quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
Homenagem ao teto...
Agora, deitado em minha cama e de papo pro ar, homenageio o teto do meu quarto com a delícia dessa espécie de pensamento que sei não vingar em nada de concreto no dia de amanhã. Torço as pontas do meu bigode, exultante, feliz por deliberar sobre tudo o que não presta para qualquer tipo de mudança na ordem das coisas, mas que me ajuda a perder-me nas encruzilhadas de ideias nunca acabadas... e nessa inutilidade vou sentindo-me cada vez mais útil, até a hora em que o sono venha decretar oficialmente o fim de tão tumultuado expediente.
OS CUSTOS DE UMA VIAGEM QUE NUNCA SE FAZ!
Se a ideia é viajar, esqueça do ser viajante, e ponha-se imediatamente na estrada! Viaje logo, antes que a viagem se perca na ideia de viajar...
Porque hoje se dedica eternidades a preparar quem se viaja, ao custo grave de nunca viajar, sempre prorrogando o movimento para certificar-se de que quem o fará está devidamente preparado para os riscos que a jornada lhe irá convidar!
Mas quais riscos se a jornada nunca se dá? Que tipo de loucura é essa que envolve tudo e todos numa redoma, na iminência de se dizer: vá! Mas nunca de fato partir?
Quem adia a partida, jogando flores e acenando em despedida ao mundo que ainda não deixou, atrofia os músculos, virando no máximo um turista da própria vizinhança.
Era uma vez a minha casa, e quem a habita sou eu... esse é o meu jardim, a oitava maravilha do mundo em matéria de canteiros ajardinados - está aqui a minha margarida plastificada que não me deixa mentir!
Abandone o ser viajante! Se a ideia é viajar... viaje sem demora! Já, agora! Tenha a coragem e a bravura de exilar-se, e não perca tempo em carimbar passaporte nenhum!
Vaidade, somente vaidade travestida de cuidados extremos na instrução de alguém que poderia desenvolver o potencial para atravessar oceanos, mas que acaba por virar um mimado-babão, mal conseguindo escovar os dentes sem consultar um manual, na terrível expectativa de se afogar na espuma de eucalipto-fresh!
Ora, como se uma paisagem, uma alameda de árvores, um rio sinuoso, a textura branca da neve não merecessem mais atenção do que os pacotinhos embrulhados que vão na mochila do sujeito que deseja viajar.
Muitos mapas, muitas orientações, infinitas sessões de terapia para acalmar os ânimos sem que os ânimos sejam de fato testados.
Perde-se tempo precioso no exercício vaidoso de pentear os cabelos antes de deixar que o vento o embaralhe.
E nesse entreato autopiedoso, adia-se a viagem! Na justificativa de garantir o preparo de uma travessia, não se atravessa nada. Fica-se no mesmo lugar, num eterno dizer: já vou indo sem nunca ir.
Preparar uma viagem não custa mais do que uns breves alongamentos, o suficiente para as panturrilhas tomarem ciência das contrações que virão a seguir... o restante a própria estrada dará conta de aferir.
Se colocar em viagem é a única solução para se descobrir como viajar.
E andando para não-sei-onde, porque o próprio destino é o ato de viajar quem irá decifrar, ir percebendo aos poucos que espécie de viajante é esse que um dia decidiu partir.
Ponha-se logo na estrada, e sofra os riscos inerentes a todo aventureiro que se permite viajar.
Hoje, não se quer mais viajar, não se deseja mais ir de um lugar ao outro, um simples calçar os sapatos e tratar de enfrentar as intempéries do destino...
Hoje, cumpre-se, ao contrário, o desejo gigantesco de encampar epopéias até a lua, alegando que ao ser que viaja importa entender a sua enorme responsabilidade de viajar.
Eis um novo tipo de desbravador: o viajante de academia! Prepara-se até a exaustão para partir, mas morre no mesmo lugar.
Odes e vivas ao nosso novo Marco-Polo de diplomas! Vestem até capacete sideral no pobre coitado que mal tem forças para ir até a padaria da esquina, chupar um picolé de limão.
Antes de viajar, viaje! Escute o barulho dos pés pisando no chão! Sinta o vento no rosto! Passe frio! Sue de calor!
É a viagem que faz o viajante. Quem se prepara para ela nunca a vive, vivendo plenamente para discursar a respeito da própria coragem que nunca existiu... ou, talvez, tenha existido, só que para justificar o porquê se é corajoso, sem nunca ter tido coragem.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Click!... Emburreci!
