domingo, 17 de agosto de 2014

Fábulas: # O maestro e os aplausos


Um determinado maestro de nariz adunco e já avançado na velhice depois de ser fervorosamente aplaudido durante minutos intermináveis indo e vindo da coxia à boca de cena para dobrar respeitosamente a espinha dolorida pelas primaveras já tão avançadas no outono e mui vizinhas do ocaso invernal enfim depois de tanto repetir aquele trajeto na expectativa de que fosse a última vez e que o camarim o pudesse finalmente acolher no seu merecido descanso depois de haver descabelado-se na quinta de Tchaikovsky e já na iminência do arrefecer dos aplausos como um escoar final de água pelo ralo eis que nova enxurrada varria em eco a sala de concertos exigindo dele o seu retorno e lá ia o maestro de nariz adunco e já avançado na velhice até a boca de cena dobrar respeitosamente a espinha dolorida em sinal de agradecimento enfim cansado pela nonagésima vez de receber os louros barulhentos dos espectadores enfastiou-se daquele mar de espalmadas estrepitosas e mandou uma sonora banana para todos os que sumiam em uníssonos bravos e vivas e assim pôde finalmente acabar com aquela epopéia aclamatória e regozijar-se no silêncio de seu camarim solitário...


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