Centenas de fiéis morreram depois da benção concedida por
Albênio-Abadia, o pároco da pequena cidade de Louvado-Seja. Apuradas as
circunstâncias, descobriu-se que a água benta borrifada à multidão continha um
germe letal, bastando sua absorção pelo organismo para haver o colapso total
das funções orgânicas em pouco mais de vinte e quatro horas após o contato.
Recolhido à cadeia, Albênio-Abadia, pároco da pequena cidade de Louvado-Seja,
declarou-se inocente, afirmando que se os fiéis haviam falecido fora em
cumprimento ao desígnio divino, e não por culpa de suas mãos envenenadas.
Envenenados são todos vocês que não tem Cristo no coração, bradava
Albênio-Abadia durante o inquérito policial, antes ter a sorte de partir desse
mundo de pecadores após uma benção – o paraíso certamente os receberá de portas
abertas - do que ter uma vida longa e pecaminosa nos braços dessa sociedade
enlameada pelos chifres do Demo. Houve um alvoroço geral na cidade de
Louvado-Seja, afinal, ninguém ousava contrariar os preceitos sagrados da bíblia
contidos na voz acalorada de Albênio-Abadia, tampouco discordavam que a vida em
Louvado-Seja era governada pelo Cão, a começar pelo calor retumbante ostentado
pelos rigores do sol que nunca sumia, coisa só prevista na literatura divina do
velho testamento quando descrevia a morada eterna do inferno. Mas as leis
existiam para serem cumpridas, alegavam os defensores da jurisdição terrena, e
se o pároco de Louvado-Seja fora responsável pelo desaparecimento sumário de
uma centena de almas antes de carne e osso, tinha ele, o pároco Albênio-Abadia,
a responsabilidade legar de responder pelo seu ato, ainda que acidental. Nada
de acidente, surpreendeu a todos com a sua inesperada declaração, eu mesmo
cuidei para que a água benta fosse contaminada, de modo que sabia muito bem que
os meus fiéis teriam um destino justo depois de empreendida a viagem definitiva
rumo aos céus. Mas matar é crime, insistia o delegado. Crime maior é viver
assim, delegado, acordar e voltar a dormir na desmoralização completa da
dignidade espiritual, replicava Albênio-Abadia, satisfeito com o seu dever
cumprido em nome da salvação das almas dos que se foram. Não houve mais
justificativas plausíveis ou mesmo a necessidade de se recorrer ao júri
público, Albênio-Abadia fora preso em flagrante mediante a confissão de crime
genocida, perpetrado contra a própria paróquia onde era pároco, na pequena
cidade de Louvado-Seja. Já vazia, afinal não havia mais padre nem fiéis, um
bêbado ousou entrar na igrejinha onde antes Albênio-Abadia ministrava o
evangelho, e lá, depois de se ajoelhar todo trôpego diante do altar, viu a
imagem do Cristo crucificado de um jeito diferente. Esfregou os olhos para ter
certeza daquilo que os olhos miravam, afugentando a embriaguez que lhe
consumia. Mas aquilo não era delírio não! Quem estava pregado na cruz não era
Cristo senão o próprio Albênio-Abadia, exatamente na mesma posição fatídica do
filho de Deus. Na manhã seguinte, hora do café da manhã para os detentos,
Albênio-Abadia não comeu, aliás, Albênio-Abadia não estava lá, havia sumido,
deixando apenas os lençóis brancos para trás com a marca impressa do seu rosto
ensanguentado. Há quem diga que Albênio-Abadia fora visto subindo aos céus
embarcado num balão de hélio gigante enquanto acenava para os de baixo dizendo
que um destino especial aguardava os puros de alma, mais isso ninguém pôde
comprovar. O Vaticano hoje analisa o processo de beatificação de
Albênio-Abadia, antes considerado criminoso, hoje potencial mártir dos
merecedores da vida eterna. Louvado-Seja, amém....
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