terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A AGONIA DE UM GUARDA-CHUVA...



Ao voltar para casa, na mesmice daquele caminho que por tantas vezes soube sem graça – culpa do hábito que tudo tinge com a cor cinza do já-sei-como-faz – enfim, assim como já convencido pelo tédio, atravessei com o olhar a janela do carro numa expectativa de ter nada com que me surpreender, e foi aí quando vi aquilo que nas mãos de um artista daria um quadro, e se pudesse eu fazer uso das tintas para emudecer as palavras, faria já e sem pressa, porque a imagem viva daquele fragmento de vida dificilmente com frases posso eu dar conta de pintar; mas, por triste que seja, outro instrumento que não o verbo calaria essas mãos inábeis, então tento aqui mostrar o que vi, convidando quem me lê a ver a cena que certamente já foi apagada pelo tempo, e que nem sonha mais em se repetir outra vez. A poucos metros de onde eu estava, bem no meio da calçada, um guarda-chuva agonizava. Não havia sinal do seu dono por perto, apenas o guarda-chuva, que retorcido nos seus arames já maltratados pelo uso, ali pendia torto, estatelado, sendo aos poucos dominado pelo vento que soprava. Mas a cena não estava completa, porque um pedestre que passava naquele exato instante – um desses abençoados sem qualquer ímpeto heróico, mas que registra seu feito na história somente porque estava no lugar certo e na hora certa -, esse transeunte sem nome, na humildade da sua conduta, entendeu que o objeto merecia ajuda, e não mais do que um segundo decorreu para que eu testemunhasse aquele gesto que até então só havia visto quando o vitimado era humano, e não um treco inanimado. O senhor dos seus mais de cinquenta anos, já bastante conhecedor das tragédias dos guarda-chuvas abandonados a esmo, parou ao lado daquele que pedia ajuda, e numa atitude simples de quem entende que o tempo é o principal vilão de tudo e de todos, agarrou uma das pontas da lona que sambava já totalmente desgarrada da haste metálica. Foi só isso, somente isso – tão rápido quanto um clique fotográfico, talvez um fotograma dum rolo de filme ou o tempo morto de uma sincopa no meio do barulho da sinfonia. O diálogo entre os dois sumiu, ou teve de sumir para mim, porque o sinal de trânsito abriu e eu fui obrigado a arrancar com o carro antes que o sujeito que vinha atrás rendesse alguma homenagem lisonjeira à minha conduta de condutor distraído que se deixa levar por cenas destituídas de valor quando o assunto é melhorar a tão combalida alma humana. Mas eu protesto! Aquele homem, ainda que quisesse avaliar o guarda-chuva para ver se poderia surrupiá-lo para si, num simples dobrar de costas em direção ao dito cujo, naquele curvar-se seguido do tocar as pontas da lona colorida com seus dedos tremelicantes, somente aquilo já foi suficiente para ver o que eu queria ver: a solidariedade de alguém por algo que dificilmente terá recomposta a sua história de dignidade; o encontro de despedida que a todos os instantes a vida nos dá um jeito de obrigar a participar, e que quase sempre damos um jeito de seguir em frente pela calçada, como se não fôssemos nós uma das partes protagonistas da trama em curso. Muita filosofia para um simples guarda-chuva maltrapilho, é verdade... mas são essas as melhores filosofias que guardo comigo, justamente as que nada querem dizer, dizendo tudo.    

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