terça-feira, 16 de abril de 2013

O CRUZEIRO DOS DEGENERADOS E O SEU CAPITÃO HONESTO, O HONESTÍSSIMO CAPITÃO SR. HONÓRIO DO LEME...




O comandante do Cruzeiro-dos-Degenerados, o Sr. Honório do Leme, era o mais honesto dos homens e o único com reputação reconhecidamente qualificada para exercer tão importante tarefa: conduzir a tripulação de crápulas, incluindo toda a espécie de assassinos, corruptores dos cofres públicos, pedófilos, difamadores, estupradores e etc, ao meio do oceano, para, então, despejá-los sem salva-vidas naquela que seria a sua sentença final – boiar até a morte numa idílica imensidão azul e molhada. O curioso método penal, que existia tão somente para uma correta manutenção da ordem e da disciplina do país, estava em pleno curso, com o honestíssimo capitão do Cruzeiro-dos-Degenerados, o puro e inviolável Sr. Honório do Leme, servindo de anfitrião em jantares dançantes nos quais os criminosos podiam se fartar do melhor cardápio existente, bailar as melhores músicas, e divertir-se com o sem número de atividades relaxantes que o Sr. Honório do Leme, o eticamente inquebrantável capitão do Cruzeiro-dos-Degenerados, o único qualificado ao cumprimento daquela que seria a sentença final de toda uma corja de criminosos, havia preparado com extremo cuidado e esmero. Mas quão curioso não foi sentir na própria pele que o Cruzeiro-dos-Degenerados, talvez por uma imperícia ainda não investigada, esbarrara em alguma coisa no fundo do mar, coisa suficiente para fazer os motores pararem e interromper a viagem exatamente no seu meio. No decorrer da avaliação dos estragos, e já ciente de que o navio em breve emborcaria, levando ao fundo todos os degenerados na noite anterior ao previsto, o capitão do Cruzeiro-dos-Degenerados, o límpido e transparente Sr. Honório do Leme, o único qualificado para o cumprimento de tão azáfama sentença que levaria uma corja inteira de corruptores a boiar até a morte, ocupou-se tranquilamente em preparar o seu bote de emergência para, assim que terminasse o seu cálice de vinho tinto da Borgonha, pudesse abandonar a embarcação e voltar em segurança para os braços do continente. E assim o fez, não sem antes travar diálogos interessantíssimos com um criminoso que, segundo as autoridades que interrogaram o capitão honesto após o ocorrido, embora o nome lhe tivesse fugido da memória, soube relatar, ainda segundo as laudas do interrogatório, depoimentos gravíssimos, e de uma frieza crepuscular, a respeito de como o sujeito havia estrangulado a própria irmã na banheira de casa, depois de tê-la flagrado em atos libidinosos com o melhor amigo, e tudo isso num diálogo alegre, sem qualquer remorso aparente do degenerado, ambos, o capitão do navio, o louvável capitão Sr. Honório do Leme, e ele, o degenerado, ambos a experimentar um delicioso vinho, tudo na iminência do naufrágio do navio, o famigerado Cruzeiro-dos-Degenerados. Não houve tempo para outros esclarecimentos. Uma junta de juízes experientes mandou enforcar prontamente o capitão Sr. Honório do Leme, outrora honestíssimo capitão do Cruzeiro-dos-Degenerados, pelo gravíssimo crime previsto nos ditames náuticos como abandono sumário de tripulação, ato sinistro que fez condenar toda ela, a tripulação dos degenerados, a naufragar sem apelação ou ajuda do seu chefe maior. Houve quem sustentasse que os degenerados morreriam de qualquer forma, naufragados ou boiados, mas nenhum recurso de defesa surtiu efeito, nesse que era um país exemplar, onde as leis, custe o que custar, eram respeitadas com o rigor ao qual exigia-se delas...

Obs: Soube-se mais tarde que o corpo do Sr. Honório do Leme, o ex-capitão do Cruzeiro-dos-Degenerados, fora jogado ao mar, sendo rapidamente devorado por um cardume de tubarões-martelo que passava pelo local. 

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