sábado, 26 de julho de 2014

Fábulas: # A pomba que se sabia pomba...


Certa vez uma pomba que tinha por hábito revoar o mesmo mastro que servia de suporte para a bandeira flamejar suas odes nacionalistas ao horizonte resolveu, por quebra de rotina, pousar lá em cima, aterrissando suas finas perninhas de pomba na pequena bolota escorregadia pintada a ouro que fazia as vezes de limite do obelisco, e, enquanto que os debaixo seguiam a vida no seu costumeiro e tedioso galopar sem motivo algum para suspeitar do que viria a seguir, ela, a tal pomba, acometida por uma indisposição qualquer, eriçou as penas, estufou o peito, abriu o bico e soltou a goela em firme e retumbante voz: EU SOU UMA POMBA! Todos que caminhavam pela praça central, vizinhos ao mastro da bandeira flamejante e agora poleiro da pomba falante, interromperam sua marcha e olharam para cima num misto curioso de sensações que combinava primeiro um assombro por ouvir pela primeira vez um testemunho tão consciente vindo de uma pomba, em seguida sobreveio o entusiasmo pela pomba ter rompido a tradição muda de suas companheiras de infortúnio, acompanhado por certa dose de inveja, afinal, antes fossem eles, enfincados que eram na proporção bamba de duas pernas, a ter asas, para, lá de cima, gritar alguma coisa que fizesse eco tal como a corajosa pomba conseguira realizar, e, por fim, uma avassaladora melancolia se abateu por todos os da praça, piedosos pela tal pomba finalmente saber que era uma pomba e, enfim, ter de lidar com esse fardo de consciência absoluta até o fim de seus dias... agora dias, como bem sabia, de pomba...



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