Fui acometido por uma síncope,
uma espécie de constipação das vias morais... estava eu a mofar no meu sofá,
velho companheiro de suporte glúteo, quando de repente e sem qualquer anúncio
prévio percebi-me tapado... mais do que tapado, uma toupeira de sangue puro,
daquelas toupeiras que nasceram privilegiadas pelo pedigree dos idiotas. Pobre
das almofadas coloridas, primas-irmãs do Atlas-dos-Traseiros, que no instante
decisivo da minha transformação de filósofo-do-espírito-elevado para um
moribundo-de-orelhas-de-abano, foram agarradas por essas mãos trêmulas, ávidas
na desesperada tentativa de sustentar o último fio de inteligência que me
restava. Pensei em alcançar o interfone e pedir ao porteiro alguma providencial
ajuda, mas interrompi o ímpeto ao tomar consciência de que o funcionário-das-grades-eletrônicas
não poderia fazer muita coisa a não ser rir da minha cara de anta recém
graduada. Que desgraça é não haver um kit de primeiros socorros para ataques
convulsivos de burrice, caixinha médica cujo desenho de um cérebro estaria incrustado
numa face visível a todos os necessitados de uma injeção de massa cinzenta, e
que contivesse uma espécie de desfibrilador neural capaz de chacoalhar os
neurônios, fazendo-os retornar das suas férias no litoral baiano. Sozinho e
desamparado, resignado pelo carimbo na minha passagem só de ida ao país dos
cabeças-de-vento, resolvi, como última estratégia, sair à varanda e gritar a
plenos pulmões a minha sentença funesta, na esperança de que alguém devolvesse uma
palavra amiga ou de consolo, algo do tipo ‘Já vai tarde, seu acéfalo
quadrúpede!’. Debrucei-me no parapeito da sacada ao lado da minha amiga
samambaia, e antes de gritar qualquer coisa, abençoei a sorte daquela planta
que viera ao mundo sem as estruturas formadoras da caixa craniana, esse cofre
de osso que faz de todo mundo que o carrega um potencial aspirante à burrice. ‘Sou
uma antaaaaaaaaaa!!!’, foi o teor inteligentíssimo do meu epitáfio gutural,
mensagem sem criatividade alguma e respondida com um retumbante silêncio
plácido dos eruditos, fatia humana que tem mais o que fazer do que prestar
exéquias fúnebres ao único idiota que se descobre imbecil. Voltei para dentro
da minha choupana elevada, nome carinhoso a que foi batizado o meu apartamento
ainda nos dias áureos da minha atividade mental, e decidi tocar a campainha do
vizinho, rosto cujas feições me eram tão conhecidas quanto às de qualquer
desgraçado que atravessa à rua para comprar mamão na feira. Quer ocasião mais
propícia para se conhecer um vizinho do que essa? Um pedido de ajuda regado a chá com biscoitos
em virtude da minha revoada forçada de ideias sapientes, conferindo ao
interlocutor do lado de lá a fundamental tarefa de me botar dentro de uma
ambulância para delegar a especialistas do reduto medicinal à cura da triste
falência moral do qual virei portador. Eu ficaria contente com tal previsão da
sequência dos acontecimentos caso não tivesse novamente um vislumbre do absurdo
que seria a minha chegada numa triagem de emergência, deitado numa maca, cheio
de convulsões e coágulos invisíveis, tentando convencer o Dr. Fulano de Tal de
que o meu caso era realmente grave, gravíssimo, forte concorrente a um leito na
UTI-dos-Asnos. Pobre de mim, quem disse que os hospitais estão preparados para tratar
de tal enfermidade? Porque o que manda nesses prédios com cheiro de éter e de
corredores que servem de desfile para a eterna moda Branco-Amém, é remendar as
feridas do corpo, sendo razão suficiente para se lançar fogos de artifício
quando um desvalido que entra em cadeira de rodas sai andando, dando piruetas
para trás. Ora veja, erguer um sujeito nas suas duas pernas é um negócio pra lá
de simples! Quero ver tratar do meu caso, perscrutar os interstícios
misteriosos das proteínas formadoras desse vírus ou ameba da mentecapice que
uma vez instalado no organismo suga o fluído do QI para níveis baixíssimos! Socorro!
