segunda-feira, 24 de março de 2014

Discursos emblemáticos feitos através dum microfone de alcance necessário para efeitos de repercussão pública: # A besta-fera que dormita por debaixo dos vossos pés...



Senhoras e senhores, tomo um instante da vossa atenção nesse momento de aparente calmaria para comunicar que um monstro dormita por debaixo dos vossos pés. Monstro cujo bafo já foi sentido há algum tempo por nossos ancestrais, eles sim, vítimas contumazes do monstro que agora dormita por debaixo dos vossos pés. E, sabendo por conclusões efetivas que ele está aqui, porque isso é fato inconteste senhoras e senhores: há de fato esse monstro, todo ele feroz e ávido por despertar de seu cochilo invernal para vos atacar sem qualquer misericórdia ou sentido de respeito, é dever nosso, primeiro: saber que ele existe, ele, o monstro, e, posteriormente, tendo a absoluta consciência de que o que dormita por debaixo dos vossos pés está longe de representar uma figura de linguagem ou metáfora construída para vos deixar arrepiados de medo, enfim, cônscios de que a coisa está lá, ou bem aqui, por debaixo dos meus pés e dos vossos também, feroz e amortecida temporariamente, roncando em um intervalo que não sabemos o quanto irá durar, engendrar portanto, senhoras e senhores, todos os esforços possíveis e cabíveis para que o monstro mau, senão morto e escalpelado por cada uma de vossas corajosas mãos, ao menos permaneça na situação tal qual agora, nesse exato instante em que nos comunicamos, se encontra: dormitando tenazmente por debaixo dos vossos pés. Agora, volto a dizer - porque é importante que se diga quantas vezes seja necessário se dizer (esse assunto é de urgente demanda, senhoras e senhores!) - se ele, o monstro em questão, não vos é visível nesse exato momento em que nos comunicamos, é justamente porque ele (ora veja, evidência mais do que loquaz e irrefutável, senhoras e senhores!), é porque ele, como já bem o dissemos, dormita, e dormitando está e permanece, e bem debaixo dos vossos pés, é isso o que vos digo: é da natureza desse monstro sumir por debaixo da coberta da vida, o que não significa que ele não exista, já que a sua invisibilidade é mais uma estratégia do que outra coisa... e se digo o que digo é porque havemos de descobrir uma maneira de não acordá-lo, porque uma vez desperto, senhoras e senhores, não queriam saber do que esse tal monstro que dormita por debaixo dos vossos pés seria capaz de perpetrar contra essa calmaria, ou aparente calmaria, em que todos nós podemos nos dar ao luxo de frequentar por esses breves e rarefeitos intervalos de paz. E ainda que ninguém nunca tenha visto esse monstro desperto, só os nossos ancestrais o tiveram enfrentado em tal condição, é de minha responsabilidade alertar-vos da sua existência, e, senhoras e senhores, saibam também que qualquer recusa de vossa parte por considerar essa inconteste evidência: a de que o monstro invisível existe e está lá, ou aqui, bem debaixo dos vossos pés (e do meu também), significa corroborar ou até mesmo atiçar a besta-fera a voltar do seu sono reparador para que, assim como houve por registro um dia – sabe-se lá quando -, ele, o monstro, ganhe o aval de agir como agiu: matando, explorando, seviciando cada um dos nossos pares que em épocas remotas sofreram nas garras dessa entidade nefasta que hoje, agora, descansa tal qual um vulcão, misterioso em quando haverá de por em prática a sua nova e bastante possível futura investida. Pensem nisso, senhoras e senhores, e muito obrigado por vossa prestimosa atenção.

(Aplausos)

Fim da transmissão.




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