Um antigo personagem teatral talhado nos moldes clássicos
com voz retumbante e gestos exagerados todo ele fora das fronteiras palatáveis ao
minúsculo enredo da vida ordinária fora elegantemente convidado a se despedir
do público que já não mais tolerava tanta esquisitice formal. Quando as
franjas da cortina varreram o chão poeirento do palco colocando a nu aquela
figura meio torta meio desengonçada defronte uma plateia feita de mar de
cabeças banhadas pelo lusco-fusco que sobrara de um único foco central apontado
para a careca daquele que prometia dizer adeus já não mais sirvo para entretê-los,
ele, o antigo personagem teatral, engoliu em seco e tratou de agradecer à audiência
pelos tempos de glória que havia feito dele o maior símbolo das narrativas epopéicas
e espetaculares. Seu depoimento avançou de maneira tão emotiva e sincera que a
maquiagem que vivia colada ao rosto derreteu, o mesmo acontecendo com a rigidez
típica de suas articulações ficcionais, agora besuntadas com o fluído óleo da sensatez
cotidiana, os figurinos fantasiosos adequaram-se às vestimentas típicas dos que
andam nas ruas, em nada diferindo daquelas que os espectadores, também
emocionados com tamanha verdade sentimental, usavam. Ao final do pequeno monólogo
que sacramentava o enterro simbólico do antigo personagem, quem aparecia ao
palco já não era mais personagem algum, e sim o ator, todo ele banhado em lágrimas
genuínas, vertendo desejos de piedade à flor da pele. Foi generosamente
aplaudido de pé, alguns até gritaram Bravo! E assim se deu a contratação
daquele fabuloso interprete dos tempos contemporâneos, que arrebata multidões
com charme e personalidade próprios.
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