Eu exijo cuidados! Onde está a junta de pesquisadores altamente renomada no
fenômeno instantâneo de perda absoluta da inteligência? Alguns poderiam dizer
que estou maluco, receitando-me o mais conceituado dos psiquiatras para tentar
restaurar a química dos miolos derretidos... vão lamber sabão, eu responderia!
Eu não estou louco, aliás, muito pelo contrário: estou absolutamente são, tão
equilibrado que não tenho problema algum em admitir que virei uma toupeira!
Mais doentes do que eu são esses acadêmicos de terno e gravata que adoram sair
por aí a divulgar diagnóstico do que acontece na soleira das suas portas para
fora, já que quando o assunto é olhar no espelho, tratam logo de fazer uma
careta de ‘ué’ para em seguida aplicar um desses cremes faciais
anti-envelhecimento! Desisti do vizinho, enfiei-me debaixo do cobertor e peguei
da minha estante o primeiro livro que o destino me fez escolher: ‘A
Metamorfose’, a história de Gregor Samsa que acorda uma barata depois de uma
boa noite de sono. Que coisa é a vida... enquanto o protagonista de Kafka se
transforma numa barata-filosófica, porque a despeito da sua nova forma física o
pensamento é preservado, eu, por minha vez, perco qualquer filosofia, mas não
abandono o mesmo rebolado de antes, quando parecia inteligente. O saldo final
de tudo isso é incerto, só sei que dormi... e acordei um gênio, afiadíssimo
para lhes relatar essa história de falsa modéstia, de alguém que finge perder a
razão para chegar à conclusão de que a razão sempre esteve com ele. E que razão
magnífica! Bravo! Minha próxima reflexão será sobre a modéstia... e eu mal vejo
à hora de aplaudir de pé o que eu próprio irei escrever. Quanto a vocês do
outro lado da página... vão todos lamber sabão!
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
POR QUE OS BUEIROS EXPLODEM? Parte 1 – A Premissa.
Analisando a pauta das questões urgentes cuja causa cada
qual à sua maneira periga balançar a dignidade salutar desse nosso
Estado-Civilizado-de-Direito-Maior não há qualquer dúvida de que o mistério
sobre a razão circunstância motivo ou sabe-se-lá-o-quê do porquê-os-bueiros-explodem
configura o principal assunto a ser tratado em reuniões públicas e privadas
para que tão rapidamente uma explicação adequada seja dada para fenômeno tão curioso
e ao mesmo tempo tão ofensivo naquilo que se refere ao potencial provável de
destruição que uma tampa voadora poderia oferecer não só aos passantes que por
ventura estivessem transitando nas cercanias do objeto ejetado como também ao
ferimento dos princípios éticos e morais de uma constituinte que não prevê em
qualquer um dos seus artigos publicados o direito inviolável que todo
cidadão-de-bem tem de se esquivar de qualquer circunferência metálica à serviço
de uma trajetória parabular e imprecisa pelos ares circunscritos ao perímetro
da federação.
Muito bem! Diria o cidadão comum não afeiçoado aos
procedimentos de resolução para regimes de crise emergencial dessa nossa nação
- muito mais importante do que deliberar sobre
tampas-aéreas-de-projeção-desconhecida seria avaliar a razão motivo
circunstância ou sabe-se-la-o-quê do porquê-as-vacas-malhadas-mugem-nos-dias-ímpares
ao invés dos dias pares quando [curioso!] decidem por livre e espontânea
vontade fazer greve na sua produção leitífera fato extremamente inquietante haja
vista que nenhum cientista dos cânones acadêmicos teve até agora a pachorra de
desperdiçar tempo averiguando num Pós-Doc financiado pela CAPES essa
curiosíssima relação que nos diz que vacas-malhadas-mugideiras são aquelas que
produzem leite e por conseguinte vacas-malhadas-mudas são aquelas que além de
mudas e malhadas são também vacas travadoras-de-tetas-lácteas! Ora se a relação
do mugir-ou-não-mugir [eis a questão] bem como a do verter-leite-ou-não-verter
[eis uma segunda questão] tem relação direta com os números do calendário
romano seria de bom tom ampliar as redes investigatórias de forma a promover
encontros entre as tais vacas-malhadas com astrólogos-matemáticos-físicos-e-veterinários-psicólogos
uma vez que sanada tal pendenga o leite-nosso-de-cada-dia bem como o
mugido-seu-quem-pediu-não-fui-eu poderia garantir um abastecimento sistemático
de lactose para todos nós em especial para os bebês desmamados que sem as tetas
das vacas teriam de recorrer ao famoso ditado Vai Mamar no Boi! Ora ainda que com
as vacas-albinas a coisa se dê de maneira inversa trocando a relação
mugido-leite pela variante dias-pares-ímpares-do-calendário-Maia não iremos nos
alongar nesse departamento haja vista que não somos agrônomos e tampouco
vacólogos para mergulharmos em ruminações nessa importante mas não urgente
questão...
