quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

DEPOIS DO ‘AMOR’.... O FILME.



Incapaz de viver o fim, resolvi daqui mesmo de onde estou, bem no meio de algo que não me foi convidado a participar, acenar para o ponto em que tudo se encerra. Desejo ver e saber que espécie de epílogo é esse que me aguarda lá na frente. Que cor será que tem? Há algum cheiro no fim? Um cheiro de fim só meu, será que há?

Mas que empreitada difícil essa! Não poderia de forma alguma ser sincero na imagem daquilo que decreta a minha não mais existência. Imagem não se vê, menos ainda se consegue tocar, só se forma para depois sumir, deixando quem se imagina numa falsa sensação de imortalidade. E o corpo, por existir de fato, some sem voltar; já a matéria do que sabemos falso, nem matéria é, desaparece e volta quando bem quiser... 

Por não habitarem corpo algum, as poesias são eternas, não padecem como os poetas, esses sim, corporificados pela carne de seres semelhantes aos de todos os outros. Que diferença faz ser um pedreiro ou um poeta quando o porto de chegada desova os dois no mesmíssimo país dos derrotados? Talvez essa seja a maior angústia do poeta: trabalha com os vapores do eterno, para ele próprio sumir atrás do que deixou viver...

Foge-me à precisão acertar num alvo que mal reconheço os contornos, e a distância que nos separa só pode ser cumprida com flechas vaporosas de mentiras. O que é a poesia senão o esforço mentiroso por evitar o fim, esse sim real, cru, e, sobretudo, verdadeiro? 

Estou no meio. Que diabos de meio é esse, impossível de voltar atrás para o começo daquilo que começaram por mim, paralisado na terrível certeza de que avançar não é uma escolha, mas um fato trágico, infinitamente menos poético do que qualquer trajetória de herói grego?

‘O mundo é um palco’... nunca uma metáfora me pareceu tão áspera. Noutros tempos, encarava a mesma sequência de palavras como um belo convite à fruição passageira da vida, um pacote de férias que sabemos não durar para sempre, e que por isso mesmo nos enche de ânimo para sorver cada gota do conjunto de paisagens estrangeiras. Hoje, vejo essa mesma sentença como... ia dizer outra coisa, mas acabei por sorte dizendo tudo: uma sentença! Sentença não dessas sentenças literárias, mas sentença das de morte.

‘O mundo é um palco’ virou o tapete que conduz o condenado até o patíbulo da forca, cumprindo cada passo na certeza de que as pegadas impressas serão não por muito tempo a única marca que o seu autor pôde deixar para trás enquanto ainda sabia-se vivo.

Quando a matéria morre, todo o resto morre junto, e por mais que hajam poetas para trabalhar na dimensão do que não existe, basta deixar de existir para que o próprio poeta já não possa mais trabalhar. Quanta coisa delibera-se na abstração poética da vida, evitando o que ela é de fato: uma presença palpável que apodrece aos poucos, e sendo o seu fim o menos enfeitado dos instantes.  

De que forma experimentar o fim? Seria ele um estalo, um segundo e pronto... acabou? Ou uma interminável e sofrível viagem até o desligamento por completo das funções mentais e vitais? Talvez eu devesse falhar nas letras que se seguem nessa minha escrita, numa proposital interferência imaginativa da impossibilidade de se continuar a escrever... ao invés de dizer isso, dizer aquilo sem querer, e sofrer por não mais poder ser aquilo que gostaria de dizer.

Meu Deus! Quem inventou esse negócio chamado vida? Quem seria maluco de assinar o contrato dessa coisa toda caso suspeitasse minimamente das cláusulas funestas a que iria ter de sustentar? Eu não assinaria nada, nem aqui e nem na China! Preferiria não ter nascido...

(...) e aqui vivo no intervalo entre o começo e o fim, passando o tempo com os dedos atados a uma poesia que será esquecida, e para o bem de mim, que daqui a não sei quantas páginas já não mais estarei a serviço de rima nenhuma... simples assim. Ponto final. 

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