A poucos metros da casa onde eu nasci, bem no meio de um
espaço espremido pelas casas que não existiam na época em que eu próprio me dei
conta de que existia, resiste uma pequena alameda esquecida pelo tempo. Digo
errado, não é bem uma alameda, dessas abençoadas por árvores portentosas que se
vê em filmes ou em retratos de viagens, mas um simples caminhozinho ladeado por
um jardim também curto e interrompido no seu limite pelos muros das
propriedades fronteiriças. Quarenta, cinquenta metros no máximo, constituem a
espinha dorsal dessa faixa que numa das pontas encontra-se com a rua, e, na
outra, dá de cara com um portão de ferro enferrujado, lambido precariamente por
uma tinta que um dia já foi da cor verde, e hoje chora o descaso em forma de
lascas afiadas e escurecidas pela ação do sol e da chuva. Qualquer um poderia
inferir que o tal caminhozinho já não servia mais ao seu propósito original de
oferecer-se ao caminhar, batizando como maluco o sujeito que escolhesse se aventurar
por uma superfície coberta de musgos, raízes e toda sorte de matéria orgânica
feita especialmente para interromper o ritmo cadenciado das pegadas de alguém. Enfim,
não muito distante daqui de onde escrevo, jaz silencioso esse pedaço de terra
há muito tempo abandonado sabe-se lá por qual razão. E sobre isso não há o que
duvidar, uma vez que é o próprio transcorrer vagaroso do tempo que vemos
materializado em cada ramo contorcido de uma vegetação que só conseguiu chegar
até onde está graças à recusa das mãos humanas. Na bem da verdade, um
transeunte anônimo que por ventura estivesse caminhando pela rua, muito
provavelmente não renderia homenagens a esse nicho desorganizado e todo
emaranhado por um verde inimigo dos jardineiros e cuidadores de paisagens. Mas
outro transeunte, dessa vez um transeunte atento e curioso, poderia muito bem perceber
a beleza que brotou desse oásis estrangulado bem no meio da civilização. Foi o
que sucedeu a mim. Numa de minhas corridas matinais, antes de apertar o passo e
virar à esquerda em direção ao parque municipal cuja calçada serve de tapete
aos interessados em queimar calorias, decidi parar e adentrar aquele território
proibido. Sem o auxílio de qualquer trilha sonora diferente do arfar da minha
respiração, destituído de câmeras especiais que pudessem projetar meu olhar
fora do alcance que a natureza já lhe deu a cumprir, longe da magia fantasiosa dos
efeitos especiais, senti-me dentro de um filme. Ali, à distância de poucos
passos de onde eu acabara de estar, as fronteiras de um novo mundo se faziam
erguer – a densidade do ar que não respeitava à ânsia inalante dos nossos
vigorosos pulmões, a vibração de um diapasão enclausurado em um perímetro que
não conhecia a tagarelice de nossas gargantas, o cheiro virgem que rememorava
às eras primitivas que mal podiam prever a quantidade de aromas artificiais que
seriam povoados por nossas indústrias de sabores, a vagarosidade de uma
superfície não orientada pelo tic-tac alucinado das horas que caminham adiante
sem nunca estacionar ou voltar atrás... tudo isso virava um enredo deslumbrante
de sensações concretas, nada imaginárias, ao alcance de um sujeito que
resolvera por algum motivo abandonar a maquete urbana da qual era filho
legítimo. E foram somente alguns passos, poucos e decisivos passos para uma
mudança radical e brutal. Fui embora depois de breves segundos, trotando para
cumprir a meta saudável de colocar o corpo em movimento, mais uma das muitas
metas auto-impostas por uma consciência viciada nas demandas sociais. Mas,
conforme a experiência dos prazeres transformadores da vida, a brevidade do que
é efêmero é mais do que suficiente para deixar marcas indeléveis em qualquer
camada sensível da pele – e é justamente pela superfície da pele que é possível
resistir às paisagens organizadas para, vez ou outra, permitir-se pisar em solo
instável, todo ele virgem em mistérios...
Nenhum comentário:
Postar um comentário