quarta-feira, 21 de maio de 2014

# Reviravoltas programadas: O professor enfastiado de literatices...


Era professor; sempre fora professor. Era o que lembrava ser desde o dia em que se soube alguém: um professor que galgava as horas empilhando tijolos da astúcia intelectual como se a sapiência formasse o cimento fundador de toda uma Babel de utilidade pública e íntima. Certa vez, já bastante acimentado na certeza de que o céu dos eruditos não é nada rarefeito de brisas refrigéreas em comparação aos que rastejam no limbo lamacento do chão batido, viu que o vigia da rua de terra por onde fazia desfilar seu carro feito tílburi puxado por alazões emplumados morrera de ataque repentino. Candidatou-se ao cargo. Desejava fortemente experimentar a filosofia dos que nada precisam falar, explicar, comparar, enfim, daqueles que existem simplesmente para mirar o nariz ao horizonte sem a obrigação de aspirar poesia onde rima alguma dá conta de rimar, senão o próprio tédio dos ares que embalam o fluxo ininterrupto da vida. A posse do novo cargo não foi ocasião digna de serpentinas pela vizinhança, ao contrário, houve quem lhe atribuísse certa espécie de demência acadêmica, moléstia que atinge especialmente aqueles que forçam demais a mente por longos períodos ininterruptos, eclodindo grave revolta do corpo que por tanto tempo vira-se atado à ditadura das sinapses dos miolos. A verdade é que silenciara por completo, preenchendo seus monólogos contemplativos com longas meditações sonolentas, vagares noturnos e trotes nada ágeis. Os vizinhos que o espiavam em sua nova labuta tomavam-o com pena, até mesmo despertando aquela espécie de piedade generosa que somente os miseráveis sem salvação podem acionar no pior dos engomados. Cercaram o ex-professor de afagos caridosos e polpudas cestas de guloseimas, e isso até a presente data, quando o novo vigia veio a juntar-se ao antigo, companheiros de piripaques repentinos e sócios em vai saber qual dimensão oculta.  

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