quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Armo a minha rede e aqui fico...



No saldo do novelo de obrigações costurado pelas demandas do mundo há que se desenvolver o tédio, essa resposta de ondas mansas que não se afeta com nenhuma maré de atribulações visíveis... o tédio é necessário e urgente para dar conta do que é invisível e interior – e é no dentro que o movimento deve estar prenhe de latência. Um dentro inútil, só dele, sem urgência alguma de mostrar-se eficiente. Ah, que sono terrível das equações de causa e efeito que nos ensinam a tabular desde que deixamos a idade infantil para galgar os Alpes da obtusidade adulta; quanta miséria de propósito tem em si a expectativa de passar adiante um recado que não lhe foi outorgado autoria, mas cujo simples exercício de dar vazão ao movimento, dizem, serve de prêmio ao fato de existir. Não existo, resisto; E nessa morte voluntária para tudo o que me é periférico, sento-me feliz no trono aristocrata no qual meu nariz reina absoluto, o reino daquilo que me é caro, daquilo que está ao meu alcance... tédio, tédio para todo o resto das miudezas que compõe o tecido funcional dessa maquete vista de cima, com seus sinais de trânsito a revezarem as mesmas cores de sempre, com a rotina diária a cumprir o mesmo itinerário regido pelo revezamento celeste entre sol e lua. Será que algum dia a raça humana não reconhecerá finalmente que o motivo para a sua cegueira repousa no desejo de manter acordado o ímpeto de continuar sempre adiante, seja lá por qual razão ou caminho? Eu estaciono, deliberadamente armo a minha rede para roncar os pedidos de vamos em frente, e ao meu redor um oásis de deixa-pra-depois se configura inviolável. Tédio, um tédio a tudo o que orbita ao meu redor para que o dentro de mim não sofra as misérias do existir em função dos pedidos alheios. Olho para o meu cão e o compreendo perfeitamente na sua bigodice aguda, entregue por completo de barriga ao chão gelado, pestanas cerradas enquanto lá em cima o cosmos insiste em avançar pelo infinito. Ora, que os astros se danem, pensa o cão! Para que render reverências aos benditos planetas que no alto distante cumprem uma jornada impossível de tanger com o focinho, quando as delícias do azulejo frio bastam para resumir toda uma vida de prazeres da preguiça? As almas dos bichos são invioláveis, por um destino que não sabemos porque a nós foi surrupiado, os animais descansam numa sabedoria de monarcas do próprio umbigo, já nós, pobrezinhos, crentes numa aristocracia da escravidão seguimos em fila indiana na certeza do progresso da civilização. Tédio e preguiça... é o que eu tenho para oferecer aos que insistem em me chamar a participar dessa gincana coletiva do perde-ganha. Na solidão desse meu retiro voluntário eu já venci antes mesmo de propor-me a competir. Subo no pódio do meu mundo com a certeza inabalável de que é pelo lado de dentro que as fronteiras da liberdade podem se expandir. Que modorrenta preguiça daqueles que entram e saem das suas labutas diárias na esperança de tornar melhor uma engenhoca artificial na qual não suspeitam ocupar uma minúscula parte de uma totalidade invisível. Que sono profundo desse trânsito infinito de funcionários do ‘bem estar’ social, agentes de uma mentira que nunca se resolve, todos distantes do entendimento de que é somente no exílio escuro da solidão que algum sentido de plenitude pode ser alimentado. Ah, se todos fôssemos náufragos de nossa própria jornada e pudéssemos suportar a dor de carregar nas próprias costas o peso de estar só... mas, ao invés disso, damos preferência ao bando, à multidão de sonâmbulos da proficiência, arautos da proatividade, do lucro e da vitória social. Espectros de fantoches humanos, marujos de uma embarcação à deriva. Armo a minha rede e aqui fico, exercitando o meu olhar, experimentando uma letargia de estar vivo... assim assino meu passaporte de estrangeiro na própria pátria, trocando as palavras e invertendo a língua que aprendi a falar desde cedo, mas que agora me é tão esquisita quanto qualquer outra na boca dos que estão do outro lado do mundo. No tempo do relógio a dor de me saber impotente, entregue a uma rotação que não é a minha... mas pelo menos dessa dor eu comungo e dela faço parte. Só separo o que não é de mim, o resto assumo como propriedade daquilo que sou, sempre serei e nunca deixarei de ser...

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