domingo, 23 de junho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O Fim de Zacharias-das-Ambrosias...

Zacharias-das-Ambrosias tinha duas paixões na sua vida: a ambrosia, essa frutinha azedinha de textura um tanto quanto áspera e que uma vez degustada vai surpreender o seu paladar, e as frases de efeito - sentenças coloridas e de impacto imediato cujo objetivo variava entre dar esperança aos ignorantes e fazer crer que o mundo, do jeito que está, um dia há de ser um lugar melhor, tanto para os ignorantes quanto para os inteligentes. Pois quando não estava chupando uma ambrosia, Zacharias-das-Ambrosias dedicava-se ao seu outro talento, o de produzir e divulgar frases de efeito - sentenças coloridas e de impacto imediato, tais como: ‘não desista nunca, amigo! Levanta daí, sacode a poeira e dê a volta por cima!’. E assim passou a sua curta existência: chupando ambrosia e, quando não tinha ambrosia para chupar, Zacharias-das-Ambrosias virava o profeta das frases de efeito, soltando para todos os cantos essas sentenças coloridas e de impacto imediato que tinham por fim exorcizar a angústia e despertar a alegria. Cabe dizer, no entanto, que Zacharias-das-Ambrosias, um dia, foi perdendo a cor, literalmente desbotando a olhos vistos - evidência primeira quem deu foram as suas bochechas, rosadas e luzidias ontem, hoje, como num passe de mágica, descoloridas por completo nas tristes cadências de um preto e branco opaco e sem graça. E assim, conforme o tempo passava e como efeito colateral da sua descolorização gradativa – porque depois das bochechas todo o resto do seu corpo resolveu seguir a melodia dos tons básicos, ele, o Zacharias-das-Ambrosias, foi substituindo as ambrosias – essa frutinha azedinha de textura um tanto quanto áspera e que uma vez degustada vai surpreender o seu paladar – pela uva-passa, essa coisinha insossa e murcha que quando mastigada gruda nos dentes e de gosto semelhante ao da borracha de pneu de bicicleta. E na medida em que Zacharias-das-Ambrosias ia ficando preto e branco, ele próprio – vejam que curioso! -, se transformava numa personagem de filme mudo, todo caricato nas formas, e sem poder abrir a boca para dizer sequer um bom dia, quiçá divulgar as suas tradicionais frases coloridas e de efeito imediato. E o pior, nos intervalos das gravações - porque a vida de Zacharias-das-Ambrosias de fato havia virado uma fita de vaudeville cômico com direito a tortas de chantilly voando e cenas de pancadaria aleatória, ele, o Zacharias-das-Ambrosias, já não podia chupar ambrosia alguma, antes tendo de se satisfazer com o gosto de borracha de pneu de bicicleta que a gente da produção do seu filme vinha lhe oferecer em seu camarim na forma de uvas-passas, frutinhas pra lá de insossas e pegajosas. Coisa curiosa foi acontecendo com Zacharias-das-Ambrosias! Ao mesmo tempo em que a vida ia ficando mais e mais engraçada, afinal, basta ver Charlie Chaplin em ação para se ter uma ideia do enredo ao qual ele, Zacharias-das-Ambrosias, foi se meter..., a sua própria existência, antes colorida, divertida e otimista, foi diminuindo ao ponto de virar refém dessa trama rocambolesca onde ele, apenas, era tão somente mais um bufão a serviço de uma comédia bem maior. E o sintoma é exatamente esse: Zacharias-das-Ambrosias, além de desbotar por inteiro, foi ficando menor, cada vez mais minúsculo, até, por fim, desaparecer por completo ao ponto de não sabermos se ele, de fato, estrelou o tal filme que vimos ou não. Procurando nos créditos da fita, são vários os atores conhecidos que tiveram seus nomes escritos na tela, mas o dele, o do Zacharias-das-Ambrosias, ficou de fora, fato explicado por possíveis duas razões: ou ele, Zacharias-das-Ambrosias, nunca existiu, sendo outro que não esse ao qual costumamos a chamar por Zacharias-das-Ambrosias, ou o seu papel, de tão minúsculo que foi, deu conta de apagá-lo antes mesmo do editor das letras finais tomar nota da sua ínfima performance. Seja por uma razão seja pela outra, o filme, assim como quem dele faz parte, uma hora sempre termina. THE END...

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