sábado, 19 de julho de 2014

Fábulas: # O fim da personagem, o império do ator.


Um antigo personagem teatral talhado nos moldes clássicos com voz retumbante e gestos exagerados todo ele fora das fronteiras palatáveis ao minúsculo enredo da vida ordinária fora elegantemente convidado a se despedir do público que já não mais tolerava tanta esquisitice formal. Quando as franjas da cortina varreram o chão poeirento do palco colocando a nu aquela figura meio torta meio desengonçada defronte uma plateia feita de mar de cabeças banhadas pelo lusco-fusco que sobrara de um único foco central apontado para a careca daquele que prometia dizer adeus já não mais sirvo para entretê-los, ele, o antigo personagem teatral, engoliu em seco e tratou de agradecer à audiência pelos tempos de glória que havia feito dele o maior símbolo das narrativas epopéicas e espetaculares. Seu depoimento avançou de maneira tão emotiva e sincera que a maquiagem que vivia colada ao rosto derreteu, o mesmo acontecendo com a rigidez típica de suas articulações ficcionais, agora besuntadas com o fluído óleo da sensatez cotidiana, os figurinos fantasiosos adequaram-se às vestimentas típicas dos que andam nas ruas, em nada diferindo daquelas que os espectadores, também emocionados com tamanha verdade sentimental, usavam. Ao final do pequeno monólogo que sacramentava o enterro simbólico do antigo personagem, quem aparecia ao palco já não era mais personagem algum, e sim o ator, todo ele banhado em lágrimas genuínas, vertendo desejos de piedade à flor da pele. Foi generosamente aplaudido de pé, alguns até gritaram Bravo! E assim se deu a contratação daquele fabuloso interprete dos tempos contemporâneos, que arrebata multidões com charme e personalidade próprios.


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