sábado, 5 de julho de 2014

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Soubera que no teatro os crimes eram de mentira, que vilões só o eram na aparência, em nada acarretando prejuízos para suas vítimas, que se pareciam agonizar aos olhos públicos, recuperavam-se do golpe fictício quando as cortinas cerravam a ponto de recobrarem o sorriso no instante seguinte ao banho de sangue. Até mesmo os mártires, alguém o avisou, eram produtos de uma falsa orquestração cujo objetivo não era outro  senão o de ludibriar os crédulos – Édipo furava os próprios olhos mas não furava de verdade. E quem haveria de permanecer calado frente a tamanha fraude espetacular?, ponderou consigo. Correu aos bastidores para exigir ressarcimento de suas angústias vividas, mas quando lá chegou teve que se deparar com um velhinho prostrado que há poucos instantes erguia-se heroicamente em sua compostura de protagonista. Era frágil, quase um fio de existência prestes a fugir com o primeiro soprar de vento que adentrasse pela janela. Inquirido, o velho ator respondeu: tens razão, é tudo falso: a roupa, o cenário, a maquiagem, eu sou falso bem como todo o resto é falso em igual medida... Somente uma coisa permanece íntegra no meio dessa devassidão toda: o tempo, cruel com tudo o que existe e também carrasco daquilo que se inventa para fugir do que aos olhos se apresenta como verdade. Voltou para a casa satisfeito. Nunca tamanha sinceridade lhe calara assim o coração.


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