Curioso fim teve o procurador geral da minúscula e
desconhecida localidade de Tribunas, o Dr. Roberval Quintiliano-das-Vênias,
algo que poderíamos chamar de ‘O epílogo de um crápula-honesto’, manchete que
de fato circulou pelas esquinas da cidade no dia seguinte ao ocorrido. Crápula,
explicamos, porque ele, o Dr. Roberval Quintiliano-das-Vênias, o procurador
geral da minúscula e desconhecida localidade de Tribunas, andava rigorosamente
nas alamedas da lei – coisa de uma desonestidade atroz -, e honesto,
completamos, porque sabia, o mesmo Dr. Roberval, que todos os seus clientes
formavam a pior matilha de crápulas já vista não somente na minúscula e desprezível
Tribunas, mas também por toda a superfície respirável e irrespirável dessa
crosta terrestre. Eram famosos, diziam, os discursos inflamados do procurador
geral da ínfima e descartável localidade de Tribunas, não existia um só corpo
de jurados que não se convencesse dos argumentos do magistrado, havendo por fim
a soltura de qualquer desgraçado assassino que sentasse suas nádegas
declaradamente culpadas no banco dos réus. Quem desejasse assaltar um banco,
estuprar uma virgem pura, desviar verbas de obras públicas, enfim, quem
estivesse a fim de cometer os mais bárbaros crimes, delitos e atos
infracionais, deveria, antes, consultar a agenda do Dr. Roberval
Quintiliano-das-Vênias, o procurador geral da pacata e destemperada localidade
de Tribunas, para ver se o eminente advogado, estando livre, e depois do ato
consumado, pudesse libertá-los das agruras da penitenciária, recorrendo, como
sempre procedia, às epístolas morais redigidas pela lei de direito maior.
Ocorreu, no entanto, certa vez e inesperadamente, diga-se, que um pobre diabo
inocente de tudo, o Sr. José Galindo-Lazarento, fosse preso, acusado de roubar
uma galinha do vizinho – ela própria, a galinha em questão, uma desgraçada sem
penas, já próxima do ocaso de seus dias, e só dizemos isso porque seria no
mínimo curioso o Sr. José Galindo-Lazarento optar por surrupiar a Glória – esse
era o nome da galinha vítima do suposto sequestro, haja vista que havia outras
bem mais polpudas, nada raquíticas e despenadas, que bem serviriam para uma
refeição mais digna, caso, claro, tenhamos como hipótese o hipotético roubo
para fins estomacais, imaginando ainda que a Glória tivesse sido de fato
subtraída, e ainda sob as garras do pobre diabo inocente de tudo, o Sr. José
Galindo-Lazarento . O que se sabe é que o caso foi parar, coisa que nunca se
soube como, nas mãos habilidosas do Dr. Roberval Quintiliano-das-Vênias, o
procurador geral da desértica e insalubre localidade de Tribunas. Indignado com
tamanha pureza do seu mais novo cliente, o eminente magistrado, acostumado com
a complexidade das escuras psicologias dos seus réus assassinos, não soube como
proceder, já que não havia como suspeitar que o pobre diabo tivesse alguma
culpa no cartório. No dia do julgamento, com o tribunal lotado de espectadores
para acompanhar mais uma ilustre performance do Dr. Das-Vênias, o referido
advogado, acometido por depressões profundas, subiu ao púlpito de defesa - ao
lado da estátua da senhora cega, portadora da balança da justiça -, e num gesto
teatral despejou cicuta num copo d’água e se matou, não sem antes declarar:
‘Não há pecado maior nessa vida do que ser inocente! A culpa é desse homem
(apontando para o Sr. José Galindo-Lazarento)’.
Uma estátua foi erguida em homenagem ao Dr. Roberval
Quintiliano-das-Vênias, ex-procurador geral da minúscula e desconhecida
localidade de Tribunas, visitada frequentemente por todo tipo de romeiros,
defensores dos direitos humanos.
Está marcada para a tarde de hoje a execução do Sr. José
Galindo-Lazarento , condenado à forca... sem direito a apelação.
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