Voltemos como diria Voltimando um personagem shakespeariano:
Porque-os-bueiros-explodem [???] é o que nos interessa embora nunca chegou a de
fato nos interessar até o momento em que começaram a explodir o que já nos
indica que algo de anormal ocorreu uma vez que tampas de bueiros normais
deveriam não explodir para virar tampas-voadoras mas permanecer tampando os
bueiros tal qual uma tampa de panela que como o nome já diz não tamparia nada
não fosse a sua respectiva panela existir para ser tampada ENFIM mas não por
fim (........) a abertura de documentos secretos do governo nos dá uma
importante dica no que diz respeito ao mistério sobre a razão circunstância
motivo ou sabe-se-lá-o-quê do porquê-os-bueiros-explodem elencando em ordem não
alfabética uma lista de possíveis culpados desse crime se é que se pode
qualificar de crime um delito nunca antes qualificado como tal haja vista que
só vai para a cadeia aquele que se encaixa ou melhor desencaixa nas normas
previstas em lei e uma vez não havendo desencaixe nessa questão de tampas
voadoras há que se rever o código penal a tempo de dar o devido castigo ou
prêmio aos culpados ou responsáveis pelo feito de decolar esferas metálicas no
espaço aéreo circunscrito pela federação...
Senhoras e senhores o primeiro suspeito de perpetrar tal
curiosa notícia que recentemente foi manchete nos principais jornais {EXTRA!
EXTRA! BUEIROS EXPLODEM FAZENDO SUAS TAMPAS VOAREM PELOS ARES} é justamente o
gerente das linhas telefônicas cuja malha de fios interurbanos encontra-se
devidamente aterrada por debaixo da terra e em contato direto com os bueiros ao
qual constantemente nos referimos até aqui [!] Portanto sem mais delongas vamos
ouvir ou melhor ler o depoimento desse empresário do alô em resposta a
possíveis acusações temerárias à sua reputação largamente construída através
dessa maldição moderna chamada telefone...
Continua...
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
Ao lado da guarita, uma casinha de cachorro... e dentro, um cachorro.
Ao lado da guarita do Guarda, bem ao lado desse caixote de
concreto com uma janelinha de vidro incrustada no meio para que o homem que
está lá dentro possa nos proteger dos outros de nós mesmos que estão do lado de
fora, vizinho a esse bunker mal ajambrado que pinga nas esquinas das nossas
ruas e faz nos fingir mais seguros, bem ali do lado, irmã-caçula da construção
maior e colada a ela, está a casinha do cachorro. De teto de lona de plástico
ou de telha, elevada por tijolos do chão úmido ou forrada por jornais de ontem,
de alvenaria ou mesmo de restos assimétricos de tábuas largadas por aí, ao lado
da guarita do Guarda está sempre ela, a casinha do cachorro. E dentro está ele,
o cachorro. De olhos semicerrados e orelhas dobradas ao meio formando setas que
apontam para destinos contrários, misturando uma cor na outra sem qualquer
cerimônia estética típica dos primos de pedigree, no alto da postura altiva da
sua viralatice respeitosa, como uma esfinge congelada pela nobreza dos sortudos
que nasceram com focinho ao invés de nariz, o cachorro jaz sentado sobre as patas
traseiras na função de proteger quem nos protege. Lá dentro da casinha
permanece ele, e sem desmontar a figura emite um breve suspiro de alívio que
faz inflar seus pequenos pulmões num convite tentador para esparramar em
definitivo o papo ao chão e dar adeus ao árduo ofício de vigiar quem nos vigia.
