terça-feira, 16 de abril de 2013

ENFIM, UM FIM...


Adequamo-nos! Homo-Adequadus, eis o que somos, ou o que viramos. Ninguém sobrevive, ou resiste, a um belo de um anteparo para apoiar o papo, e, uma vez repousada a barba, roncar satisfeito nas delícias da adequação. Um cargo, uma posição social, um diploma universitário, uma família formada, os prêmios da opinião pública, todas excelentes baias da adequação. Saia na rua e já na esquina haverá mapas detalhadamente grafados para o correto percurso até o recanto mais próximo do idílico Resort da Adequação. Enquanto adequamo-nos, naufragamos, mas não na crise inerente ao ofício de viver, mas na augusta preguiça mórbida de mofar enquanto vivos, aquela que tudo nos emburrece, empalhando-nos num sorriso de dentes lavados que diz: eu venci! Adequamo-nos, e não só nos adequamos como exigimos aos outros que se adéquem. Há uma filosofia universal, ou ditadura atemporal, da adequação, uma que já começa desde cedo no balançar do berço. E a força pública dá-lhe um jeito de reforçar aquilo que a família já alertou: adéque-se e vencerá na vida. Tenha um emprego com carteira assinada, garanta a aposentadoria ainda que mal tenha fios brancos no cocuruto, não perca tempo e desde já saia à procura do seu cônjuge, aquele com quem procriará para dar curso a essa coisa tão nobre que é a raça sapiens a qual pertence! Todos corremos feito loucos atrás da adequação. Algo que tem fim só poderá ter sentido se houver uma previsão de recomeço, assim se faz a conduta de quem experimentou esse terno de linho fino costurado pelas linhas da adequação. Coisa curiosa. Se a própria vida é uma aventura sem previsão de recomeço algum, que tipo de teatro fantasioso é esse que erigimos para justificar essa falência absoluta que é saber-se vivo? Fulano de Tal suporta as mais ingratas aberrações humilhantes na sua baia de repartição pública sabendo que amanhã haverá de ser outro dia, e os sofrimentos de hoje compensarão a subida de cargo já planejada através dos anos de subserviência, todos eles computados por sabe-se lá quem, além de servir como mártir da penitência na terra sob os olhos do Todo-Poderoso, um Todo-Poderoso que ninguém nunca viu, e que lá de cima lhe sopra aos ouvidos sem nada dizer: sofra! Sofra inteiro! Sofra na dignidade do sofrimento que um dia o jantar dos justos lhe será servido! Adequamo-nos! Adequamo-nos espiritualmente também, ou, sobretudo, adequamo-nos pelo espírito, principalmente pelo espírito! As academias com seus magistrados made-in-PHD-via-Harvard são nossos tutores, todos trajados com o carimbo da estupidez estampado no centro da testa. Mestres e Doutores são os emblemas de uma vida enlameada na preguiça do pódio das ovações públicas. Vivem para os aplausos, para desfilar as medalhas que a cátedra cujo assunto não interessa nem ao mais curioso dos mentecaptos lhes outorgou em cerimônia suntuosa. Quando foi que perdemos a inconsequência da criança que um dia tivemos a audácia de ser? Perdemos, perdemos a inconsequência para desfrutar do anonimato refrigerado da adequação. Até os artistas, ou os que se chamam por esse nome nos dias atuais, perderam o interesse pela inconsequência. Artistas que naturalmente são inconsequentes e marginais por princípio, hoje pertencem ao partido X, Y ou Z, todos unidos na luta diária por uma melhor adequação ao mundo. Perdemos os artistas náufragos, os empreendedores, os desbravadores de caminhos, os solitários, os de assinatura própria. Há que se juntar nos dias de hoje, há que se reunir, ainda que na economia do próprio umbigo, ao objetivo primordial de se adequar ao que quer que seja. Entre num vagão de metrô. Haverá um não sei quanto número de gente triste, conformada com o árduo fardo da adequação, um que pune hoje e sempre, mas que vencerá amanhã, na eterna promessa do prêmio aos merecedores. Sorriem todos os adequados. São tristes-sorridentes os adequados! Viver é coisa dessa espécie, um deixar-se levar ao primeiro porto seguro que apareça... os loucos que bóiam para não sei onde são perdidos. Como tudo seria melhor se houvesse mais boiadores malucos, e menos marinheiros uniformizados!

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