quinta-feira, 25 de abril de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES: #O fim da bibliotecária da Biblioteca-de-um-Livro-Só, Dona Olívia dos Tomos.




A dona Olívia dos Tomos era a bibliotecária da Biblioteca-de-um-Livro-Só, e, de fato, ela, a dona Olívia dos Tomos, tomava conta desse que era o único livro da Biblioteca-de-um-Livro-Só, coisa que lhe exigia muitíssimo esforço, não para realocar os livros nas estantes, haja vista que, como já dissemos, não havia livros, muito menos estantes para os livros, mas um só, e numa única e solitária estante, onde o único livro da Biblioteca-de-um-Livro-Só jazia, ele cujo cuidado estava a cargo dela, a dona Olívia dos Tomos. O cuidado a que ela tinha em se ater era justamente o de gerenciar a gigantesca fila de candidatos que se formava nos arredores da Biblioteca-de-um-Livro-Só, uma vez que a disputa por folhear o único livro da biblioteca exigia de dona Olívia dos Tomos um esforço hercúleo, e, não fosse pelo curioso desfecho dos que haviam por finalmente conseguir folhear o tal livro da tal Biblioteca-de-um-Livro-Só, o trabalho dela, da dona Olívia dos Tomos, seria, sem dúvida nenhuma potencializado, isso porque todos os que finalmente haviam por conseguir folhear o tal livro da tal Biblioteca-de-um-Livro-Só morriam, se não imediatamente, no instante seguinte em que arregalavam os olhos de paixão pelo que viam impresso no disputado livro, e, se uma coisa podemos dizer disso tudo, é que todos os que folheavam o tal livro da Biblioteca-de-um-Livro-Só invariavelmente arregalavam os olhos, e, portanto, morriam. Assim, a bibliotecária da Biblioteca-de-um-Livro-Só, a dona Olívia dos Tomos, preocupava-se somente com a entrada dos candidatos por folhear o único livro da biblioteca, uma vez que a sua saída era de responsabilidade da firma de necrotérios Fim-Sumário, empresa que há muito houvera feito parceria com a Biblioteca-de-um-Livro-Só, haja vista a enorme demanda de defuntos que recebia diariamente pelo telefonema atarantado da bibliotecária da Biblioteca-de-um-Livro-Só, a dona Olívia dos Tomos. O tempo foi passando e todos da cidade foram morrendo, haja vista que não havia um pobre diabo que não houvesse por objetivo de vida folhear o tal misterioso livro da Biblioteca-de-um-Livro-Só, livro esse que, como dissemos, provocava olhos arregalados aos que o folheavam, e, por conta disso, seguia-se uma morte fulminante, o que abria um mercado de trabalho de profícuos rendimentos à firma de necrotérios Fim-Sumário, empresa que há muito houvera feito parceria com a Biblioteca-de-um-Livro-Só. Tantos morreram nessa brincadeira, ou melhor, todos morreram, exceto ela, a bibliotecária da Biblioteca-de-um-Livro-Só, a dona Olívia dos Tomos, que, já velhinha e caquética de tudo, já não tinha mais com que se ocupar, haja vista que não havia mais um único candidato a folhear o tal misterioso livro da tal misteriosa Biblioteca-de-um-Livro-Só. Assim, embebida em curiosidade por saber o que havia impresso dentro daquelas misteriosas páginas há tanto frequentadas por defuntos já idos, e, portanto, mudos, ela, a dona Olívia dos Tomos, reuniu coragem e se arrastou, levando junto o peso da sua velhice, para perto do tal misterioso livro, mas, antes de abri-lo, teve um piripaque cardíaco - imaginando nós em razão da enorme emoção por finalmente saber o que durante tantos anos protegeu como segredo dos que haviam por curiosidade descobrir -, e morreu ali mesmo, na Biblioteca-de-um-Livro-Só, sem que houvesse coveiro que sepultasse o seu corpo, haja vista que não havia raça mais curiosa que a dos coveiros, e, portanto, todos os coveiros há muito já estavam habitando as moradas eternas que durante a vida construíam para os que morriam. Esse é o fim da dona Olívia dos Tomos, bem como o fim da misteriosa Biblioteca-de-um-Livro-Só. Esse é também o fim das esperanças por descobrir o que havia dentro daquelas páginas que matava quem as lia.

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