terça-feira, 25 de novembro de 2014

Fábulas: # Guilhermino Constâncio, ou, A verdade e nada mais do que a verdade...


Guilhermino Constâncio gabaritava-se de ser o dono dessa fina espécie de escrúpulo em extinção cujo resumo poderia ser bem pintado como o compromisso primordial com a verdade e nada além da verdade. Aliado à ponderação matemática que cuida de somar isso mais aquilo para que desse isto sem pôr nem tirar quiçá pestanejar, Guilhermino Constâncio primava por perseverar entre o último dos dialéticos à serviço da corroboração fiel e imparcial dos fatos. E quando naquela manhã abriu o jornal e leu o seu nome impresso na sessão dos obituários do dia, correu para o espelho e certificou-se de que estava, de fato, vivo, haja vista que seria bastante improvável - a análise minuciosa das circunstâncias concordava com ele - que um defunto pudesse dar-se ao exercício de se dirigir ao espelho para certificar-se de estar morto (que o dirá vivo!), e de que, portanto, aquilo que publicavam não passava da mais pura e enfática mentira sedimentada sob patamares indiscutivelmente caluniosos o que acabara por injetar em Guilhermino Constâncio uma veia ruborizada de ira em sua testa que somente espocava em situações de extrema justificativa e na face daqueles que reuniam por direto jurídico estampar a indignação. Pensou em ligar para o jornal e pedir uma imediata retratação mas como ainda não havia batido aquelas primeiras horas da manhã que fazem tingir de luz os últimos arroubos silenciosos da madrugada, e concluindo com a exata parcimônia do raciocínio lógico que a redação do folhetim haveria de estar às moscas, coube à Guilhermino Constâncio, então, uma difícil decisão interna que culminou num ato de extrema hombridade que devolveria à ele a reputação perdida ainda que por quase insuspeitos instantes: debruçou-se no parapeito da varanda de seu apartamento e num átimo de segundo estufou o peito com aquela resoluta coragem só atribuída a quem usa o nariz para aspirar a justeza e, enfim, pulou para o vazio do nunca mais. No dia seguinte o mesmo jornal publicou em primeira página o passo a passo do suicídio, sem tirar nem pôr, e com a devida assepsia informativa dos acontecimentos pregressos até a culminação do ato fatídico. Algumas páginas adiante e lá estava, numa errata com letras diminutas e quase ilegíveis, as desculpas do redator pelo erro no obituário da edição da véspera. 

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