Soubera que no teatro os crimes eram de mentira, que vilões
só o eram na aparência, em nada acarretando prejuízos para suas vítimas, que se
pareciam agonizar aos olhos públicos, recuperavam-se do golpe fictício quando
as cortinas cerravam a ponto de recobrarem o sorriso no instante seguinte ao
banho de sangue. Até mesmo os mártires, alguém o avisou, eram produtos de uma
falsa orquestração cujo objetivo não era outro senão o de ludibriar os crédulos – Édipo furava
os próprios olhos mas não furava de verdade. E quem haveria de permanecer
calado frente a tamanha fraude
espetacular?, ponderou consigo. Correu aos bastidores para exigir ressarcimento
de suas angústias vividas, mas quando lá chegou teve que se deparar com um
velhinho prostrado que há poucos instantes erguia-se heroicamente em sua
compostura de protagonista. Era frágil, quase um fio de existência prestes a fugir com o primeiro soprar de vento que adentrasse pela janela. Inquirido, o velho ator respondeu: tens razão, é
tudo falso: a roupa, o cenário, a maquiagem, eu sou falso bem como todo o resto é falso em igual medida... Somente uma
coisa permanece íntegra no meio dessa devassidão toda: o tempo, cruel com tudo
o que existe e também carrasco daquilo que se inventa para fugir do que aos
olhos se apresenta como verdade. Voltou para a casa satisfeito. Nunca
tamanha sinceridade lhe calara assim o coração.
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