sexta-feira, 25 de julho de 2014

Fábulas: # Culpado!



Entrou esbaforido meio desajeitado meio desmilinguido com a língua de fora implorando por algo que a enrolasse para dentro novamente ao prometer que o medo que fazia os cabelos agora empinar era passado e antes que aquele que sentado e escondido por trás do jornal do dia só denunciado pelo filete de fumacinha que subia do seu cachimbo de madeira de carvalho antigo pudesse esboçar qualquer mínima reação à figura daquele que acabara de entrar, disse:

-        O leão (pausa) fugiu (pausa) do circo...


Lentamente fechou o jornal numa coreografia quase farsesca de ambas as mãos e com o cachimbo a periclitar por entre os finos lábios entreabertos voltou-se ao esbaforido recém chegado balbuciando na posse absoluta da calma de sua cavernosa voz:

-       Algum ferido?

Não ainda. Como não ainda? O leão fugira do circo mas nenhum ataque fora ainda registrado. Mas como ainda não fora registrado nenhum ataque? Simplesmente fugiu, só isso. Ainda...

Mas já era tarde demais. Aquele ‘ainda‘ era definitivo. Denunciava que o denunciante da fuga o leão tinha culpa no cartório uma vez que esperava que o leão atacasse e em ele atacando suas expectativas seriam cumpridas e tudo isso sem nada revelar das suas íntimas e maléficas intenções senão pela ligeireza da pronúncia de uma simples e aparentemente inofensiva palavra:

-      Ainda.

Levantou-se da poltrona. Foi até o telefone. Chamou a polícia.

O outro, estático, já menos esbaforido mas não menos assustado, ouviu:

-       Delegado? Quero denunciar um sujeito maluco que acaba de entrar na minha casa. É ele o responsável direto pela fuga do leão do circo.



...




...


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