segunda-feira, 15 de abril de 2013

NÓS, OS ATORES, SOMOS PERIGOSOS...




Somos perigosos. Os atores, digo, são perigosos. Nós, atores, somos um dos mais perigosos tipos dessa atual sociedade. Sociedade que tudo falsifica, tudo floreia, e que sequer suspeita da patética e histriônica realidade a qual se sustém. E justamente porque o nosso ofício, o dos atores, é o de falsificar a vida, é que deveríamos dela tomar distância, dar um passo para trás e não nos misturar aos seus ingredientes fantasiadores, esse tipo de purpurina invisível que acaba por ditar uma verdade, um jeito de viver ao qual nos acostumamos e que pode ser tudo, menos verdadeiro. O que temos hoje como regra nas ruas é um espetáculo de tristes fantoches interpretando papéis vazios, perdidos numa trama sem sentido algum, ou preenchidos por uma razão medíocre que não se equipara nem de perto ao pior dos personagens dramáticos inscrito na história da dramaturgia. Nós, atores, temos como obrigação e dever falsificar as aparências, e delas extrair a essência das máscaras que encobrem o homem comum, coisa que ele mal desconfia; esse mesmo homem que se diz livre e dono do seu próprio nariz, e que, avaliando um pouco melhor, sobrevive apenas como marionete, preso a fios invisíveis que o puxam ora para um lado, ora para outro. Mas como a essa importante tarefa se prestar se nós, os atores, somos os que mais chafurdamos nessa lama de artifícios forjados, e fazemos a nós mesmos representantes idiotas da vida mentirosa a qual desejamos desnudar em cima do palco? Nós, atores, somos bastante perigosos hoje em dia. Exercemos um nefasto poder dinamitador das possibilidades de inteligência, uma vez que somos nós mesmos os maiores contaminados pelas falcatruas as quais desejamos desvelar. Já que temos por ofício a falsificação da vida, não deveríamos de forma alguma nos propor a uma falsificação do que somos dentro dela, agindo impunemente sobre essas ferramentas que encobrem mecanismos de amortização da nossa capacidade de escuta e de visão. Hoje, nós, os atores, subimos ao palco com quase nenhuma convicção de que somos seres perigosos, capazes de mudar consciências ou despertar horizontes, isso porque nós, os atores, enlameamo-nos numa falta absoluta de entendimento a respeito do nosso papel político. Todos, ou quase a totalidade de nós, sequer tem preparo para emprestar as fracas e impotentes vozes a um personagem dramático, ocupados que estamos em garantir um bom penteado em cena. Viramos emblemas do charme, da sexualidade, do erotismo vulgar, da vontade de aparecer custe o que custar. Vendemos nossas almas para as bobagens televisivas e esperamos em troca o momento glorioso de sermos reconhecidos no hall do teatro, quando tudo de realmente importante já acabou no instante em que o maquinista baixou a cortina. Mas o espetáculo agora é outro. O espetáculo está na propaganda, no lobby que fazemos das qualidades que há muito não temos para oferecer, o empresário virou peça chave, e junto com ele toda uma horda de abutres exploradores dessa idiota imagem que viramos - jornalistas, fotógrafos, fãs, etc. Nós, os atores, cuja responsabilidade de tornar claro os absurdos da vida, acabamos por virar reféns do nosso próprio tema, sendo nós próprios mais falsos que a vida falsa que corre em surdina pelas esquinas da vida. Que coisa patética é ver um ator discursando sobre seus direitos suprimidos sendo que ele próprio é um engodo, bradando aos quatro ventos as injustiças que a ele recaem sem que se dê conta do quão abobalhado é na sua atividade, todo inconsciente da sua falta de talento, de preparo, convencido por sei lá quem de que ele um dia foi um artista. Nós, os atores, somos extremamente perigosos. Perigosos e ridículos porque convidamos os outros a saírem de suas casas para reafirmar a inconsciência da mentira a qual pertencemos todos, cabendo a nós, os atores, o título de maiores picaretas, não porque somos eficientes na arte de picaretar, mas porque não desconfiamos do quão picaretas e despreparados estamos para exercer tal função. Deveríamos nós, os atores, desistir de viver a vida, deixa-la de lado, não nos misturar as suas mesquinhas demandas. A arte deveria voltar a ser marginal, e o ator um náufrago completo... os que sobrevivessem a tal aventura, esses sim, poderiam ser chamados de artistas. Enquanto isso, vivemos no mercado das vaidades, com toda espécie de justificativas para comprar a falta absoluta de talento e preparo para o ofício...  

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