sexta-feira, 19 de julho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim do ator que não fingia o que não era, sendo o que mentia ser, ou, melhor dizendo, tomando a mentira por verdade...

O ator que acreditava ser verdade o que fazia teve uma vida longa e trágica, ou cômica, vai saber. Isso porque o ator não fingia, só vivendo, ou crendo viver na plena verdade das suas forças emotivas, as personagens que interpretava.  Quando o repertório de suas atuações não fugia do universo infanto-juvenil ainda conseguia ter uma rotina saudável, embora não fossem raras as ocasiões em que ele, o ator que não fingia o que não era, sendo o que mentia ser, ou melhor, tomando a mentira por verdade, acabava flagrado uivando no meio da rua depois de ‘bufar e bufar até derrubar toda a sua casinha de sapé’, ameaça direcionada ao porquinho Alfredo lá do conto de fadas... O problema mesmo veio com os roteiros sérios e densos, em especial as tragédias – e foi logo na primeira que acabou por furar os olhos de fato, o que o transformou dali por diante num ator cego a interpretar papéis cegos. Depois de anos de profissão, e porque não dizer de sofrimento absoluto, resolveu se aposentar. Já velho e no último ato da sua conturbada vida, perguntado por um jornalista qual o personagem que mais gostara de interpretar, ele, o ator que não fingia o que não era, sendo o que mentia ser, ou, melhor dizendo, tomando a mentira por verdade, tomou um susto e disse: ‘nunca houve outro personagem senão eu...’ E a luz se apagou, colocando fim ao espetáculo. Uma enxurrada de aplausos veio na sequência, louvando aquela soberba performance, mas, não importando o quanto o público insistisse, ele, o ator que não fingia o que não era, sendo o que mentia ser, ou, melhor dizendo,  tomando a mentira por verdade, não levantava por nada do palco onde jazia inerte. Estava morto de fato. O teatro decretou uma semana de luto em sua homenagem, mas, depois disso, as portas reabriram e os espetáculos tiveram continuidade...

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