Ariovaldo-das-Pelotas tinha justamente esse nome porque não
havia quem o rejeitasse como seu aliado no jogo de futebol, não tanto pelo seu
talento de ponta-esquerda – talento pra
lá de pífio, aliás -, senão pelo fato dele, Ariovaldo-das-Pelotas, ser o dono
de uma coleção incrível de bolas de futebol, batizadas pela turma do campinho
carinhosamente de ‘pelotas’. Um dia, motivo de um chute desviado, a bola foi
cair pendurada no topo de um abacateiro enorme, e o próprio
Ariovaldo-das-Pelotas prontificou-se a subir na árvore para apanhá-la. Subiu e
não desceu mais, lá ficando o dia inteiro a contemplar o horizonte onde nada
acontecia. No início seus colegas acharam que a insistência de
Ariovaldo-das-Pelotas em não descer daquele enorme abacateiro era fruto de
alguma piada, ou mesmo vingança – porque a bola ficou o tempo inteiro agarrada
ao seu dono e impedindo o prosseguimento da partida -, mas, o tempo passou e
ele, Ariovaldo-das-Pelotas, simplesmente não respondia aos debaixo que chegavam
a implorar em berros: ‘Desce, Ariovaldoooo!’, mas ele, Ariovaldo-das-Pelotas,
não dava bola alguma aos clamores do solo, sempre em silêncio, a contemplar o
nada que acontecia no movimento previsível do sol que ia e vinha, o mesmo
acontecendo com a lua que o substituía. Já bem velho, porque ele,
Ariovaldo-das-Pelotas envelheceu trepado naquele mesmo abacateiro, teve que
dividir a sua atenção entre o horizonte – amigo fiel que jamais o abandonava (a
exemplo da fatídica bola que ainda guardava debaixo dos braços) – e uma
caravana incessante de curiosos que atravessavam o país para vê-lo de perto, o
homem que um dia subiu na árvore e não queria mais descer. O assédio parecia
não incomodá-lo, desviando de tempos em tempos seu olhar do horizonte para os
turistas, que lá embaixo se aglomeravam implorando agitados por um autógrafo ou
mesmo uma foto, insistências essas que ele, Ariovaldo-das-Pelotas não cedia,
apenas devolvendo sorrisos tranquilos aos fãs barulhentos . Até que, para a
surpresa de todos, Ariovaldo-das-Pelotas, já bem velho e com uma corcunda proeminente, emitiu as suas
primeiras palavras depois de longo tempo em silêncio contemplativo, e ordenou
que lhe trouxessem uma caneta e um calhamaço enorme de folhas pautadas para
escrita, e assim, obedecido o seu pedido, começou um intenso trabalho que
consistia em redigir misteriosamente algum tratado, atividade a qual
dedicava-se completamente calado, sem deixar-se levar pelos apelos que tentavam
coagi-lo a explicar o que tanto deitava no papel. Depois de meses de atividade
intensa e já bem fraco por tanta concentração nas folhas, Ariovaldo-das-Pelotas
começou a descer vagarosamente da árvore que até então havia lhe servido de
lar. Quando finalmente pôs os pés no chão, morreu. Imediatamente os curiosos
que lá estavam, sempre a acompanhar a curiosa epopéia literária daquele homem
mudo e pendurado no abacateiro, correram para ler o que o tal sujeito esquisito
tinha tanto escrito. Perceberam, então, com um desânimo bastante evidente, que
a caneta usada para o feito falhara logo nas primeiras páginas, todas elas – as
poucas que ainda tinham vestígios de rabiscos -, ainda assim apresentavam-se completamente
incompreensíveis à leitura. Mas - curiosa descoberta! -, a capa ainda
preservava o seu título, desenhado em letras claríssimas e sem vestígios de
erros gramaticais, dizendo: ‘Dos perigos de nunca enlouquecer em vida’... Foi
ovacionado como filósofo e até hoje é estudado nas cátedras das mais diversas
academias do mundo...
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