terça-feira, 5 de agosto de 2014

Fábulas: # a capciosa arte de se fazer banquinhos de madeira...


Houve um tempo em que fazer banquinhos de madeira consistia em cortar a madeira na medida exata para que, havendo partes distintas de madeira, e uma vez encaixáveis e encaixadas, pudessem, enfim, e com algum esforço, dar forma a um banquinho de madeira. Mas chegou a teoria, e com ela toda uma digressão filosófica sobre o sentido e razão última embutidos no árduo ofício de se fazer banquinhos de madeira. E com a teoria vieram também os teóricos, todos eles compelidos, e preparadíssimos para tal, em convencer-nos de que fazer um banquinho de madeira exigia tais e quais requisitos mínimos, e, uma vez os tendo, fazia-se necessário, antes de fazer o banquinho de madeira, compreender as implicações éticas e morais incrustadas nessa tomada de decisão nada ingênua, e portanto longe de imparcial, que é optar por arregaçar as mãos, apanhar as madeiras, cortá-las em partes encaixáveis, e, encaixando-as, dar forma, finalmente, a essa coisa a que habituamos nomear como banquinho de madeira. Mas para cobrir esse tempo ocioso entre decidir fazer o banquinho de madeira e, de fato, fazê-lo, foi-se necessário o surgimento dos professores, essa espécie abastada que no passado polvilhou o mundo com uma infinidade de banquinhos de madeira, mas que, agora, cônscia da sua cristã tarefa de engolir o peixe para ensinar aos outros o como pescar, empresta-se ao abençoado martírio de esfregar o focinho do pupilo na madeira até que este se convença da necessidade de cortá-la em partes encaixáveis, e, uma vez encaixadas, e com um retumbante esforço, possa, finalmente, fazer um bendito dum banquinho de madeira, ainda que capenga e manco em uma das pernas na primeira tentativa, e feioso e sem charme nas demais. Assim, então, e graças a Deus, as escolas superiores de fazedores de banquinho de madeira foram abertas, todas elas concorridíssimas, formando um precioso elo de interessados em galgar a difícil porém gratificante arte que é a de fazer banquinhos de madeira, e que hoje anda tão relegada, infelizmente, ao segundo plano das urgências terrenas e metafísicas.


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