terça-feira, 9 de outubro de 2012

Adamastor, o Acumulador...



Acumulava tudo. Desde cedo aprendera que um sujeito honesto, para se dar bem na vida, deveria saber acumular. E assim foi. Em criança soube desenvolver sua personalidade no caminho correto e acumulou o maior número de amigos possíveis, tornando-se o garoto mais popular da rua, logo do bairro e, mais tarde, de toda a escola que frequentava. Lá mesmo no colégio, não media esforços para acumular as melhores notas da sua sala, fruto de horas acumuladas de estudo e dedicação ao raciocínio lógico. Já na adolescência, seu espírito acumulador ganhou novos terrenos: acumulava desejos pelas garotas e era por elas desejado por uns cem números de qualidades acumuladas que palma nenhuma da mão daria conta de enumerar. Seu caminhãozinho basculante de atributos invejáveis nunca o deixava na mão, distribuindo a quem estivesse à disposição um pequeno pacotinho contendo uma amostra grátis da sua sempre exuberante alma generosa, mas cuidado! Não vá exagerar na medida, uma vez que a prática aqui empregada não permite a bonança irresponsável dos perdulários! Ao contrário, a regra é acumular, sempre acumular! A juventude de soma e multiplicação lhe trouxe uma vida adulta calcada no acúmulo de sucessos na área profissional. Acumulava elogios graciosos e os devolvia em dose dupla aos seus superiores, fórmula sagrada para prosperar numa vida cuja tabela de pontuação é sempre medida pela quantidade de firulas retóricas acumuladas por cada jogador ao longo de uma vida: quanto mais enfeites acumulados, mais próximo do Olimpo, sendo o inverso da equação a garantia ao passaporte de fracassado para uma excursão solitária as terras abandonadas do anonimato. O primeiro lugar no vestibular foi só o começo de uma longa trajetória de excessos. Transbordava de qualidades executivas e era por todos apontado como o iminente chefe das empresas XYZ, multinacional ultra respeitável em que começou a bater ponto ainda como estagiário já no primeiro ano de faculdade. Por onde passava deixava um rastro de admiração no ar tal qual a fragrância de um perfume chique, somente reservado aos justos, afinal, não cansava nunca de aprimorar o odor refinado de seu caráter agregador, típico dos líderes cheirosos. Era tanto investimento na soma de habilidades que o seu intelecto não demorou a virar um oráculo, consultado sempre que possível por uma legião de aprendizes ávidos por resvalar suas consciências maltrapilhas naquela tão respeitável pedra filosofal. A premonição se fez verdadeira e ainda bem antes de chegar aos 30 anos já era um homem com os bolsos transbordantes, acumulando uma quantia considerável de rendimentos. Casou e acumulou tudo o que uma família de bem desejaria acumular: filhos. Com os filhos vieram os netos e a aposentadoria por serviços acumulados trouxe a paz que toda cabeça de fios brancos acumulados tem o direito de reivindicar. Tanto acumulou que engordou, sua pança traduzia o que até então havia sido uma vida sempre farta, recheada de sorrisos acumulados ao longo de não sei quantos anos. Como tudo o que acumula não pode fugir do fatídico momento do transbordamento, houve um dia em que o cálice entornou, causando, enfim, um infarto fulminante. Morreu. Mas se engana quem pensa que o nosso herói se deixou abalar por essa mera intercorrência fatídica do destino! Não, não! Já presunto, tratou de manter sua valorosa reputação que a duras penas construiu em vida: não descansou enquanto não teve a certeza absoluta de que estava sepultado por uma quantidade bastante acumulada de terra. Depois de séculos de silêncio, sua cova foi limpa. Nada de acumulado existia mais, nem mesmo memórias do que um dia havia sido... somente um conjunto frágil de ossos disformes.

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