sexta-feira, 19 de julho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim daquele que subiu na árvore e não queria mais descer...

Ariovaldo-das-Pelotas tinha justamente esse nome porque não havia quem o rejeitasse como seu aliado no jogo de futebol, não tanto pelo seu talento de ponta-esquerda –  talento pra lá de pífio, aliás -, senão pelo fato dele, Ariovaldo-das-Pelotas, ser o dono de uma coleção incrível de bolas de futebol, batizadas pela turma do campinho carinhosamente de ‘pelotas’. Um dia, motivo de um chute desviado, a bola foi cair pendurada no topo de um abacateiro enorme, e o próprio Ariovaldo-das-Pelotas prontificou-se a subir na árvore para apanhá-la. Subiu e não desceu mais, lá ficando o dia inteiro a contemplar o horizonte onde nada acontecia. No início seus colegas acharam que a insistência de Ariovaldo-das-Pelotas em não descer daquele enorme abacateiro era fruto de alguma piada, ou mesmo vingança – porque a bola ficou o tempo inteiro agarrada ao seu dono e impedindo o prosseguimento da partida -, mas, o tempo passou e ele, Ariovaldo-das-Pelotas, simplesmente não respondia aos debaixo que chegavam a implorar em berros: ‘Desce, Ariovaldoooo!’, mas ele, Ariovaldo-das-Pelotas, não dava bola alguma aos clamores do solo, sempre em silêncio, a contemplar o nada que acontecia no movimento previsível do sol que ia e vinha, o mesmo acontecendo com a lua que o substituía. Já bem velho, porque ele, Ariovaldo-das-Pelotas envelheceu trepado naquele mesmo abacateiro, teve que dividir a sua atenção entre o horizonte – amigo fiel que jamais o abandonava (a exemplo da fatídica bola que ainda guardava debaixo dos braços) – e uma caravana incessante de curiosos que atravessavam o país para vê-lo de perto, o homem que um dia subiu na árvore e não queria mais descer. O assédio parecia não incomodá-lo, desviando de tempos em tempos seu olhar do horizonte para os turistas, que lá embaixo se aglomeravam implorando agitados por um autógrafo ou mesmo uma foto, insistências essas que ele, Ariovaldo-das-Pelotas não cedia, apenas devolvendo sorrisos tranquilos aos fãs barulhentos . Até que, para a surpresa de todos, Ariovaldo-das-Pelotas, já bem velho e  com uma corcunda proeminente, emitiu as suas primeiras palavras depois de longo tempo em silêncio contemplativo, e ordenou que lhe trouxessem uma caneta e um calhamaço enorme de folhas pautadas para escrita, e assim, obedecido o seu pedido, começou um intenso trabalho que consistia em redigir misteriosamente algum tratado, atividade a qual dedicava-se completamente calado, sem deixar-se levar pelos apelos que tentavam coagi-lo a explicar o que tanto deitava no papel. Depois de meses de atividade intensa e já bem fraco por tanta concentração nas folhas, Ariovaldo-das-Pelotas começou a descer vagarosamente da árvore que até então havia lhe servido de lar. Quando finalmente pôs os pés no chão, morreu. Imediatamente os curiosos que lá estavam, sempre a acompanhar a curiosa epopéia literária daquele homem mudo e pendurado no abacateiro, correram para ler o que o tal sujeito esquisito tinha tanto escrito. Perceberam, então, com um desânimo bastante evidente, que a caneta usada para o feito falhara logo nas primeiras páginas, todas elas – as poucas que ainda tinham vestígios de rabiscos -, ainda assim apresentavam-se completamente incompreensíveis à leitura. Mas - curiosa descoberta! -, a capa ainda preservava o seu título, desenhado em letras claríssimas e sem vestígios de erros gramaticais, dizendo: ‘Dos perigos de nunca enlouquecer em vida’... Foi ovacionado como filósofo e até hoje é estudado nas cátedras das mais diversas academias do mundo...

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