quarta-feira, 10 de julho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim daquele que a cada dia via a sua casa desmontar, enquanto ele próprio desmontava...

No início uma porca saltou do mecanismo que fazia jorrar a água da pia da cozinha. Engavetou o pequeno apetrecho de metal e continuou a lavar a louça, sem prejuízo algum para o fluxo que limpava o molho de macarrão do prato sujo. Quando foi sair para o trabalho, a maçaneta da porta saiu-lhe à mão, e, como tal fato já havia acontecido outras vezes, não deu grande importância ao incidente, acionando a porta através de um encaixe precário da peça de metal em forma de alavanca. Saiu. Ao retornar para casa, a mesma alavanca lhe cumprimentou dando-lhe boas vindas ao se estatelar toda barulhenta ao chão de taco de madeira envernizada. Irritou-se, mas foi só isso. Foi escovar os dentes e percebeu que o espelho havia rachado em duas partes - como aquilo foi acontecer era matéria misteriosa, mas não tão urgente a ponto de se fazer investigações sumárias, tampouco enveredando para consertos imediatos. O espelho ficou rachado mesmo, a maçaneta despregada da porta, e a porca desatarraxada. Para economizarmos linhas e salivas, basta dizer que a casa inteira andava desmontando enquanto a vida continuava a ser vivida, ou quase, porque ele, sem saber, desmontava aos poucos também. Primeiro a hérnia da coluna, depois o nível de açúcar no sangue subiu, sem contar as noites de insônia.  Um dia, eis que aparece um anúncio no jornal colocando à venda o malfadado lar. O que teria acontecido ao proprietário para tomar tão radical decisão? A essa pergunta ficaremos órfãos de resposta, uma vez que ele também estava ali com seu nome estampado no jornal, só que páginas adiante, na sessão de obituários...

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