sexta-feira, 19 de julho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim de Albênio-Abadia, o pároco de Louvado-Seja...

Centenas de fiéis morreram depois da benção concedida por Albênio-Abadia, o pároco da pequena cidade de Louvado-Seja. Apuradas as circunstâncias, descobriu-se que a água benta borrifada à multidão continha um germe letal, bastando sua absorção pelo organismo para haver o colapso total das funções orgânicas em pouco mais de vinte e quatro horas após o contato. Recolhido à cadeia, Albênio-Abadia, pároco da pequena cidade de Louvado-Seja, declarou-se inocente, afirmando que se os fiéis haviam falecido fora em cumprimento ao desígnio divino, e não por culpa de suas mãos envenenadas. Envenenados são todos vocês que não tem Cristo no coração, bradava Albênio-Abadia durante o inquérito policial, antes ter a sorte de partir desse mundo de pecadores após uma benção – o paraíso certamente os receberá de portas abertas - do que ter uma vida longa e pecaminosa nos braços dessa sociedade enlameada pelos chifres do Demo. Houve um alvoroço geral na cidade de Louvado-Seja, afinal, ninguém ousava contrariar os preceitos sagrados da bíblia contidos na voz acalorada de Albênio-Abadia, tampouco discordavam que a vida em Louvado-Seja era governada pelo Cão, a começar pelo calor retumbante ostentado pelos rigores do sol que nunca sumia, coisa só prevista na literatura divina do velho testamento quando descrevia a morada eterna do inferno. Mas as leis existiam para serem cumpridas, alegavam os defensores da jurisdição terrena, e se o pároco de Louvado-Seja fora responsável pelo desaparecimento sumário de uma centena de almas antes de carne e osso, tinha ele, o pároco Albênio-Abadia, a responsabilidade legar de responder pelo seu ato, ainda que acidental. Nada de acidente, surpreendeu a todos com a sua inesperada declaração, eu mesmo cuidei para que a água benta fosse contaminada, de modo que sabia muito bem que os meus fiéis teriam um destino justo depois de empreendida a viagem definitiva rumo aos céus. Mas matar é crime, insistia o delegado. Crime maior é viver assim, delegado, acordar e voltar a dormir na desmoralização completa da dignidade espiritual, replicava Albênio-Abadia, satisfeito com o seu dever cumprido em nome da salvação das almas dos que se foram. Não houve mais justificativas plausíveis ou mesmo a necessidade de se recorrer ao júri público, Albênio-Abadia fora preso em flagrante mediante a confissão de crime genocida, perpetrado contra a própria paróquia onde era pároco, na pequena cidade de Louvado-Seja. Já vazia, afinal não havia mais padre nem fiéis, um bêbado ousou entrar na igrejinha onde antes Albênio-Abadia ministrava o evangelho, e lá, depois de se ajoelhar todo trôpego diante do altar, viu a imagem do Cristo crucificado de um jeito diferente. Esfregou os olhos para ter certeza daquilo que os olhos miravam, afugentando a embriaguez que lhe consumia. Mas aquilo não era delírio não! Quem estava pregado na cruz não era Cristo senão o próprio Albênio-Abadia, exatamente na mesma posição fatídica do filho de Deus. Na manhã seguinte, hora do café da manhã para os detentos, Albênio-Abadia não comeu, aliás, Albênio-Abadia não estava lá, havia sumido, deixando apenas os lençóis brancos para trás com a marca impressa do seu rosto ensanguentado. Há quem diga que Albênio-Abadia fora visto subindo aos céus embarcado num balão de hélio gigante enquanto acenava para os de baixo dizendo que um destino especial aguardava os puros de alma, mais isso ninguém pôde comprovar. O Vaticano hoje analisa o processo de beatificação de Albênio-Abadia, antes considerado criminoso, hoje potencial mártir dos merecedores da vida eterna. Louvado-Seja, amém....


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