instruída e bem nutrida, argumentava, sem ter consciência, o que é pior, que uma "idéia" é o que rege a forma com que as pessoas devem pensar e se relacionar. "Idéia" que essa mesma mulher não sabia de onde vinha, mas respeitava cegamente seus preceitos. "Idéia" que não havia sido construída por ela mas por outros que souberam muito bem utilizá-la como mecanismo de propaganda.

O resultado é muito claro. A "idéia", seja ela qual for: uma crença em um Deus libertador, a soberania de um lugar incomparável...etc, impede que as pessoas consigam enxergar além de suas próprias barreiras morais e éticas, valores esses também cuidadosamente lapidados pela grande e imbatível "idéia". Isso explica a soberba de muitos que se consideram os salvadores do planeta, ou, ainda, os promovedores da paz mundial (paz? que paz? veio trazer a sua "idéia" de paz? E se essa "idéia" de paz for contra aquilo que eu chamo de paz? Será que a "idéia" corresponde ao discurso por ela encampado? Ou, será que existe algo além dessa "idéia" que é encoberto justamente por ela?).

É preciso dizer que "idéia" alguma substitui o exercício da consciência individual. É exatamente essa consciência que desenvolve a capacidade de observar (e se observar) através do outro e, com isso, reconhecer-se na diferença do outro.

A americana agia como um soldado do Iraque, à serviço de uma idéia de um país. "Idéia" que sempre é forjada por outros porque nada é mais poderoso do que trabalhar na contra mão da consciência individual das pessoas. Indivíduos que pensam por si próprios são mais perigosos que trocentas bombas atômicas... como gerar consensos (e é preciso construir uma força das massas!) em pessoas que pensam de forma diferente? Afinal, pensar de forma diferente é inevitável em pessoas que desenvolvem suas próprias consciências... assim como não existe um só rosto idêntico, por que haveria de existir impressões intelectuais gêmeas? A saída encontrada pelos "inteligentes" é "fazer plástica" nas consciências, nivelá-las, torná-las únicas, substituí-las por códigos, ideais, emblemas, símbolos: "Sangue de Jesus tem poder!", "Deus abençoe a América". Rostos idênticos e sem consciência, sem marcas pessoais, sem personalidade, sem alma própria.

A formação de um coletivo através de um ideal já foi desastroso no passado: "Heil Hitler" e a nossa americana segue exatamente o mesmo script. O discurso é correto: é preciso implantar uma democracia, mas não essa democracia fajuta camuflada por interesses em forma de "idéias".`É preciso desenvolver uma democracia das consciências: espaço para poder pensar, para poder falar e, sobretudo, para poder ouvir. Esse é o caminho para uma paz verdadeira.