Eliseu-da-Espátula era poeta e pedreiro, mas
como poeta ninguém o ouvia, preferindo todos requisitá-lo para outros serviços
mais prosaicos que os da rima. Sempre quis ele, Eliseu-da-Espátula, que lhe
chamassem de Eliseu-da-Pena, mas nessa vida é mais fácil ser pedreiro que ser
poeta, afinal, uma parede bem erigida é sempre uma parede bem erigida, já não
podendo se dizer o mesmo de uma estrofe bonita, ou mesmo do verso que para nada
serve a não ser nascer verso e morrer verso. Um dia, Eliseu-da-Espátula – prefixo
que lhe conferiu fama em função da sua habilidade com o cimento de obra -,
cansou de declamar suas poesias, tanto que as soltava no ar para que ninguém as
ouvisse, e, imbuído de um impulso esquisito, aproveitou a vitrine que ele
próprio estava construindo para a inauguração próxima do mais novo complexo de
compras da cidade, e lá enfurnou-se para nunca mais sair. Mesmo depois do
prédio ser inaugurado era possível ver ele, Eliseu-da-Espátula, dentro daquele
box impenetrável de vidro, abrindo e fechando a boca num esquisito movimento de
quem declama algum tipo de soneto consagrado. E se transformou numa atração.
Embora ninguém o ouvisse – a vitrine era completamente hermética e refratária
ao som que vinha de fora ou ao que acontecia dentro dos seus domínios
cubiculares -, Eliseu-da-Espátula insistia na sua bizarra performance muda,
todo emocionado por ser visto, mas nunca ouvido. Muitos ao shopping iam só para
vê-lo lá, todo maluco, a recitar não sei o quê, muitas vezes com lágrimas a
brotar dos olhos, e uma vez espectadores de tão inusitada atração, aproveitavam
para no shopping entrar e fazer algumas compras. Pois chegou o dia em que
Eliseu-das-Espátulas perdeu as forças e fora visto morto, desmaiado para sempre
dentro do seu caixão acústico de vidro. Junto com ele encontrou-se um pequeno
gravador, e mais não sei quantas fitas cassetes pelos cantos.
Eliseu-das-Espátulas cuidara de gravar tudo o que dizia, sabendo que algum dia
alguém, querendo, o ouviria. E, de fato, alguém ouviu, e bastou esse alguém ouvir
o que Eliseu-das-Espátulas dizia para consagrá-lo como um dos indiscutíveis
melhores poetas que a nossa geração já viu passar. De uma forma ou de outra,
Eliseu-das-Espátulas sabia que só sendo defunto para ser considerado nessa
vida. Sua obra inteira, transcrita das fitas de áudio, somou cinco volumes de
lombadas grossas cuja capa trazia o nome dele, do autor, sob as letras que
formavam seu antigo desejo: Poemas Completos de Eliseu-da-Pena.
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