segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Fábulas: # O elevador indiscreto


Havia esse tal de elevador que não levava a lugar nenhum, ou, pelo menos, não a um lugar conhecido, já que, se entravam vivos e andando aqueles que usufruíam do tal elevador, quando as portas abriam-se, já estavam todos (Requiescat in Pace) estatelados ao chão e mortinhos da silva. Mais tarde descobriu-se que dentro do fatídico elevador existia uma dessas pequenas televisões de plasma pregada logo acima dos numerais dos andares, equipamento dedicado a transmitir as principais manchetes do dia, incluindo aí os altos e baixos da bolsa de valores e tendências da economia, ainda que nada disso interessasse aos que pisavam no tal elevador da morte. Sim, porque em dada altura da viagem, mais precisamente entre os andares 17 e 18, a tal televisão de plasma interrompia seu itinerário de efemérides cotidianas para projetar em sua película moderna a descrição de algumas das intimidades mais escabrosas e grotescas dos seus ocupantes, em alguns casos até mesmo recorrendo a fotos vexatórias para comprovar o que as palavras denunciavam. O assombro geral dava espaço a ojeriza, o que evoluía até a indignação, que baldeava no riso descriminatório do achaque alheio, que por sua vez encaminhava o comboio de emoções até o entreposto da denúncia, e que, por fim, na ideia de defender a honra até então inviolada longe daquela gaiola de alumínio movediça, chegava a mais brutal e convulsiva violência sangrenta. O curioso é que mesmo sabendo desse terrível estado de coisas o tal elevador nunca deixara de funcionar, havendo sempre um contingente interminável de passageiros sedentos por desnudar-se aos outros naquela diminuta lata de sardinha humana, e também, de ter a oportunidade de babar veneno nas idiossincrasias levianas do vizinho de sovaco. E, como todos sempre morriam, não se sabia quem estava com a razão.


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