segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Click!... Emburreci!




Fui acometido por uma síncope, uma espécie de constipação das vias morais... estava eu a mofar no meu sofá, velho companheiro de suporte glúteo, quando de repente e sem qualquer anúncio prévio percebi-me tapado... mais do que tapado, uma toupeira de sangue puro, daquelas toupeiras que nasceram privilegiadas pelo pedigree dos idiotas. Pobre das almofadas coloridas, primas-irmãs do Atlas-dos-Traseiros, que no instante decisivo da minha transformação de filósofo-do-espírito-elevado para um moribundo-de-orelhas-de-abano, foram agarradas por essas mãos trêmulas, ávidas na desesperada tentativa de sustentar o último fio de inteligência que me restava. Pensei em alcançar o interfone e pedir ao porteiro alguma providencial ajuda, mas interrompi o ímpeto ao tomar consciência de que o funcionário-das-grades-eletrônicas não poderia fazer muita coisa a não ser rir da minha cara de anta recém graduada. Que desgraça é não haver um kit de primeiros socorros para ataques convulsivos de burrice, caixinha médica cujo desenho de um cérebro estaria incrustado numa face visível a todos os necessitados de uma injeção de massa cinzenta, e que contivesse uma espécie de desfibrilador neural capaz de chacoalhar os neurônios, fazendo-os retornar das suas férias no litoral baiano. Sozinho e desamparado, resignado pelo carimbo na minha passagem só de ida ao país dos cabeças-de-vento, resolvi, como última estratégia, sair à varanda e gritar a plenos pulmões a minha sentença funesta, na esperança de que alguém devolvesse uma palavra amiga ou de consolo, algo do tipo ‘Já vai tarde, seu acéfalo quadrúpede!’. Debrucei-me no parapeito da sacada ao lado da minha amiga samambaia, e antes de gritar qualquer coisa, abençoei a sorte daquela planta que viera ao mundo sem as estruturas formadoras da caixa craniana, esse cofre de osso que faz de todo mundo que o carrega um potencial aspirante à burrice. ‘Sou uma antaaaaaaaaaa!!!’, foi o teor inteligentíssimo do meu epitáfio gutural, mensagem sem criatividade alguma e respondida com um retumbante silêncio plácido dos eruditos, fatia humana que tem mais o que fazer do que prestar exéquias fúnebres ao único idiota que se descobre imbecil. Voltei para dentro da minha choupana elevada, nome carinhoso a que foi batizado o meu apartamento ainda nos dias áureos da minha atividade mental, e decidi tocar a campainha do vizinho, rosto cujas feições me eram tão conhecidas quanto às de qualquer desgraçado que atravessa à rua para comprar mamão na feira. Quer ocasião mais propícia para se conhecer um vizinho do que essa?  Um pedido de ajuda regado a chá com biscoitos em virtude da minha revoada forçada de ideias sapientes, conferindo ao interlocutor do lado de lá a fundamental tarefa de me botar dentro de uma ambulância para delegar a especialistas do reduto medicinal à cura da triste falência moral do qual virei portador. Eu ficaria contente com tal previsão da sequência dos acontecimentos caso não tivesse novamente um vislumbre do absurdo que seria a minha chegada numa triagem de emergência, deitado numa maca, cheio de convulsões e coágulos invisíveis, tentando convencer o Dr. Fulano de Tal de que o meu caso era realmente grave, gravíssimo, forte concorrente a um leito na UTI-dos-Asnos. Pobre de mim, quem disse que os hospitais estão preparados para tratar de tal enfermidade? Porque o que manda nesses prédios com cheiro de éter e de corredores que servem de desfile para a eterna moda Branco-Amém, é remendar as feridas do corpo, sendo razão suficiente para se lançar fogos de artifício quando um desvalido que entra em cadeira de rodas sai andando, dando piruetas para trás. Ora veja, erguer um sujeito nas suas duas pernas é um negócio pra lá de simples! Quero ver tratar do meu caso, perscrutar os interstícios misteriosos das proteínas formadoras desse vírus ou ameba da mentecapice que uma vez instalado no organismo suga o fluído do QI para níveis baixíssimos! Socorro! Eu exijo cuidados! Onde está a junta de pesquisadores altamente renomada no fenômeno instantâneo de perda absoluta da inteligência? Alguns poderiam dizer que estou maluco, receitando-me o mais conceituado dos psiquiatras para tentar restaurar a química dos miolos derretidos... vão lamber sabão, eu responderia! Eu não estou louco, aliás, muito pelo contrário: estou absolutamente são, tão equilibrado que não tenho problema algum em admitir que virei uma toupeira! Mais doentes do que eu são esses acadêmicos de terno e gravata que adoram sair por aí a divulgar diagnóstico do que acontece na soleira das suas portas para fora, já que quando o assunto é olhar no espelho, tratam logo de fazer uma careta de ‘ué’ para em seguida aplicar um desses cremes faciais anti-envelhecimento! Desisti do vizinho, enfiei-me debaixo do cobertor e peguei da minha estante o primeiro livro que o destino me fez escolher: ‘A Metamorfose’, a história de Gregor Samsa que acorda uma barata depois de uma boa noite de sono. Que coisa é a vida... enquanto o protagonista de Kafka se transforma numa barata-filosófica, porque a despeito da sua nova forma física o pensamento é preservado, eu, por minha vez, perco qualquer filosofia, mas não abandono o mesmo rebolado de antes, quando parecia inteligente. O saldo final de tudo isso é incerto, só sei que dormi... e acordei um gênio, afiadíssimo para lhes relatar essa história de falsa modéstia, de alguém que finge perder a razão para chegar à conclusão de que a razão sempre esteve com ele. E que razão magnífica! Bravo! Minha próxima reflexão será sobre a modéstia... e eu mal vejo à hora de aplaudir de pé o que eu próprio irei escrever. Quanto a vocês do outro lado da página... vão todos lamber sabão!      
  

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