Mas o cachorro resiste. Quem o visse de longe poderia confundi-lo com uma
sentinela de cera, inerte na mesma postura de sempre, com aquele rosto de fiel
escudeiro semiencoberto pela sombra projetada pelo teto da frágil moradia. Mas
o cachorro não parece se importar com a imagem que produz na mente dos
passantes, e ainda que tivesse consciência do que dizem ou pensam, responderia
que a condição de cachorro-estátua lhe cai muito bem no exercício de zelar por
aquele que o alimenta e vez ou outra o afaga no cocuruto. Ora bolas, um
cachorro estátua! Pensa o cachorro sem mover um milímetro do seu perfil de
mármore, que tipo de gente vocês são para denegrir os sujeitos de quatro patas
como nós? Vivem por aí zanzando de um lado para outro e acabam sempre voltando
para o mesmo lugar! E mesmo que não falasse para ser ouvido, o cachorro tinha
razão. A rua era uma passarela de trânsito previsível, as mesmas pessoas
passavam por ela para ir ou voltar de lugares que já tinham ido não sei quantas
vezes, e voltado outras tantas infinitas. Se há a necessidade de ir, porque ao
chegar não ficar de vez? E se quiserem voltar, que voltem para sempre. Isso sem
contar aqueles semáforos e sinais de trânsito que organizam um fluxo de
formigas paranóicas, condenando o pobre diabo que fugir do combinado a virar
assassino ou cadáver. E se ainda toda essa gincana fosse brincada no
silêncio... mas a regra é estourar o tímpano do vizinho. O que dizer então da
obrigação, tão esquizofrênica quanto às outras, de fingir que cada dia é um dia
diferente? E dá-lhe um repertório incrível de fantasias e argumentos para
convencer o mundo de que as cartas ainda não estão dadas, exigindo que cada um
construa um teatro próprio na intenção de protagonizar uma farsa mesquinha de
expectativas, futricas e vaidades: Fulaninho foi promovido, Sicrano traiu a
esposa, Beltrano está terrivelmente aborrecido com a sua ausência na festa de
aniversário da filha... uff! Não basta simplesmente viver para ser feliz com o
quinhão de felicidade que já está ao alcance das mãos, ou das patas,
considerando o meu caso? É isso mesmo! Sou um cachorro-estátua! Não vou a lugar
nenhum porque aqui já está ótimo. Que fiquem vocês com suas consciências
elevadas, a mim não importa nada disso. [PAUSA] Finalmente o cachorro ajeita-se
dentro da casinha e deita, o focinho virado para dentro... a mensagem é clara:
‘chega! Vocês me cansam com toda essa filosofia chinfrim!’... Mais um suspiro
canino. Dentro da guarita o Guarda prepara-se para o período noturno e acende
uma luz amarela que ilumina precariamente o curto espaço em que habita sentado,
mas o suficiente para provar que ele está lá, pronto para nos proteger de
outros de nós mesmos. Um pássaro solta uma espécie de guincho ao longe e o
cachorro, sábio na literatura dos ruídos, somente amplia um pouquinho mais a
fresta mínima do seu olhar de detetive à paisana num reflexo de quem sabe que
aquilo que está no céu é incapaz de ameaçar aquele que dentro da guarita imita
a mesma postura preguiçosa do seu Sancho Pança de rabo abanante. Se não fosse
pelo meu dono eu desistiria dos humanos, pensaria o cachorro caso pudesse
pensar... O dia cai depressa e a rua sem pressa insiste em prever adiante mais
uma jornada semelhante à anterior - uma sucessão ininterrupta de idas e vindas
de carros e pedestres, às vezes na garupa de uma bicicleta, numa carona de
vigília sem fim, à espreita dos ponteiros que avançam porque foram instruídos a
avançar. E lá fica o cachorro dentro da sua casinha, um totem de bigodes que
tudo vê sem nada interferir, dessa vez deitado, pronto para dormir... e dorme.
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
O CAMINHO DAS PEGADAS AUSENTES...
