sexta-feira, 26 de julho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O Fim do Fazedor de bonecos invejáveis...


Era uma vez um fazedor de bonecos inconformado com o mundo. De tão decepcionado com o comportamento dos seus semelhantes – que segundo ele era precisamente o que tornava o mundo um lugar insuportável de se viver -, ele, o fazedor de bonecos, teve uma ideia que prometia ser revolucionária: iria dar às suas novas criaturas um caráter nobre, talhando cada boneco que ficava pronto com uma qualidade de comportamento invejável aos princípios que deveriam ser por regra a matéria de convivência dos humanos, mas que há muito já não eram praticados. E foi o que fez, povoando o mundo com figuras de madeira e tecido educadíssimas, e preparadas para o convívio mútuo. Com o tempo a sociedade melhorou consideravelmente, todos imbuídos em seguir os exemplos das marionetes confeccionadas sob medida pelo fazedor de bonecos, eleito prefeito da cidade por ampla maioria de votos; porém, conforme os anos iam passando - e tal era a mistura entre humanos e bonecos -, já não era mais possível discernir quem era feito de madeira e pano, daqueles constituídos de carne e osso, e, ainda pior!, notou-se uma gradual degeneração das qualidades éticas e morais desses habitantes híbridos, o que levou o fazedor de bonecos a nutrir uma raiva descomunal por suas criaturas e por todos aqueles que, humanos ou não, haviam novamente se pervertido em nome de não-sei-o-quê. O mundo voltou à decadência que já conhecia, e ele, o fazedor de bonecos, decidiu então se dirigir ao povo e convocar uma assembléia em praça pública. Sob os olhos silenciosos da população, ele, o fazedor de bonecos, desenvolveu um discurso tão incisivo, insistindo na recuperação dos comportamentos de outrora, na urgência em se manter um padrão de civilidade e conduta social, enfim, foram tantas as palavras de ordem que ele, o fazedor de bonecos, começou a enrijecer e tropeçar nas palavras, fazendo dos gestos - antes longos e precisos -, agora engrenagens duras e enferrujadas. Ao término do discurso era ele próprio, o fazedor de bonecos, um novo e desengonçado boneco, inteiro articulado em esperanças que não existiam mais, embirrado num ideal de vida que fugia à realidade da própria vida. Foi escoltado pela multidão até o próprio galpão onde trabalhava e lá foi desmontado, servindo de lenha para alimentar as fogueiras nos parques, sendo finalmente útil... aos que não tinham teto... e passavam frio.



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