segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Fábulas: # O tal do senhor Américo que enxergava tudo ao pé da letra...


Era uma vez um tal de senhor Américo que levava tudo ao pé da letra. E tanto passou os seus dias a cheirar o calcanhar das sílabas, lixando as unhas sobressalentes das palavras, assoprando a poeira para que as frases pudessem passar e com isso poder ele, o tal do senhor Américo, olhar em minúcia acurada os parágrafos de baixo para cima exatamente como quem ajoelha-se e pede ao firmamento alguma luz que só cega e nunca abençoa, que, em virtude do nariz sempre prostrado, uma corcunda veio a se instalar bem no cume espinhoso do seu lombo há muito acostumado no dobrar-se, mas, como nunca o via, o cume espinhoso do lombo curvado, e, por conseguinte, a corcunda alojada no lombo curvado e espinhoso, a ela, a corcunda, não rendia homenagens ou reverências. Continuou a viver assim o tal do senhor Américo, mas só até o dia em que a corcunda exigiu a devida atenção que toda corcunda, hora ou outra, há de merecer ter, mas aí já era tarde demais para que o tal do senhor Américo pudesse analisa-la com seus olhinhos apertados e perspicazes. Morreu dando uma cambalhota, fruto do peso acumulado de suas certezas.



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