A poucos metros da casa onde eu nasci, bem no meio de um
espaço espremido pelas casas que não existiam na época em que eu próprio me dei
conta de que existia, resiste uma pequena alameda esquecida pelo tempo. Digo
errado, não é bem uma alameda, dessas abençoadas por árvores portentosas que se
vê em filmes ou em retratos de viagens, mas um simples caminhozinho ladeado por
um jardim também curto e interrompido no seu limite pelos muros das
propriedades fronteiriças. Quarenta, cinquenta metros no máximo, constituem a
espinha dorsal dessa faixa que numa das pontas encontra-se com a rua, e, na
outra, dá de cara com um portão de ferro enferrujado, lambido precariamente por
uma tinta que um dia já foi da cor verde, e hoje chora o descaso em forma de
lascas afiadas e escurecidas pela ação do sol e da chuva. Qualquer um poderia
inferir que o tal caminhozinho já não servia mais ao seu propósito original de
oferecer-se ao caminhar, batizando como maluco o sujeito que escolhesse se aventurar
por uma superfície coberta de musgos, raízes e toda sorte de matéria orgânica
feita especialmente para interromper o ritmo cadenciado das pegadas de alguém. Enfim,
não muito distante daqui de onde escrevo, jaz silencioso esse pedaço de terra
há muito tempo abandonado sabe-se lá por qual razão. E sobre isso não há o que
duvidar, uma vez que é o próprio transcorrer vagaroso do tempo que vemos
materializado em cada ramo contorcido de uma vegetação que só conseguiu chegar
até onde está graças à recusa das mãos humanas. Na bem da verdade, um
transeunte anônimo que por ventura estivesse caminhando pela rua, muito
provavelmente não renderia homenagens a esse nicho desorganizado e todo
emaranhado por um verde inimigo dos jardineiros e cuidadores de paisagens. Mas
outro transeunte, dessa vez um transeunte atento e curioso, poderia muito bem perceber
a beleza que brotou desse oásis estrangulado bem no meio da civilização. Foi o
que sucedeu a mim. Numa de minhas corridas matinais, antes de apertar o passo e
virar à esquerda em direção ao parque municipal cuja calçada serve de tapete
aos interessados em queimar calorias, decidi parar e adentrar aquele território
proibido. Sem o auxílio de qualquer trilha sonora diferente do arfar da minha
respiração, destituído de câmeras especiais que pudessem projetar meu olhar
fora do alcance que a natureza já lhe deu a cumprir, longe da magia fantasiosa dos
efeitos especiais, senti-me dentro de um filme. Ali, à distância de poucos
passos de onde eu acabara de estar, as fronteiras de um novo mundo se faziam
erguer – a densidade do ar que não respeitava à ânsia inalante dos nossos
vigorosos pulmões, a vibração de um diapasão enclausurado em um perímetro que
não conhecia a tagarelice de nossas gargantas, o cheiro virgem que rememorava
às eras primitivas que mal podiam prever a quantidade de aromas artificiais que
seriam povoados por nossas indústrias de sabores, a vagarosidade de uma
superfície não orientada pelo tic-tac alucinado das horas que caminham adiante
sem nunca estacionar ou voltar atrás... tudo isso virava um enredo deslumbrante
de sensações concretas, nada imaginárias, ao alcance de um sujeito que
resolvera por algum motivo abandonar a maquete urbana da qual era filho
legítimo. E foram somente alguns passos, poucos e decisivos passos para uma
mudança radical e brutal. Fui embora depois de breves segundos, trotando para
cumprir a meta saudável de colocar o corpo em movimento, mais uma das muitas
metas auto-impostas por uma consciência viciada nas demandas sociais. Mas,
conforme a experiência dos prazeres transformadores da vida, a brevidade do que
é efêmero é mais do que suficiente para deixar marcas indeléveis em qualquer
camada sensível da pele – e é justamente pela superfície da pele que é possível
resistir às paisagens organizadas para, vez ou outra, permitir-se pisar em solo
instável, todo ele virgem em mistérios...
domingo, 13 de janeiro de 2013
TU ÉS UM INTELECTUAL!
O golpe doeu. Acusaram-me de intelectual! ‘Tu és um
intelectual’, foi o puxão dolorido de orelhas que recebi ao admitir que era um
fiel espectador do Big Brother Brasil. Fui à lona, quase como um pobre coitado,
vítima dum tabefe do Anderson Silva – UGH!
Preferia ter sido chamado de cafajeste, facínora, tocador anônimo de
campainhas, larápio-de-virgens-puras, malandro-do-beco-da-aflição, sei lá!
Acusem-me de qualquer coisa, menos de ‘intelectual’ – ‘Tu és um intelectual!’
Mentira, não foi assim que ocorreu o conluio difamatório à minha dignidade!
