quinta-feira, 5 de junho de 2014

Tragédias inesperadas: # O fim precoce do tragediógrado Sófilus Antónius.


Sobre a morte precoce do promissor tragediógrafo Sófilus Antónius muito se conjecturou; alguns metidos a filósofos diziam que a alma de Sófilus Antónius não era afeita a grandes emoções e por isso traindo o próprio dono ao surrupiar-lhe a flor da existência antes mesmo dos beija-flores sorverem seu necessário néctar bastante raro nesse mundo atual de zangões da arte; outros associavam a uma grave constipação intestinal seguida por uma irreversível hemorragia do trato excretor a moléstia que levou Sófilus Antónius a evacuar cedo demais para o anonimato privilegiado dos defuntos; enfim, tanto fazendo uma quanto outra hipótese – deixando a nós a imaginação de considerar outras tantas – o fato mesmo é que o tragediógrafo Sófilus Antónius morreu antes disso, e foi mesmo de desgosto profundo, isso porque logo na sua peça de estréia, cujo destino quis que fosse também a última, Sófilus Antónius capturou um único embora grave erro do protagonista que ao invés de urrar o típico ‘Ai de mim’ das personagens já a beira do abismo fatal incluiu um ‘s’ inexistente, talvez por uma sibilação involuntária em razão do cansaço bastante compreensível de quem já por tantas horas carregava nas costas o piano das dores metafísicas, soltando um curioso ‘Sai de mim!’ e dando a entender, embora o texto de Sófilus Antónius, jamais quisesse dizer isso, que houvesse um encosto a grudar na alma da personagem sendo justamente ele (ou ela), esse tal encosto invisível, o responsável por todas as agruras que originalmente encosto nenhum, senão o destino, era responsável por causar. Imediatamente, ao ouvir a evocação demoníaca do pobre protagonista, Sófilus Antónius, devidamente postado em seu camarote no teatro, soltou uma tremenda gargalhada interrompendo imediatamente o espetáculo até o instante em que o autor da interferência fosse retirado a força da sala para a continuidade da encenação, terminando ela sem maiores intercorrências e tampouco sem a percepção do público para aquilo que só o tragediógrafo Sófilus Antónius pôde notar, a tal da sibilação criminosa que fizera toda sua peça naufragar, pelo menos para ele, num único estalo de dedos. Nunca mais conseguiu escrever texto dramático algum, e nas vezes em que ia ao teatro para procurar inspiração em peças de autores diversos inevitavelmente rompia em risadas extravagantes em momentos nada risíveis, lembrando do evento fatídico responsável por arruinar toda uma primavera promissora.

Obs: o ator autor do sibilo involuntário continua sua profícua carreira nos palcos.


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