Ninguém usa a segunda pessoa do singular para promover um xingamento, isso é
coisa de gente intelectual que quer rebuscar o ocorrido ao povoar com firulas
gramaticais um simples (mas potente) ato cotidiano! Santo Deus, seria eu um
intelectual? Não! Tornar-se intelectual é o último grau de degenerescência que
um pobre diabo poderia alcançar em vida (degenerescência? Hummm... palavras com
mais de duas sílabas são munições típicas de intelectuais pós-graduados, todas
armazenadas no paiol da erudição vocabular). Data Máxima Vênia, vossa
excelência, permita-me refutar a acusação! Não sou droga de intelectual nenhum!
A despeito de todos os meus defeitos, ainda procuro ser um bom menino, e se sou
perigoso, só o sou contra mim mesmo, na minha tranqüila e frugal qualidade de
misantropo hipocondríaco. O intelectual, ao contrário, é o sujeito mais temido
pela ordem pública, é ele quem assume para si a responsabilidade de ser
inteligente e, com isso, divulgar o exemplo da sua mente elevada como parâmetro
de conduta para o restante dos humildes detentores de cabeças menos gabaritadas
– ‘Vinde a mim, ó súditos sonhadores de becas acadêmicas!’. Claro que sou
inteligente, do contrário seria burro, e para ser burro basta nascer.... não
teria a vida desafios mais interessantes do que nascer burro e morrer burro?
Não, não, vossa excelência deve admitir que a inteligência não é uma qualidade
moral, mas um passatempo dos curiosos, um fardo divertido que cada um deveria
se responsabilizar por vestir sem que houvesse nenhuma pressão para tal. O
intelectual não! O intelectual se prepara para ser intelectual no desejo de
intelectualizar o próximo, muito mais na ânsia de ser aplaudido no púlpito da
sapiência, é verdade, do que qualquer outra benevolência altruística, mas,
ainda assim, o intelectual faz pose de intelectual, e eu, excelência, tenho
como princípio desconfiar de todo mundo que queira me dizer como me portar,
ainda que o companheiro de luta tenha as melhores intenções para comigo! Não,
não! A minha inteligência é sinônimo de combustível que alimenta a
desconfiança, e é com ela que eu fujo peremptoriamente - humm que palavra mais
intelectual essa! – da tentação pela verdade. Eu leio muito, vossa excelência,
mas não o tanto que gostaria de ler, e se leio num primeiro momento na intenção
de entender melhor o nosso mundo, ultrapasso rapidamente esse espelho fiel da
vida para incorrer num movimento inverso de fuga de tudo o que é real e
comprovável como teoria. Fujo da verdade como o diabo foge da cruz. Eu gosto da
ficção, excelência! Gosto dos fabuladores, dos produtores de fantasia, eu gosto
do teatro, da mentira e da fraude, porque é nesse lugar de mistério sem solução
que eu posso regozijar-me de rir dessa massa de intelectuais que corre atrás do
próprio rabo ao achar que existe uma maneira eficiente de se higienizar a
miséria humana! Se Deus falhou com os seus dez mandamentos – pobre do Moisés –
seria eu, excelência, um reles apreciador das azeitonas verdes, o portador da
boa nova? Ah não! Longe de mim! Eu deprecio qualquer tipo de evangelho e tenho
um prazer enorme de afugentar todo e qualquer cordeirinho que queira me seguir
pelos campos verdejantes dessa vida! Vá procurar outro cajado que o meu eu uso
pra brincar de equilibrar na ponta do meu nariz! Eu chafurdo na lama da
incoerência, não guardo no bolso nenhuma equação de causa e efeito e transito
sem problema algum no meio de tudo o que qualificam como ‘intratável aos
parâmetros da boa formação’. ‘Tu és um intelectual’ – cuidado com os
intelectuais! Os intelectuais das artes, então... são os piores! Saem por aí a
divulgar a cartilha do gosto estético, filipetando manuais do sucesso e da bem
aventurança social. Saravá! Data Máxima Vênia, vossa excelência! Na minha humilde
palhoça existencial, na qual habito sem nenhuma pretensão de torná-la um
condomínio, eu vivo cada dia na ideia de menos saber, menos ter certeza... não
é fácil e as dúvidas são muitas! Mas se há uma convicção comigo é a de que eu
não sou droga de intelectual nenhum!
Agora, com todo respeito, estou indo comprar o Pay-Per-View
do BBB13!
Obs: LUTO – Bam-Bam desistiu!
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